In Memoriam do Cadeirante Israel Cruz Jackson de Barros
Se me apontares ao impossível,
te sairá baixo o tiro ao possível.
Agostinho da Silva
O percurso da corrida de São Silvestre de 2011 foi dramático (vide Corrida de São Silvestre e Equívocos – Quando Interesses Estranhos Sobrepõem-se à Alegria de Muitos. 07/01/2011). A Yescom, ao inserir a descida da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio em direção ao Ibirapuera, após a difícil subida da mesma avenida desde o centro da cidade, sujeitou milhares de atletas amadores a um desgaste físico, mormente das articulações dos joelhos, de maneira, poder-se-ia dizer, irresponsável. A dispersão após a chegada teve lances tragicômicos, com milhares de atletas enlameados devido ao forte aguaceiro durante todo o trajeto e à total falta de infraestrutura, pois inexiste meio de transporte à altura naquela região para atender uma malta imensa. Logo a seguir à corrida, dirigente vangloriava a organização pelo sucesso do “novo” roteiro. Sabedores das lesões a que foram acometidos centenas e centenas de amadores, a Yescom ficou silenciosa, nem enviou questionário prometido aos participantes a solicitar opinião sobre o trajeto de 2011. Fiquei com edema nos joelhos durante bom tempo, tive de fazer ressonância magnética e fisioterapia. Curei-me. Outros corredores com quem converso antes de cada prova sofreram mais, pois meniscos e patelas ficaram bem avariados.
Para a corrida do fim de ano que passou alteraram o horário para o período da manhã, voltou-se ao percurso antigo, mas com uma agravante existente no percurso de 2011, a descida da Major Natanael, verdadeira pirambeira que desce da Dr. Arnaldo até o estádio do Pacaembu e após, sob o nome Desembargador Paulo Passalacqua - plana por algumas dezenas de metros -, apresentando outro declive menos acentuado até a praça Charles Miller. Inútil dizer, e tantos excelentes corredores com quem conversei ratificaram, que submeter o atleta amador a uma descida tão acentuada a pouco mais de 1km da largada é irresponsabilidade plena. O antigo trajeto da Consolação atendia a todas as exigências físicas, descida compatível com a temível subida da Brigadeiro Luís Antônio a cerca de 3km antes da chegada na Paulista. Percebe-se que se está diante de empresários amadores no que concerne ao esporte, pois sem a antevisão do possível erro, equívoco ou acidente. As organizações de corrida Corpore, Circuito das Estações Adidas e JJS, apenas como exemplos, têm dado demonstrações constantes de boa organização. Por que não seguir o que está a dar certo? Qual a razão de constantes modificações e até descasos por parte da Organização? Jamais responderão; aliás, costume brasileiro enraizado nesse tergiversar realidades quando interesses estão em jogo.
E veio a Corrida de São Silvestre 2012 com percurso a apresentar outras alterações e horário modificado. Poder-se-ia dizer que o novo horário agradou. Houve, primeiramente, a corrida dos cadeirantes, após a das mulheres e por fim a geral, esta às 9:00. Toda a minha preocupação, já apontada em blog do início de 2012, quanto às descidas perigosas para atletas amadores, a da Major Natanael e a hoje felizmente esquecida da Brigadeiro Luís Antônio, teve enfim, para consternação de tantos corredores, que souberam tardiamente do fato, o mártir imolado. O experiente atleta cadeirante do Pará, Israel Cruz Jackson de Barros, 40 anos, morreu justamente na fatídica Major Natanael. Levado à Santa Casa, teve morte decretada às 8h50 por parada cardíaca. Pergunto aos organizadores, será que não houve uma só voz a dizer que aquela ladeira bem inclinada não se presta aos cadeirantes? Não pensaram que acidente grave e tragédia poderiam ocorrer? Igualmente no caso dos corredores amadores? Estariam a espoucar o champanhe do Réveillon com a consciência sombria ou a contabilizar o lucro excessivo dessa tradicional corrida? Na entrevista publicada no Portal Terra, sob o título “Satisfeito, diretor geral pretende manter São Silvestre de manhã” (31 de Dezembro de 2012 – 13:45 – atualizado às 15:08), o senhor Júlio Deodoro louva aspectos da prova sem mencionar a tragédia ocorrida. No mesmo portal (01 de Janeiro de 2013 – 20:28), em matéria intitulada “Cadeirante temia a ladeira da São Silvestre”, tem-se “Os cadeirantes reclamam da inclusão da ladeira da Rua Major Natanael no percurso. Há diversos relatos da dificuldade de manter o controle da cadeira naquele trecho. Mesmo usando os freios, alguns chegam a 50km/h. Na prova anterior, já houve acidentes nessa descida, mas sem a mesma gravidade do episódio ocorrido na segunda-feira. Mesmo assim, a organização manteve o percurso, a despeito do risco que ele oferece aos participantes com cadeiras de rodas” e, friso, em outro grau para corredores de rua. Será um desrespeito à memória de Israel de Barros e um atentado ao bom senso se pensarem manter essa descida que margeia o Cemitério do Araçá. Teria ele morrido em vão? Le peuple a la memoire courte, diz frase proverbial. Estarão os organizadores a pensar nessa possibilidade do rápido esquecimento? O diretor técnico da prova, Manuel Garcia Arroyo, em entrevista à Folha de S.Paulo (02/01/2013), não classificaria de “fatalidade inexplicável” o chocante acontecimento? Afirmaria, ainda, que “não faz sentido alterar o percurso” e que avisara os cadeirantes “não se esqueçam da descida da Major Natanael” (sic). A família do experiente paratleta tragicamente acidentado, mercê da insensatez da organização da São Silvestre, tem de buscar junto à Justiça o mínimo, a reparação cível pela tragédia que se fazia anunciar e que poderá se repetir, caso alteração sensível do trajeto em questão não prevaleça.
Soube apenas à tarde da morte do paratleta. Após a última São Silvestre comentei que tive joelhos lesionados. Lá pelo mês de Junho estava perfeitamente bem e participei de mais de dez corridas no segundo semestre. E foi bem a Major Natanael, apesar de todos os cuidados que tive ao descer, que está a fazer doer, agora, minhas articulações dos joelhos, episódio que esquecera.
Se esse declive absurdo foi o ápice da irresponsabilidade, o que dizer da hidratação, quando o primeiro posto estava no km4? Corpore, Circuito das Estações Adidas e JJS pensam nesse item aproximadamente a cada 2km. Do km 4 ao final foram poucos os pontos de hidratação, o que fazia com que atletas amadores buscassem se garantir pegando duas garrafinhas. No início da temível subida da Brigadeiro, de mais de 2km, deveria haver um posto de hidratação. Qual a razão de lá não estar? E o atleta nesse longo aclive transpira bem mais. Isso é fato. Outras organizações geralmente servem água gelada aos participantes. O que tomamos chegava por vezes à temperatura tépida.
Ao chegar, outra falha gritante. Os possantes autofalantes vociferavam que as medalhas estavam sendo entregues no fim da Av. Paulista!!! Assim proclamavam. Pergunto, não é também um descaso para com o atleta que correu 15km, tendo de chegar uma ou mais horas antes da corrida, percorrer o trajeto da Gazeta ao fim da Paulista??? Consegui a minha num pequeno nicho perto da Rua Pamplona ao alegar ser da terceira idade, visível, diga-se.
Quanto ao “resto” da corrida, não houve transtornos. 25.000 atletas amadores fazem com que quase toda ultrapassagem tenha de ser feita em ziguezague, pois são inúmeros duos, trios e quartetos que, mais lentos, obrigam-nos a desviar, sempre. Mas isso faz parte da festa e é algo até bonito. Contudo, se pensarmos bem, quem ultrapassa chega a correr de um a dois quilômetros a mais devido à sinuosidade. Chegaram a completar a prova 16.253 corredores pela listagem fornecidada até o momento. Cheguei em 12.712 lugar com o tempo líquido de 1:51:30, sempre a correr. Compatível com a idade.
Numa outra visão, saímos de minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, Canova, Carlos (Batoré) e eu e pegamos o Terminal Bandeira. O coletivo pleno de corredores. Todos descemos na parada a anteceder o túnel 9 de Julho. Meus amigos se posicionaram conforme seus ritmos. A confraternização existe e essa é a grande qualidade de uma corrida de rua. Todos irmanados, sem a existência do “olhar” a classe social. Encontrara, na Sargento Gonzaguinha, Ricardo, torcedor de nossa triste lusa, mas bravamente a vestir nossa gloriosa camisa. Conversamos um pouco na largada sobre o difícil ano que a Portuguesa deverá enfrentar. Ao chegar, qual não foi minha surpresa ao ser cumprimentado por leitor de meu blog pelo post sobre a São Silvestre já mencionado. Tinha em conta meu relato daquelas infaustas descidas da Major Natanael e da Brigadeiro, esta em direção ao Ibirapuera. Maurício Jasa é o seu nome. Simpático e alegre, proporcionou-me o prazer de conhecer um leitor antes anônimo.
Que venham outras São Silvestres, mas que os organizadores pensem em primeiro lugar no homem que labuta o ano inteiro e que busca a confraternização de fim de ano no asfalto da cidade. Que interesses menores não maculem a essência essencial dessa corrida. Ela existe há 88 anos e foi idealizada por cidadãos heróicos e sensíveis. Que os 25.000 atletas inscritos não signifiquem apenas o lucro e o pormenor. Uma parcela considerável de atletas amadores aguarda decisões sensatas por parte dos organizadores. Não se deve perder a esperança.
Luca Vitali, sensível artista, ao ouvir a leitura do presente post ficou bem emocionado. A expressiva figura cadeirante “Em direção à Luz” é uma homenagem a Israel Cruz Jackson de Barros. O artista a apreender a transcendência.
Once again I ran the traditional Saint Silvester Road Race last 31 December in the hilly streets of São Paulo. In this post I give my impressions of the race, that this year unfortunately ended up in tragedy, in my view due to lack of professionalism of both organizers and sponsors, since the course of the race forced all runners, including those physically disabled, to run down a particularly dangerous steep slope.
Comentários