Lançamento de Álbum de CDs Lopes-Graça

Viver interessa mais do que ter vivido;
e a vida só é vida real quando sentimos fora de nós
alguma coisa de diferente.
Agostinho da Silva

Nunca fui afeito à matemática e as dificuldades durante os estudos básicos e secundários na matéria foram quase instransponíveis. Contudo, sei realizar as operações elementares sem uso de quaisquer aparelhos ou tabelas. Os números vão sendo adicionados ou subtraídos à maneira de degraus, multiplicados ou divididos progressiva ou regressivamente. E é o que sei. Na somatória chego à 46ª viagem a Portugal, nunca como turista, mas sempre em atividade musical. Desde os primórdios.

A crise econômica avassaladora que se abate sobre a Europa tem, em alguns países, situações dramáticas, como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Incúria administrativa dos governos, relações espúrias com as empresas, são todos ingredientes que deram substância  a essa palavra execrável, corrupção. Os menos favorecidos, desde a antiguidade, sofrem o peso desse Leviatã que sempre sairá ileso das crises, pois mecanismos o Monstro tem, e “qualitativos”. Nada a fazer.

A presente digressão terá vários ingredientes inusitados. Primeiramente, o lançamento do álbum de dois CDs contendo composições inéditas para piano do grande músico português Fernando Lopes-Graça (1906-1994). Gravei-as em Mullem, na Bélgica Flamenga, em 2010. Será tema do próximo post.  Haverá em meus recitais a apresentação em primeira audição de obras de Eurico Carrapatoso e de João Francisco do Nascimento. Igualmente delas trataremos no momento oportuno. Como fator inusitado, Regina Normanha Martins se apresentará pela primeira vez em Portugal. Minha mulher interpretará obras – nessa comemoração do ano Portugal-Brasil, mas fora de qualquer amparo ou divulgação oficial – de Frederico de Freitas (1902-1980), Fructuoso Vianna, Villa-Lobos e Francisco Mignone. Salientemos duas em especial, o delicioso  Livro de Maria Frederica, do compositor português, e a magistral Sonata nº 1, de Francisco Mignone. O Livro… de Frederico de Freitas foi citado pela dileta amiga Idalete Giga quando da tournée de Novembro último, durante o percurso Lisboa-Évora. Em 1982, Humberto D’Ávila, ilustre crítico musical do “Diário de Notícias”, ofereceu-me em Lisboa um exemplar da obra. Estou a me lembrar que estudei o encantador e tão bem escrito Livro de Maria Frederica destinado ao universo infantil. Tentei introduzi-lo nos cursos de piano complementar na USP. Não tive guarida e passei a ensiná-lo isoladamente a muitos alunos que frequentaram minha classe de piano. Imediatamente após as palavras de Idalete pensei em Regina, que durante anos transmitiu a obra a seus alunos da FMU. Portanto, está sendo um prazer estético para Regina apresentar o Livro… em recital e, de acordo com e-mails recebidos de Portugal, amantes da música aguardam ansiosamente por essa nova leitura.

Se cidades serão visitadas para os recitais, considere-se que terei a oportunidade de realizar master classes na Universidade de Évora, a privilegiar apenas o repertório português, do barroco à contemporaneidade. Um agradável desafio em terras portuguesas, um prazer inaudito de poder “aconselhar” jovens pianistas em seu repertório pátrio que eu tanto admiro. Reiteradas vezes nesse espaço referi-me à qualidade absoluta de alguns compositores de Portugal que, por motivos tantos, não são devidamente divulgados. Sim, há intérpretes excelentes em terras portuguesas que se têm dedicado ao estudo e à execução desse manancial. Todavia, alguns igualmente qualitativos, mas com ampla divulgação no Exterior, basicamente ignoram o que foi escrito em Portugal. É uma triste verdade. Em termos brasileiros, o conhecimento do repertório musical português é basicamente nulo. Não diria triste realidade, mas vergonhosa situação.

O contínuo retorno a Portugal, independente de qualquer ação de Governo ou Instituto de Fomento, dá-me a liberdade das escolhas e o descompromisso com a redação de enfadonhos relatórios a serem analisados e arquivados para sempre. Um ex-aluno me perguntou se sofro alguma pressão quanto à montagem de repertórios ou à preparação de palestras ou conferências. A resposta foi negativa. Todas as obras dos dois CDs a serem lançados foram escolhidas pelo intérprete e permaneciam inéditas fonograficamente, exceção à Cosmorama, de Lopes-Graça, gravada em 1967 pelo bom pianista suíço Georges Bernand, mas cuja conservação deteriorou-se com o tempo. Quanto às palestras, têm elas os temas a condizer com a qualidade do público, o interesse por determinado período histórico ou compositor em particular.

Toda viagem tem ingredientes da expectativa, da surpresa, do desvelamento, da concretude. Creio que o importante é termos a certeza de que a preparação atendeu àquilo que esperam de nossas performances. Nesse quesito, apenas o rigor é salvaguarda. Atravessemos confiantes o Atlântico.

On my concert-tour in Portugal in May-June 2012, the release of my double album with works by Fernando Lopes-Graça by PortugalSom, master classes in Evora and my wife’s Regina Normanha’s first recital in Portugal, presenting pieces written by Portuguese and Brazilian composers, since 2012 is the year of Brasil in Portugal.