A Chegada dos Novos Sinos

Il est midi.  Je vois l’église ouverte.  Il faut entrer.
Mère de Jésus-Christ,  je ne viens pas prier.
Je n’ai rien à offrir et rien à demander.
Je viens seulement, Mère, pour vous regarder.
Vous regarder, pleurer de bonheur, savoir cela
Que je suis votre fils et que vous êtes là.
Rien que pour un moment pendant que tout s’arrête. Midi !
Etre avec vous, Marie, en ce lieu où vous êtes.
Paul Claudel (La Vierge à Midi - versos iniciais)

Após o recital do dia 28, motivo do post anterior, tive apontamentos musicais que me estimularão nesses próximos três anos. Três artigos precisos, que demandarão aprofundamentos, estão agendados para duas das mais importantes revistas de música arbitradas da Europa. Juntam-se esses projetos ao repertório novo, constituído de Estudos para piano compostos por notáveis autores de França e Portugal. Os anos se vão somando nessa última fase da existência, mas a chama continua acesa. Bem haja !!!

Em um passeio amoroso com Regina e Maria Beatriz, guiados pelo amigo de sempre, Antoine Robert, de cultura humanística sem limites, fomos à Catedral de Notre-Dame. Festejam-se os 850 anos de sua existência, pois a construção teve início em 1163,  prolongando-se até 1345. Estou a me lembrar das inúmeras visitas que fiz a Notre-Dame nos meus anos como estudante em Paris. Vinham-me sempre as imagens da conversão de Paul Claudel frente à essência essencial do espírito da Catedral; o romance de Victor Hugo; a história extraordinária, não isenta de mistérios, que encobre o Templo Sagrado e a farta iconografia através dos séculos. Toda essa magia fica em nosso imaginário. Visitei muitas catedrais e igrejas da Idade Média, das quais algumas permanecem como verdadeiros portraits em minha mente, como Autun, Chartres, Reims e Saint Bavon, esta última em Gent, na Bélgica, a abrigar o fabuloso políptico dos irmãos Van Eyck (A Adoração do Cordeiro Místico), mas Notre-Dame pontifica pela aura, que envolve o mundo cristão e turistas de todo o planeta.

Presenciamos momento histórico, desde que os novos sinos da Catedral chegavam para a inauguração, que se dará aos 23 de Março deste ano, a essa altura devidamente instalados nas duas torres. Será em um domingo de Ramos a anteceder a Páscoa. Frise-se que os fiéis sempre tiveram uma relação muito intensa com os sinos de Notre Dame. Anteriormente, a Catedral mantinha na torre Sul o denominado Bourdon, o maior deles, que pesava 13 toneladas, sendo que o badalo, 500 kg!!! Fundido no século XVII,  recebeu o nome de Emmanuel, conferido por Luís XIV. No grandes eventos, como Páscoa, Natal e outras grandes datas católicas, assim como após a morte de João Paulo II ou a eleição de um Papa, é o Bourdon que anuncia em Paris acontecimentos marcantes. Quanto à torre Norte, quatro sinos assinalam os ofícios cotidianos de Notre-Dame. Pesavam entre duas e três toneladas cada um.

Num fim de tarde muito frio, um público numeroso presenciava a chegada dos novos sinos. Após, ficaram à entrada da Catedral, admirados pela multidão. Fomos a um café nas cercanias e, repentinamente, uma enorme equipe, constituída de operários, técnicos, engenheiros e o presidente da firma Cornille Havard, responsável pela feitura dos sinos, adentrou o recinto. Lá pelas tantas, dirigi-me ao encarregado, que explicava aos companheiros quesitos técnicos, e fiz-lhe indagações a que prontamente respondeu. O grande sino Le Bourdon pesa seis toneladas e os outros oito chegam até 750 kg. Explicou-nos a difícil tarefa a envolver a feitura dos sinos em precisão milimétrica, a fim de que a afinação seja absolutamente perfeita. Um erro na construção desses enormes instrumentos musicais em metal porá tudo a perder e nova fundição será imperativa. O fato de ter-me apresentado como músico fez com que o excelente técnico nos desse verdadeira aula durante um bom quarto de hora. Ao final, disse-nos que no dia dois de Fevereiro à tarde haveria a missa de apresentação dos sinos, que estarão provisoriamente colocados na nave central da legendária Catedral.

Regina e eu lá estivemos, a assistir à missa oficiada pelo alto clero parisiense, com apresentação de magnífico coral e a participação de fiéis, enquanto pelas laterais milhares de turistas de todo o mundo circulavam dentro do imenso templo sem interrupção. O frio exterior intenso não diminuía o fervor, ou ao menos a curiosidade. Durante a cerimônia não deixei de contemplar o interior de Notre-Dame. Do gótico primitivo às consequentes evoluções. Exemplo essencial da arte medieval da cristandade. Arquitetos, escultores, trabalhadores e artesãos edificando o Templo. A Catedral impregnada da competência plena de seus construtores. E como não pensar nessa arte extraordinária que fez nascer em França, durante três séculos (1050-1350), cerca de 80 catedrais, centenas de grandes igrejas e milhares de templos menores ou capelas!!! Quantos milhares de toneladas de pedra!!! Dois dias antes admirávamo-nos com a luz dos vitrais das duas monumentais rosáceas situadas nos transceptos, mormente os da esquerda de quem está frente ao altar, pois absolutamente conservados. Entende-se um pouco a mística que a Catedral, envolta em inefável espírito de fé, representa para o mundo cristão. Acontecimento para não mais ser esquecido.