Há solução para nossa índole?

Falta-nos a voz com que protestar
Almeida Firmino (poeta açoriano)

O cotidiano muitas vezes faz com que temas relevantes não sejam observados com acuidade. Em nosso país raramente tivemos o impulso do protesto coletivo. Atitude que é parte da índole do povo. Alhures, manifestações grandiosas abortam qualquer situação que esteja a inquietar o cidadão comum, por vezes reformas que políticos tentam introduzir. Quando não, protestos adquirem dimensões conflitantes.

Se nossos governantes saíssem às ruas, frequentassem, sem cartões polpudos, shoppings, restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos em que há necessidade de utilização da moeda, facilmente veriam preços que dispararam, contrariando discursos e estatísticas do governo. Inclusive, amparados por legislação, salários oficiais também têm aumentado, sempre bem acima da inflação. Quantos de nossos políticos e legisladores, sem legião de seguranças, teriam a coragem de percorrer “territórios” das capitais brasileiras mais populosas? Sabem da  existência desses enclaves urbanos e na essência foram parte da causa, pela negligência que tiveram frente à Educação, princípio único para o desenvolvimento de uma nação.  

Assistimos alarmados à segurança cada vez mais à deriva. Ministro da Justiça abertamente, sem o menor constrangimento, apregoa que preferiria a morte a estar em prisão pátria, assim como, poucas semanas após, defende a não redução da maioridade penal para menores, que estão a aterrorizar cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, quando 93% dos entrevistados na megalópole paulistana clamam em enquete por essa redução. A cada minuto, friso bem, algum menor comete algum delito de teor a variar entre pequeno e hediondo. Minimamente, oposicionistas  têm a intenção de reduzir a maioridade penal, sendo que o partido situacionista, a nível federal, propaga em coro as palavras do aludido Ministro. Paulatinamente, cidadãos honrados, chefes de família, mulheres trabalhadoras, jovens, crianças são ceifados insanamente por menores a troco de um celular, de um cartão de crédito ou até por nada. Sabe esse menor que em pouco tempo estará às ruas para prosseguir seu aprendizado na busca aleatória de vítimas indefesas. Estupros são cometidos à luz do dia! Está-se a viver num país difícil de compreensão. Sob outra égide, suspeitos endinheirados, voltados à corrupção endêmica, têm como se proteger, pagando polpudos honorários a advogados renomados de sempre…  Morosamente, a Justiça obedece a outro infindável festival de recursos e o que se vê ou é a prescrição do direito ou, quando muito, em outro contexto, penas abrandadas. Essa situação, a privilegiar quem pode, deixa pasmos cidadãos mais esclarecidos, pois sabem que as grades não farão parte do “condenado” abastado. Diria, vive-se próximo ao absurdo pleno. E nada acontece!!! Seria necessária a modernização do Poder Judiciário com maior celeridade na prestação jurisdicional ao cidadão.

Ao longo dos anos, sem prazer algum, engrosso a legião dos que lamentam o descaso pelo trinômio  Saúde, Segurança e Educação. Não se vê a mandatária mor vir a público dizer abertamente: Educação, Saúde, Segurança e Saneamento Básico são, a partir de agora, as bandeiras prioritárias, friso prioritárias, sem camuflagens. Ações sem tréguas, imediatas, sem promessas que se volatilizam. Temas que importunam profundamente os sucessivos chefes da nação.

Até quando assistiremos a desmandos de toda a ordem que contrariam fantasias verbais que são derramadas diariamente de Brasília e de microfones abertos pelo Brasil que recebem discursos e falas oficiais de governantes estaduais e municipais? Se aqui aportasse um alienígena e ouvisse apenas as palavras do governo central, certamente acreditaria que vivemos no paraíso.

Sob outra égide, a anestesia generalizada atinge pormenores que passam desapercebidos. Como exemplo, citaria algo que seria incompreensível décadas atrás, logicamente a obedecer contexto outro. Como educação, reza o código de boas maneiras que não se deve interromper um interlocutor numa fala, mesmo que banal. Aprendemos desde a infância a assim proceder. Ainda hoje, em reuniões civilizadas, aquele que tem a palavra não deve ser interrompido. Esse ato de interromper virou contudo, na internética, algo rigorosamente banalizado. Mencionaria como exemplo o provedor Terra, o YouTube e tantos mais. Ao abri-los, a tela principal  imediatamente é invadida por outra da mesma dimensão com uma publicidade qualquer. É realmente absurda essa invasão. Será que algum dirigente lembrar-se-ia dessa não interrupção de diálogo, princípio fundamental da boa educação. Será que esses profissionais da mídia aprenderam em casa, durante suas “formações”, que o princípio da não intromissão é preceito elementar?   Sempre que essa tela indesejável surge, deleto-a imediatamente, sem mesmo me ater a que se refere. Contudo, se o navegante partir para uma janela em especial, ao regressar o invasor retorna com o mesmo ímpeto. Tempos atrás, essas publicidades aos montes ficavam a pulular pelas laterais. Continuam, em movimento ou estáticas, mas poluidoras. O poderio do vil metal é tanto que agora, sem pejo, somos atacados frontalmente por propagandas avassaladoras, certamente mais dispendiosas para o anunciante. Este e os provedores têm consciência dessa intromissão. Perderam o espírito da educação. Sim, publicidade é essencial, mas e o elementar princípio ético? Nada a fazer, pois não há regulamentação, creio eu, para esse tipo de procedimento. E a “quem” interessaria regulamentar, se considerarmos que se  generalizou o fato indesejável?

Permanecemos anestesiados. Para as menções primeiras ligadas ao governo ou para atitude praticada por empresas privadas, não temos como reagir, pois nossa índole, hélas, trois fois hélas, aceita até aberrações. E se protestos chegarem um dia à Justiça, recursos sequenciais anestesiarão aquele que porventura tentar revindicações. A vergonha dos precatórios aí está, a evidenciar a chaga aberta.  As benesses prodigalizadas pelo governo aos menos favorecidos, migalhas que prevalecem sobre o aprendizado do fazer construtivo, dá garantias às mãos abertas de políticos para que  votos necessários cheguem na hora oportuna. Anestesiados somos, sem dúvida. Nossas praças continuarão vazias e silenciosas. Índole? 

On the passivity of Brazilian citizens in face of serious social issues and its consequences. Unable to think critically, we do not engage in partnership activities that would benefit society at large. As a result, education, health and safety (both physical and juridical), basic rights taken for granted in developed countries, are a luxury we cannot afford.