Considerações que Vêm a propósito

Se o seu corpo estiver preparado,
a mente o levará a qualquer destino.
Nicola (amigo e maratonista)

No post do dia 15 sobre a introdução no YouTube das seis “Sonatas Bíblicas” de Johann Kuhnau inseri foto em que Elson Oktake e eu estávamos correndo em uma das tantas provas  que se realizam preferencialmente em São Paulo. Elson é um de meus gurus do pedestrianismo. Comentários houve sobre a extraordinária coletânea de Kuhnau, ora no YouTube. Um leitor, ao ver a foto esportiva, sugeriu que escrevesse um texto sobre essa atividade. Respondi-lhe que em anos anteriores já postei vários sobre corridas de rua, mas que num próximo aproveitaria para destacar a qualidade de vida que emana do exercício físico e de práticas saudáveis.

Apraz-me o fato de ter convencido alguns amigos a praticarem corrida de rua. Os que começaram não mais desistiram e engrossam o enorme contingente de atletas amadores que, regularmente, participam das provas. Carlos, ou Batoré para os adeptos da modalidade, é um deles. Trabalhando intensamente em uma sauna há mais de 25 anos, Carlos abandonou o joguinho de futebol semanal e as “bebidas” da confraternização pós-jogo. Hoje é um dos bons nas corridas de rua. Rápido, resistente, acompanha-me em quase todas as provas das quais participo e incentiva muito aquele que o motivou a essa prática salutar. Meu genro Massimo aderiu ultimamente às corridas de rua e está em pleno aprimoramento.

No domingo do dia 16 de Novembro tivemos a 11ª edição da Ayrton Senna Racing Day – Maratona de Revezamento na lendária pista de Interlagos, que ocorre uma semana após a realização das corridas de Fórmula I. Nossa equipe TA LENTOS (em anos anteriores escrevi vários posts a respeito) participaria com os oito titulares, que ficariam gravados no sugestivo desenho de nossas camisas, realizado pelo pranteado amigo Luca Vitali. Um dia antes recebi o telefonema de Shigeo, um dos integrantes da TA LENTOS, a dizer que a mãe de um dos nossos falecera e, portanto, o casal Franco e Cristina teria de ser substituído. Lamentamos o ocorrido, mas urgia pensar em dois outros corredores para completar o octeto. Vieram-me à mente Carlos, o Batoré, e meu genro Massimo. Aceitaram e completaram com galhardia a prova marcada por descidas e duas subidas, mormente a última, bem acentuada. Como dizia um dos corredores da TA LENTOS, Yuji, mais do que a corrida de revezamento, vale o congraçamento entre as pessoas. Observei as centenas de equipes e não vi uma só fisionomia que não revelasse outra reação a não ser a da alegria de lá estar a participar.

Hoje integramos duas equipes, a TA LENTOS e a Corre Brasil, a despontar nesta última nosso dileto amigo, Elson Otake, o maratonista. Os integrantes das duas equipes têm lá seus  desafios, eles em busca da redução dos tempos e eu, à maneira de um Matusalém, a buscar, ao menos, manter meu ritmo. Aos 76 anos, nas 90 provas de rua já percorridas jamais andei, mas o ritmo moderato ma non troppo leva-me sem cansaço a cumprir todas as provas. Lustros a mais, entusiasma-me o convívio com meus colegas corredores das duas equipes, todos pertencentes à juventude da idade madura, entre 40 e 50 e tantos anos.

Da França, o compositor e pensador François Servenière, sempre presente em meus posts, teve intensa atividade na juventude como alpinista, esquiador, ciclista, nadador, corredor, futebolista, velejador, guia de montanha e professor de esqui. Foi uma alegria saber que o retorno à atividade esportiva, após muitos anos, deu-se, em parte, do exemplo deste velho corredor que a cada prova envia a foto de participação para o Espace Professionnel que Servenière mantém em seu site, no qual, entre mensagens – a  grande maioria sobre música -, trocamos fotos e ilustrações. Sob outro contexto, Servenière, que pratica atualmente longas caminhadas pelas praias e montanhas, enviou-me um apanhado de seu atual estado físico, que corrobora a boa performance mental. Ratifica o amálgama mens sana in corpore sano. Ao longo da existência assisti ao majoritário distanciamento da denominada intelligentzia frente ao “banal” aprimoramento físico, como a apontar o sedentarismo como conditio sine qua non para que as musas inspirem o pensar!!! Na Universidade prepondera esse posicionamento. Fato. É pois com alegria que transmito algumas considerações de Servenière extraídas de nossa correspondência, pois evidencia o amigo sua disciplina invejável para a manutenção da forma e, consequentemente, com reflexos na sua qualidade de vida e na criação composicional sempre em ebulição.

“Fiz meus quatro quilômetros ontem como o faço a cada domingo nestes últimos três meses. Trata-se de treinamento a trotar entre as praias de Deauville e Blonville, em que sinto a prazerosa sensação já descrita por você referindo-se às ‘distâncias encurtarem’. Readquiro a forma! O mar está frio, mas eu nem me importo, pois a circulação sanguínea está em bom fluxo, assim como minha respiração. Estou em bem melhor forma do que no ano anterior e a musculatura das pernas está rígida, bem mais firme do que há tempos atrás. A cada semana, duas horas de ginástica em casa. O esporte é verdadeiramente uma atividade necessária, sobretudo em nossas atividades sedentárias ligadas aos nossos instrumentos de trabalho (piano, computador). É-nos imperativo ficar sentados horas e horas sobre cadeiras, preferencialmente apropriadas, assim espero.

Trata-se de um retorno ao esportista que fui desde a adolescência. Em 1980 fui campeão francês de futebol em competição escolar júnior. Tínhamos dois jogadores da terceira divisão nacional na equipe de Alençon. Nos jogos do torneio encontramos duas equipes com titulares de nossa idade que já integravam a primeira divisão em Lille e Rennes. Malgrado o fato, nosso coletivo durante todo o ano adquirira um grande espírito de solidariedade, daí o resultado final. Jamais duvidamos de nossa força coletiva”.

E as reflexões continuam: “O Tempo que passa não conta. Esse estado de espírito e minha retomada de forma física nestes últimos meses já estão ligados ao esporte e à descoberta de um segredo de vida para se ter uma saúde cardiovascular perfeita, que eu aprendi, aliás, pela Internet, através de um médico francês cuja teoria simples e gratuita eu aplico quotidianamente desde 1º de Julho: ‘a ducha fria’. Eis, pois, que recarrego baterias através dos raios solares, do mar, do esporte, do trotar pelas praias, da ducha fria pela manhã seja qual for a temperatura exterior. Atributos que me dão a plena forma para atacar as novas composições, desafios permanentes. Wait and see!!!”. Continua Servenière: “Antes de receber minha bike ‘turbinada’ no próximo Natal, sinto-me a cada dia mais em forma e, sobretudo, resistente. Diria, ‘esbanjo’ saúde! Incrível o que a atividade esportiva consegue! Sentia-me em declínio, pesado, cansado, deprimido, adoecendo por qualquer motivo! Neste momento, o frio invade nossa Normandia. É necessário fazer enorme esforço para enfrentar o desafio aquático ao acordar, após  cobertores aquecidos; essa obrigação moral cotidiana é bem maior do que um despertar matinal sonoro. Todavia, pouco a pouco a corrida – assim como a ginástica e a escova de dentes! -, não apenas tornou-se um  hábito, mas, graças às endorfinas reativadas, um prazer indescritível. Meu corpo rejuvenesceu 10 anos e a próxima etapa está relacionada à respiração controlada e à resistência ao esforço. Metas a serem atingidas em dois ou três anos, mas sinto que o foguete está prestes a decolar. O resto é o resto, e o moral está elevado, mercê de tantos projetos em curso e outros no campo das ideias. Sede insaciável pela vida”.

Creio que os depoimentos de François Servenière, pinçados de mensagens espaçadas pelo tempo, dão bem a medida do sentimento que todos os que praticam atividade esportiva experimentam. Daí o fato de ter mencionado que jamais vi um rosto contraído durante as corridas de rua, antes delas e depois das provas. Curiosamente, apenas nos pelotões da elite, formados pelos corredores ranqueados que buscam troféus e prêmios em dinheiro, percebo, por vezes, semblantes severos. A atividade esportiva amorosa, voluntária, descompromissada com o pódio só pode ser exercida em plena harmonia corpo e mente. Quanta verdade contém a frase sempre ironizada atribuída ao Barão de Coubertin (1863-1937), Presidente do Comité Olímpico Internacional entre 1896-1925: “O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade”. Esse é o lema que nos satisfaz inteiramente.  As fotos de nossas equipes traduzem tantas realidades individuais e coletivas…

This post is about why I love running: the benefits for body and mind; the interaction with other runners – everybody has an advice to give, a race story to unfold -, the rush of hormones that relieve stress and make you happier. I include passages of e-mail messages received from the French composer François Servenière, who took up running recently and is already an enthusiast of the sport. To prove my point, I also publish pictures of Servenière running on the beaches of Normandy and of myself with teammates in São Paulo. Isn’t it a good way to improve our general well-being?