Em Torno dos Posts Cáusticos

As nuvens são fugidias, mas a lua é permanente.
Provérbio do Butão

Conheci Sandra há cerca de uma década nos espaços dos supermercados de nossa cidade bairro, Brooklin-Campo Belo. Com certa frequência a encontro e sempre trocamos algumas palavras prazerosas. Desta vez, Sandra foi incisiva ao dizer que, apesar de ter gostado de posts em que critico o Sistema, o governo e os segmentos econômicos e financeiros, acha-me por vezes desesperançado, mormente quando me refiro, reiteradamente, a determinadas situações: “nada a fazer”.

Em torno desse “nada a fazer” conversamos longamente enquanto  tomávamos um suco de abacaxi no Natural da Terra. Tentei explicar-me. Para Sandra, esse “nada a fazer” soava imperativo. É bem provável que também para muitos. Ao referir-me, no blog de 4 de Fevereiro,  a esse impasse ético e moral no Big Brother Brasil e à degradação dos costumes que o programa acarreta, disse-lhe que recebi inúmeros e-mails sobre o blog, entre esses três vindos de França e de Portugal, atestando  a repulsa hoje a esse tipo de programa. Comentei para Sandra o teor dessas mensagens, que transcrevo ao leitor.  Joana Gabriela, de Lisboa, observa: “Devo dizer-lhe que em Portugal exibiram recentemente um programa idêntico ao Big Brother que, tal como aqui, fez sucesso, e chega a ser triste o que lá se vê. Jovens entre os 18 e 30 e poucos anos, pouco instruídos, a maioria com extremo baixo nível cultural e intelectual. Espantou-me o elevado preconceito e machismo revelado por aqueles jovens, ainda para mais tratando-se de jovens – seria de esperar que tivessem a mente mais aberta, outra capacidade de ver e encarar assuntos como a homossexualidade, por exemplo. Pode dizer-se que é um lamentável exemplo da juventude portuguesa. E não nos iludamos: a grande maioria será assim mesmo. Só para ter uma noção: uma das jovens respondeu da seguinte forma à pergunta “diga um país da América do Sul”, ‘hmmm….não sei….África?’  Há quem diga que havia uma certa manipulação da produtora do programa, que indicaria à tal jovem o que tinha de responder, mas que muito daquela total falta de noção de tudo era verdade. Eles nem sabiam quem é o atual Presidente da República ou o Primeiro Ministro de Portugal! Será possível tal falta de informação?” François Servenière penetra na mesma seara: “ Tivemos o mesmo aqui em França a partir de programas horríveis onde os jovens se prestavam à cenas a beirar a pornografia direta. Não me recordo do nome da emissão, mas esses programas tiveram repercussão e desapareceram das antenas francesas. Ou seja, após um grande sucesso de audiência, essa tele-‘lixo’, como era denominada aqui, acabou por enojar o público antes mesmo de chateá-lo”. Idalete Giga escreve do Alentejo: “Gostei muito do seu texto O Nada Transfigurado no Tudo- Três exemplos hodiernos. O que mais me impressiona nas sociedades de hoje é, de facto, a imbecilidade colectiva, a ‘alienação globalizada’ , o ‘tzunami do nada’  muito bem afirma. A questão do Big Brother é o exemplo mais asqueroso, eu direi mesmo debochado que a televisão alguma vez apresentou. Não há palavras para classificar esta trampa televisiva. Mas há quem goste de trampa (!) e ela continua a ser servida sem o mínimo respeito pelos telespectadores decentes que ainda sabem distinguir o trigo do joio e protestam contra a imbecilidade colectiva, sem que alguém lhes dê ouvidos”.

O drama que envolve o “nada a fazer” é que em nosso país a educação está sucateada e é uma das últimas reais preocupações do governo, juntamente com a segurança e a saúde. A conhecer todas essas mazelas, a corrupção, mãe generosa que acolhe desvios do orçamento e todos outros tipos de suborno. Povo despreparado se deixa iludir facilmente, e a Rede sabe muito bem os caminhos que levam à grande audiência e nela se estabilizar. O “nada a fazer” é a certeza de que a educação continuará em estado agonizante e, sem ela, a esperança fenece.
Sandra tem o perfil da mulher da esperança. Confiante. Trabalha no departamento jurídico de uma multinacional. Ela acredita que nossa televisão aberta estará mais tarde em patamar de excelência, assim como a “música” sem qualidade deverá dar lugar novamente às manifestações musicais que, para ela, são inesquecíveis. Mencionou entusiasmada Bing Crosby, Frank Sinatra, Tony Bennett, Ella Fitzgerald, Bill Evans, Charles Trenet, Yves Montand, os Beatles, Elvis Presley, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Elis Regina, Astor Piazzolla. Aprovei in totum. Observei ainda que essa viagem no tempo, que também é parte da minha quanto à música popular, não teve repetição, e que mais e mais “ídolos” forjados no presente estarão esquecidos em prazo curto, pois o Sistema assim opera, a cada ano mais dolorosamente acelerado. E quanto à musica erudita, qual é o processo, perguntou-me?  Sob outras condições, é evidente, mas o Sistema, por múltiplas razões, privilegia uns poucos, nem sempre os melhores. Na mínima fatia reservada à música também denominada de concerto ou clássica quantidade de intérpretes surgem anualmente e apenas alguns permanecem e, mesmo nessas condições, entre esses sobram pouquíssimos, pois o Sistema tem a necessidade imperiosa de “renovar”. Essa mutabilidade, que faz o “famoso” hoje desaparecer na aurora seguinte, tem, sobre outra égide, alguma semelhança com outra mutação, aquela que faz um celular com mil funções ser suplantado pouco após seu lançamento por outro com algumas mais inovações. E esse é apenas um exemplo entre tantos outros que não se estabilizam, não ficando sequer na memória das pessoas. Quando mostrei a uma neta um celular “antigo”, ela achou que aquilo poderia ser tudo, menos um telemóvel, como dizem os portugueses. Estamos na era do descartável  e da “novidade” e temos de a ela nos acostumar ou, ao menos, observá-la com prudência, pois corremos sérios riscos de nos tornar prematuramente jurássicos. Sandra sentiu-me ainda mais cético. Expliquei-lhe que estou com problemas sérios com o computador – apesar de ter técnico competente a assistir-me e meu grande amigo Magnus a me tirar de sufocos permanentes via fone – e, ao adquirir um laptop como alternativa para não ficar no apagão informático, mais me certifiquei de que pouco a pouco, com o desenvolvimento tecnológico, as defasagens  se acentuam, mormente na minha faixa etária. Difícil  acompanhar inovações nessa área. Nessa área, friso.

Perguntou-me, finalmente, se acreditava naquilo que me era familiar: música e textos. Respondi-lhe que aí estavam meus portos seguros. O piano e o vasto repertório que montei ao longo das décadas e os textos que fluem como água em uma nascente. Se continuo a buscar o repertório de excelência, do barroco ao presente – todos os anos, paralelamente ao acervo sedimentado, incluo novas e extraordinárias obras – só não me dedico, presentemente, às criações composicionais experimentais. Como elas pululam!!! Geralmente não resistem à uma primeira audição. Enquadram-se na mutabilidade, pois o multidirecionamento pessoal e arbitrário namora facilmente o perecível.

Ainda tivemos tempo para passar pela secção da padaria e comermos pão de queijo que acabara de sair. Impossível permanecer cético nessas condições, disse-lhe, não sem alegria.

A conversation with a friend about one of my last posts and the feeling of hopelessness that comes from my perception that there is no way out from our chronic problems: decay of moral values, failure of the state education and health systems, lack of faith in public safety policies, the pursuit of money and the ephemeral above all else in the information age.