Surpresa e Entusiasmo Exaltam a Qualidade
Ao adentrarmos a esplendorosa Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa, no último dia 28, ficamos surpresos. Público numeroso e muitos ouvintes sentados no chão. Músicos, melômanos, adultos e jovens saudaram as obras que foram apresentadas em primeira audição em Portugal. A minha relação intensa com a família de Henrique Oswald, que remonta ao ano de 1978, quando, ao lado da neta do compositor, minha saudosa amiga Maria Isabel Oswald Monteiro, “redescobrimos” tantas criações maiúsculas de Oswald guardadas carinhosamente em pastas pela neta, resultou em momento mágico. Os bisnetos do compositor, Tude e João Inácio, chegaram no dia do concerto vindos de Brasília e de Cabo Verde, respectivamente. Imensa alegria!!!
O grande musicólogo português Mário Vieira de Carvalho ficou muito impressionado com a escrita oswaldiana, que dialoga tão bem com a dos compositores europeus do período, que seguiam o caudaloso rio romântico. Na realidade, foi somente após nossos compositores realizarem a travessia atlântica rumo à Europa, mormente na segunda metade do século XIX, que esse diálogo se estabeleceria à altura.
Dois outros ilustres pensadores musicais em Portugal, o musicólogo e professor José Maria Pedrosa Cardoso e a gregorianista Idalete Giga, escreveram impressões que muito me comoveram. Pedrosa Cardoso comenta:
“Não era a primeira vez que a música de Henrique Oswald se fazia escutar em Portugal, mas para muitos, quase todos os que lotaram a magnífica sala barroca do Palácio Foz, foi rara a oportunidade de apreciar música de câmara de um excelente compositor quase ignorado, digno representante do romantismo tardio. O recital muito bem desenhado por José Eduardo Martins, afinal o primeiro responsável da divulgação de Henrique Oswald no mundo, começou com a Sonata-Fantasia op. 44 para piano e violoncelo, na qual o compositor faz um discurso denso de sonoridades contínuas, explorando de certo modo a melodia infinita, já apregoada por R. Wagner. E, se no Poemetto Lirico Ofelia, sobre versos intensamente românticos de Solone Monti, o compositor expressou a sua sensibilidade profunda pelo texto na linha de Hugo Wolff, nas três peças de piano expôs a sua técnica virtuosística visível numa escrita exaltada, à boa maneira dos salões românticos (Estudo e Valse-Caprice), depois de mergulhar quase em obsessão sensível com a peça Il neige. E já de volta ao violoncelo, as peças Berceuse e Elegie, confirmariam o ideal onírico de uma escrita muito próxima do romantismo francês (Saint-Saëns e Fauré), que terminaria com a espectacular Sonata op. 21, numa afirmação de domínio formal no diálogo piano-violoncelo, chegando a cumes dramáticos sobretudo na parte do piano. Assim se fez justiça, na sequência do exposto na Revista Glosas, ao notável compositor brasileiro, Henrique Oswald, graças ao empenhamento e maturidade de um grande pianista, José Eduardo Martins, secundado com mérito pelos jovens Nuno Cardoso e Rita Morão Tavares que visivelmente se transcenderam”.
Idalete Giga escreve:
“A simplicidade da linha melódica dos inspirados temas de Henrique Oswald encantou-me e conduziu-me, de imediato, ao universo mágico da pura linguagem poética do compositor. Quer nas obras mais complexas como as Sonatas em mi bemol maior e ré menor da integral para piano e violoncelo, quer nas peças mais breves como o belíssimo Il neige, a terna Berceuse, a despojada e quase sacra Elegia, a Valse-Caprice plena de brilhantismo e bom gosto, o virtuosismo e grande imaginação rítmica do Estudo, quer ainda no dramático Poemeto Ofelia- cinco breves canções com texto italiano, é constante o lirismo, a riqueza melódica e rítmica.
Henrique Oswald não segue clichés românticos artificiais. Rejeita-os. Foge deles a cada compasso, a cada nova ideia melódica ou rítmica que desenvolve magistralmente. Modula de forma subtil. Não é um atormentado. Mas é, sem dúvida, um romântico, no melhor sentido do termo. Criou o seu estilo próprio, sempre abraçado à Poesia, à luminosidade transparente do canto sem palavras. O piano e o violoncelo cantam e dialogam na mais perfeita harmonia. Henrique Oswald é um compositor-poeta-cantor. As suas obras falam ao coração humano.
O recital de piano e violoncelo pelo consagrado pianista brasileiro José Eduardo Martins e o jovem violoncelista de incontestável talento Nuno Cardoso, cujo programa integrou as obras de Henrique Oswald que acabei de mencionar, foi uma verdadeira revelação e conquistou, de imediato, o público lisboeta. Louve-se a participação da jovem mezzo-soprano Rita Morão Tavares. O belíssimo Salão Nobre do Palácio Foz, em Lisboa, onde teve lugar o recital, na tarde do passado dia 28 de Setembro, estava repleto congregando um público muito variado – melómanos de todas as idades, músicos e musicólogos portugueses.
Na histórica e misteriosa cidade de Évora, foi repetido o mesmo recital no dia 1 de Outubro-Dia Mundial da Música. A noite chuvosa não afastou o público que acorreu à bela Igreja barroca do Convento dos Remédios. Henrique Oswald ficou no coração de muitos lisboetas e eborenses que, certamente, jamais esquecerão os momentos de eternidade vividos através da Beleza das obras do genial compositor”.
A masterclass oferecida na Academia de Amadores de Música marcou a presença de jovem pianista com carreira que se anuncia muito promissora. Marta Menezes apresentou obras virtuosísticas de Liszt e Chopin com pleno domínio, mas a sua interpretação da dificílima Sonata op. 111 de Beethoven com plena apreensão estilística, revelou a artista. Parabenizo seu competente professor e pianista, Miguel Henriques.
Finalizando a breve tournée por terras lusíadas o recital que o jovem e talentoso violoncelista Nuno Cardoso e eu apresentamos em Évora, na Igreja do Convento Nossa Senhora dos Remédios, apenas ratificou a calorosa acolhida à obra de Henrique Oswald. A Revista “Glosas” ao homenagear Henrique Oswald em seu número 9 (já disponível on line www.mpmp.pt ), dá o passo importante rumo ao entendimento musical dos povos irmãos. Nossas músicas têm de penetrar fronteiras que nos são caras desde o descobrimento. Não há mais razão para ocultamentos, silêncio e até, hélas, o famigerado chauvinismo. Compreendamo-nos sempre mais acentuadamente.
On the warm reception of the recital with Henrique Oswald’s works in Lisbon and Evora and the view of two Portuguese musicologists on the qualities of the composer’s pieces. In addition, in this post I also comment on my master class at the Academia de Amadores de Música in Lisbon.
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