Betho Ieesus

 

Azul, azul do céu
Onde meus olhos se perdem
Onde longe é azul
Intocável azul
Azul da andorinha
Calor
Longe
Ao longe
Betho Ieesus

Estava a estudar quando tocam a campainha. Atendo meu amigo e vizinho Alberto, cujo pseudônimo é Betho Ieesus. Trazia-me impresso seu livro de poemas que acabara de chegar às suas mãos, A Casa de Vidro (São Paulo, Sun Trip, 2011) Conhecia-os todos, pois escrevi o prefácio movido pelo interesse inusitado que as curtas mensagens imbuídas de carga poética me proporcionaram. Conversamos um bom momento a respeito não apenas da feitura gráfica do livro, como das fiéis reproduções dos desenhos de Betho Ieesus nele contidos. Brevemente haverá o lançamento, que poderá ser acompanhado através de seu site www.bethoieesus.com.br. Entendi oportuna a inclusão no post da semana do prefácio de A Casa de Vidro, coletânea de seus poemas. Ei-lo:

Betho Ieesus é figura singular, entendido na multiplicidade curiosa de seu pensar. Poucos têm vários dons e apreendem  a multiplicação. Engenheiro de áudio, pintor, cantor, instrumentista, poeta e conversador polêmico. Em todas as atividades a que se propõe deixa a marca de seu entusiasmo. Na área artística atua sem culpa por mim, palavras suas tiradas de outro contexto, mas que bem poderiam ser transplantadas para o todo de seu multidirecionamento. Betho Ieesus consegue interpretar a vida de maneira crítica, sem perder o humor.

Conhecia alguns de seus quadros, onde não faltam alusões permanentes à musica e ao violão, seu instrumento eleito. A visão pictórica forte não despreza a subjacente reverberação sonora, razão basilar de seu desempenho profissional. Quando se projeta no canto, acompanhando-se ao violão, interpreta sua dupla criação música-poema com uma voz plana, mas não desprovida de interesse. Há tantos exemplos entre cantadores cult consagrados pela mídia que assim desfilam seus repertórios. Percebe-se que busca transmitir a dupla mensagem com sinceridade, sem qualquer empáfia. Letra e música de seu CD Hora Absurda traduzem a inquietude social, mesmo que a realidade do cotidiano tente mascará-la.

Betho Ieesus reuniu vários de seus poemas,  ilustrando-os  com desenhos de sua lavra. Nasceu A Casa de Vidro. Se há nítida admiração pela poesia concreta, se Ieesus é cultor desde sempre de Fernando Pessoa, há certamente ascendências em seu trato poético. Os curtos poemas, contituídos tantas vezes de frases aparentemente sem lógica, se relidos justapõem-se como em um jogo mental de puzzle. Para o leitor apressado ou para o menos avisado, essas frases pareceriam sem nexo. Contudo, uma soturna coerência paira no todo dos 63 poemas.

Diferentemente da visão onírico-nostálgica de Chico Buarque, denuncia a violência à espreita em “A Janela”: As janelas perderam seus vigias/Senhoras que viam o tempo passar/Moças bonitas esperando um belo olhar/agora… a ausência/A grade que impede o olhar.  É-lhe preferencial o tempo, esse passar inexorável em “Olhos que Passam”: Pessoas passam/Como sempre passam/Passarão novas pessoas/Olhando passarão/Olhos fundos/Olhos que passam/Que sempre passarão. A ritualística na significativa metáfora em “Chuva”: … A chuva que passa/Estendida pelo chão/Esquartejada pelas rodas…  A sempre preocupação com o tempo cronológico no poema “Página”, quando Ieesus amalgama físico-mente : Meu tempo de voar é agora/Nem antes ou depois/Já voei com asas/Já voei com a mente/Agora com asas e mente…  Johan Kennivé, o magnífico engenheiro de som da Bélgica, confessava-me que o silêncio é seu equilíbrio para transportá-lo às incontáveis gradações sonoras que compõem seu universo musical. O triângulo de Betho Ieesus é preciso e revelado em “Pedra”: Bater na pedra/Rebater/contar/No canto das pedras/Silêncio/Música/Deus. Sob outra égide, um brincar com as letras daria bem a medida da “Rua Direita”: “Calça ali/Calça leve/Calça aqui, breve/Caça ali/Caça leve/Caça apenas Caça/Breve”. O quebra-cabeça não tem peças basicamente idênticas ?

O lúdico como elemento inseparável vaga por vários poemas. Reminiscências do “Balão”: Colorido balão/Habite meus pensamentos/Volte de lugar nenhum/Dos lugares por aí/De visitar tudo/Sem nunca precisar esquecer. Mais acima do espaço baloneiro vem “Culpa”: Céu de estrelas/Longe cidade/Céu aberto/Um milhão de estrelas/Olimpo/Lá conversam sobre o homem/Lá na terra das estrelas/Nos palácios cheios de infância/Onde vi a estrela cadente e pedi/Pedi por mim/Sem culpa/Por mim.

Um poema é dedicado ao “Violão”, seu instrumento eleito. Ele, Betho, aluno do saudoso Henrique Pinto: Tenho um violão que brilha/Enquanto velho perde a cabeça/Toca coisas para dentro de mim/Sujeito cheio de coisas/Ensina a viver dentro de mim.

Segue Betho Ieesus seu caminho. Por vezes parece-me um sonhador, ou aquele que tudo observa, ou um conquistador de horizontes imaginários. Para quem for à leitura de seus breves poemas, a releitura dará sempre um novo sentido. Um puzzle em movimento, sempre à espera da peça que falta.

Betho Ieesus is a multi-talented artist: sound engineer, painter, guitar player, composer, singer, writer. I’ve in hands his just published book “A Casa de Vidro” (The Glass House), a selection of some of his poems illustrated by the author himself. Short free-verse poems, showing influence of the concrete poetry. I see them as “puzzle poetry”: provocative and often making readers experience a baffling effect, until new readings unravel the secret and one finds the missing piece.