Navegando Posts publicados em janeiro, 2015

Sylvain Tesson e Priscilla Telmon em Travessia a Cavalo pela Ásia Central

Segredo do peregrino:
avançar sem ansiedade, mas sem distração,
passos contados, obstinado ao longo do dia,
para vencer consideráveis distâncias.
A estepe desfila lentamente,
cinco ou seis km por hora,
sem que nada rompa a fantástica uniformidade do deserto.
Sylvain Tesson

Foram muitos os livros de Sylvain Tesson resenhados no blog ao longo destes últimos anos. A lista completa pode ser acessada através do link “Livros – Resenhas e Comentários” do menu do blog. Admiro a intrepidez do aventureiro que percorre o planeta a pé, de bicicleta ou a cavalo, trazendo ao leitor um universo tantas vezes inóspito e, para nós, inacessível. O olhar arguto de Tesson, aprimorado com o passar dos anos, encaminha-nos  sempre para leituras novas das paisagens, dos costumes e dos personagens das mais variadas etnias. Esses, Tesson ausculta, capta desalentos e esperanças, entende o sedentarismo ou nomadismo a depender das circunstâncias, é introduzido nos lares singelos e rústicos e retira eflúvios ancestrais, passados através das gerações.

Em Janeiro de 2014 tive a alegria de estar presente – puro acaso – no lançamento de um de seus livros em livraria de arrondissement em Paris (vide: “Considerações sobre o Desbravar – Buscando Responder a Indagações”, 15,02,2014). Um dedo de prosa, autógrafos e vários outros livros na bagagem de volta. Para um autor que esteve tantas vezes frente à possibilidade de morrer, um fato absolutamente do cotidiano quase levou-o à morte. Aos 20 de Agosto, sofre uma queda em Chamonix ao escalar um prédio. Teve comoção cerebral. Permaneceu em coma induzido durante bom período e, segundo um comunicado da família, meses depois Tesson recupera-se: “Suas capacidades intelectuais estão milagrosamente preservadas mas devido aos muitos traumatismos, haverá necessidade de tempo e repouso”. Assim esperam seu familiares e legião de leitores. No vídeo da entrevista que concede à FR1 (20/01/2015), Sylvain Tesson, pleno de lucidez, apresenta contudo sequelas da lamentável queda (http://www.huffingtonpost.fr/2015/01/20/video-philippe-tesson-defendu-par-sylvain-tesson-propos-musulmans_n_6505336.html ).

Em “La Chevauchée des Steppes” (Paris, Robert Laffont, 2001), o escritor viajante percorre com Priscilla Telmon cerca de 3.000km a cavalo pela Ásia Central. Para tanto, adquirem três equinos no Cazaquistão – Ouroz, Boris e Bucéphale – dedicando-lhes o livro. A bela Priscilla Telmon (1975) é jornalista e escritora, viajante de longas distâncias, fotógrafa. Realizou viagem solitária pelo Himalaia em 2003-2004, seguindo as passadas da aventureira Alexandra David-Néel (vide blog, 07/12/20007), e saltou de paraquedas a 10.000m de altura sobre o Everest em 2011.

“La Chevauchée des Steppes” foi realizada entre 1999 e 2000. Trata-se de um dos primeiros livros de Sylvain Tesson (1972) e, para o leitor que tem acompanhado sua trajetória, pode-se sentir o percurso mental do autor, interessado inicialmente também na narração de fatos históricos à medida que espaços são vencidos. E essas narrativas são muitas, sob olhar arguto, a fazer comparações de toda a região em dois períodos decisivos, antes e logo após o regime soviético.

Os 3.000km abrangem uma vasta região que se estende do Cazaquistão, Quirgstão, Tajdiquistão, Uzbequistão, margeia a fronteira do Turcomenistão, prolonga-se pelos desertos uzbeques até o Mar de Aral. Aventura fantástica não desprovida de perigos, pois por várias vezes quase sucumbiram aos assaltos quando das lentas cavalgadas.

A narrativa, por vezes entremeada por escritos de Priscilla Telmon, testemunha a atração pelo desconhecido, a curiosidade em apreender costumes e retirar das mentes das tantas etnias a sabedoria ancestral. Ficaria claro que a divisão territorial empreendida pela União Soviética, com fins “aparentemente” geográficos, trouxe uma série de problemas fronteiriços e escaramuças permanentes entre os habitantes dessas inóspitas regiões. Em todas as obras do autor, quase sempre foi bem recebido pelos citadinos, nômades ou aldeões. Constante.

As tantas intervenções da antiga União Soviética nos recursos hídricos dos vastos territórios teriam sido desastrosas. Com fins unicamente de retirar as riquezas do solo, represas foram feitas sem o respeito criterioso aos recursos naturais e Tesson e Telmon testemunham o desastre de cidades e as consequências de leitos de rios secos, cidades moribundas e a sensível diminuição das águas do Mar de Aral, um dos quatro maiores lagos do planeta há 50 anos, hoje reduzidíssimo (vide ilustração). Um dos rios que o abastece, o Amou-Daria, que foi fonte de sobrevivência para os países em questão, está em situação calamitosa, diminuído, poluído. Tem interesse o relato de Tesson em terras usbeques ao abordar o interesse da ex União Soviética em transformar as planícies do Uzbequistão em celeiro de algodão: “O Amou-Daria e o Syr-Daria, dois rios tributários do Mar de Aral, converteram-se brutalmente em vulgares tubos de irrigação. Bombeiam-se suas águas míticas. A planície foi estriada por canais feitos a céu aberto, alimentados pelos dois cursos de água. O algodão cresce. As cifras incharam. O Aral agoniza, sacrificado sob o altar das estatísticas de produção”. Catástrofe. Mutatis mutandis, não se tenta no Brasil, nessas últimas gestões planaltinas, a transposição do Rio São Francisco, o rio da integração nacional? Obra faraônica com consequências imprevisíveis. Independentemente das chuvas, já houve a diminuição do fluxo de nosso rio mítico. Sob outra égide, o desmatamento da vasta região amazônica, que deveria ter fiscalização plena, está a recrudescer e parte da falta das chuvas, que chegavam também ao sudeste, é devida a essa verdadeira incúria.

À medida que nossos aventureiros atravessam desertos, estepes e adentram cidades e aldeias, relatam o presente e reportam-se ao passado. Os habitantes mais velhos lembram-se de tempos mais venturosos do período da piscicultura ancestral. Será Priscilla Telmon a narrar o resultado das pragas e insetos que quase levaram Tesson à septicemia: “Por força de desafiar de manhã à noite as regras de higiene, dividindo as noites com percevejos nos leitos, mosquitos sanguinários durante o dia, pulgas e outros mais insetos, foi vítima de uma infecção nos canais linfáticos. De um minúsculo abscesso situado sob o punho surgiram longas manchas vermelhas, que subiram até os ombros. Os gânglios foram atingidos. Mais alguns dias e teríamos a septicemia. Essa só não chegou graças à dose cavalar de antibióticos, mais violenta do que meses de cavalgada”.

O longo convívio serviu para leitura de um sem número de livros que os dois aventureiros levaram. O cotejamento história-atualidade reveste-se de charme, pois rememoram desde Genghis Khan aos séculos mais recentes e sentem um quase prazer de pisar solo anteriormente frequentado por cavaleiros e guerreiros. Comentam o islamismo, descrevem mesquitas e minaretes. Encantam-se com Samarcanda, a segunda cidade uzbeque. Pormenorizam-na, pois fazia parte da rota da seda entre China e Europa. Extasiam-se com Bukhara, essa cidade murada do século X, sua mesquita mor e seu alto minarete de Kalian (50m). De lá, o khan ordenava a queda dos condenados à morte. Tem certa dose de humor negro o relato de Tesson, que subiu ao topo com Priscilla “Era a última visão que os condenados à morte levavam antes da queda, empurrados pelo carrasco. Derradeira graça concedida pelo khan: oferecia-lhes um último olhar sobre as belezas do mundo”.

Melancólica a chegada ao Mar de Aral. Todo o projeto a visar ao final esse mar que está a morrer. Tesson comenta “Na cabeceira do mar nós choramos, pois o mar está morto e nossa viagem chega ao fim”. Doados ao Museu de Artes Savitsky, em Noukus, Uzbequistão, os fiéis cavalos Boris, Ouroz e Bucéphale ganham a liberdade no dia seguinte, não sem emoção de Sylvain e Priscilla.

Sedimentavam-se em 2.000 tantos outros projetos que levariam Sylvain Tesson a percorrer a pé, a cavalo ou de bicicleta vasta região do planeta, traduzidos em instigantes livros já resenhados. Esperemos que a narrativa do conturbado mundo em que vivemos, lenta e serenamente, sob olhar inusitado, perdure.

This post is an appreciation of the book “La Chevauchée des Steppes”, written by the French geographer and traveler Sylvain Tesson. In 1999-2000, together with the photographer Priscilla Telmon, he crossed the steppes of Asia from Kazakhstan to Uzbekistan, reaching the Aral Sea . He tells us about customs of different ethnic groups, their difficulties and dreams, witnessing the devastation and shrinking of the lake that was formerly one of the four largest lakes in the world.


 

 

 

 

São Tantas as Reclamações contra a Prefeitura!

But tree, I have seen you taken and tossed,
And if you have seen me when I slept,
You have seen me when I was taken and swept
And all but lost

That day she put our heads together,
Fate had her imagination about her,
Your head so much concerned with outer,
Mine with inner, weather.

Robert Frost (1874-1963)

O último blog resultou opiniões contundentes. São Paulo tem convivido, como nunca antes, com a certeza, não a dúvida. Qualquer aguaceiro mais forte e o cidadão já imagina a derrocada infalível de árvores, arbustos ou galhos espalhados pela cidade. A imagem pós-chuva é sempre desoladora. Quando não a árvore inteira, partes dela ficam espalhadas pelas vias. Qualquer chuva leva invariavelmente ao apagão de um sem número de semáforos e o caos se instala em muitas vias. Passadas as águas, buracos se apresentam como consequência de pavimentações superficiais. Os contribuintes pagam impostos altíssimos e nenhuma devolução à altura em forma de serviços públicos acontece.

São Paulo está a sofrer grave crise hídrica. Tivessem os governantes se preocupado décadas atrás, estaríamos livres da emergência. Certamente 2015 será um ano de forte racionamento. Não há como ser diferente. Contudo, apesar do vocabulário nem sempre preciso, pois tangenciado, o governador do Estado vem a público, sempre, e não nega responder à mídia, ou seja, às perguntas que todos nós estamos a pensar sobre a escassez. Não é o caso do alcaide de São Paulo que, seguindo velha tática daquele que o criou para as eleições de 2012, oblitera-se nos momentos de dificuldade, não se apresentando em nenhum momento de crise forte. Já se tornaram lendários os oportunos “desaparecimentos” do criador. Tragédias naturais, escândalos como mensalão e petrolão não tiveram e não têm, respectivamente, por parte do criador a posição firme, a entrevista a não deixar nenhuma dúvida. Essa atitude de se furtar em momentos decisivos, até plausível na idade edipiana, quando em jogos infantis, tornou a criatura o discípulo perfeito, que desaparece do embate tão logo sua presença antolha-se imprescindível. O tergiversar pareceria algo bem estudado pelo criador e as criaturas dele emanadas.

Vital Vieira Curto, empresário português, assim escreve: “Li com atenção seu texto sobre esse problema que é a queda de árvores. Compartilho totalmente da sua opinião. Paralelamente, você também entrou na preocupação do atual prefeito, que é a construção das ciclovias. Este tema me incomoda muito, pois estou vendo enorme preocupação com a pintura das ruas de vermelho, sem maior utilidade, como você já disse. Eu, que transito por São Paulo, vejo como enormes buracos proliferam nas ruas, sem qualquer providência da parte do poder municipal. A nossa imprensa ainda não destacou esse terrível contrassenso. Faço a seguinte pergunta: será que algum jornalista ou mesmo político se debruçou sobre o custo dessas faixas pintadas? Será que isso não poderá estar alimentando a geração de recursos para alguma finalidade menos correta? A implantação de novos faróis também é estranha. São colocados novos faróis, mas não se preocupam com a sua coordenação, conseguindo dificultar o fluxo do trânsito ainda mais. É muito curioso que esses serviços citados sejam de responsabilidade de uma secretaria municipal que está sob o comando de um notório político, que teve na última eleição três candidatos pertencentes à sua família. Será que esse fato sugere existência de qualquer coisa estranha? Certamente eu não posso responder, mas seria importante que alguém investigasse”.

François Servenière nos escreve com outro enfoque sobre o problema, possivelmente por viver em outras latitudes “A França começa a sair do entorpecimento e a Bélgica é atingida, como previsto. Fez-me bem ler seu blog e verificar que nós não somos o umbigo do mundo, com nossos pequenos problemas sociais e cenas terroristas. Ver também que todas as desgraças do planeta não são relatadas pela imprensa mainstream ocidental que nos inunda.

Essa árvore extraordinária que ilustra seu blog (segunda imagem do blog anterior) e que tombou como símbolo dessa pujança vegetal dos trópicos. Uma árvore secular, que dá ao homem a consciência de se ancorar na história natural não escrita. Sou como você. Tudo que se relaciona à natureza me emociona. Encostar os dedos em uma árvore é como apreender a natureza em seu caminho pela história. Encostar a orelha em uma árvore, da mesma maneira que se faz contra uma coluna de catedral para captar o tempo que passa, a natureza em sua lenta trajetória, ritmo quase imperceptível à inteligência humana. Portanto, ao longo da vida humana, a árvore cresceu e não percebemos essa transição. Charles Baudelaire poetizava: La nature et ses vibrants piliers comme les cathédrales…”.

A seguir, Servenière aborda a força da natureza, que inúmeras vezes é imprevisível, tornando o homem inerte. Em São Paulo e no Brasil os acontecimentos trágicos e de violência inaudita poderiam sempre ser previstos se houvesse vontade política, o que realmente não acontece. As tragédias há poucos anos atrás, na temporada de chuvas nas serras do Estado do Rio, onde sucumbiram cerca de 1.000 pessoas, poderiam ter sido evitadas não fosse a ocupação desordenada. Outras tantas acontecem no Brasil mercê do descaso governamental e da corrupção, que jamais esteve em nível tão elevado desde 2003. A quantidade desmesurada de queda de árvores ultimamente na cidade deu-se em grande parte pelo descaso da prefeitura, que tem sistematicamente negligenciado a prevenção necessária. É fácil apontar árvores que poderão cair brevemente, causando transtornos ou mesmo tragédias. As fotos que ilustram o blog mostram um flamboyant inclinado com galhos imensos – mais parecem troncos – atravessando um terreno privado. Fica próximo ao 27º DP no Campo Belo. Continua a crescer e, para a queda, é só questão de tempo. A prefeitura, neste caso e em outros milhares espalhados pela cidade, ignora. Irresponsabilidade, descaso e abandono, palavras tão próximas!!!

François Servenière exercita sua posição frente ao irreparável “Que podem os homens e suas organizações, as municipalidades, contra as forças da natureza? Na França, cada um rejeita a responsabilidade pelas catástrofes naturais, essencialmente imprevisíveis, malgrado os computadores e os programas de previsão, sempre, sempre, friso, sempre falhos. É a fatalidade! Senão entramos na sociedade futurista ‘Minority Report’, idealizada por Philip K. Dirk (1956), onde os assassinatos poderiam ser previstos mercê da ajuda dos precogs, capazes de antever o que poderá acontecer. Isso é desejável? O homem nada pode contra a natureza que, de seu lado, não se importa. O certo é que o homem não controla o futuro, tendo dificuldade em obter previsões meteorológicas confiáveis durante a semana. Sua cidade é imensa e os problemas só podem ser da mesma dimensão, como posso constatar através do seu blog. Quanta complexidade a administrar!!! Suas fotos são belas e emocionam. A grande falsa seringueira lembra-me, mas em dimensão mais dionísica, a imensa aubépine no centro da praça da Catedral de Bayeux, cuja lenda reza que Joana D’Arc chegou a acariciar seu tronco. Obrigado por seu texto, que me faz sair de nossas preocupações umbilicais”. (tradução J.E.M.)

No blog anterior nego o slogan da atual prefeitura, “fazendo o que tem de ser feito”, pois as essencialidades foram abandonadas pelo presente burgomestre em detrimento de superficialidades e populismo. Houvesse respeito do alcaide pelas centenas ou milhares de muitas de nossas árvores em fase final, pois encerrados seus ciclos vitais, determinaria que diariamente, durante todo o ano, fossem extirpadas aquelas que necessitam de tal procedimento. A grande maioria vive sob torturante garrote, que lhe tolhe o pleno desenvolvimento, sufocando-a, enfraquecendo-a, sem poder levar a seiva das raízes sufocadas às ramificações e, fatalmente, condenando-a à inexorável queda. Passarão os raros aguaceiros que estão caindo sobre São Paulo e, certamente, o tema poderá ser arquivado no Edifício Matarazzo. A mídia, tão criticada pelo partido que ora ocupa o prédio mencionado, não pode deixar cair no esquecimento a queda de mais de 1.000 árvores. Será sua missão cobrar atitudes, pressionar para que haja constante vigilância e atenção às nossas árvores. Oxalá isso ocorra.

In this week’s post I transcribe messages received from the Portuguese businessman Vital Vieira Curto and the French composer François Servenière, with different views on the problem addressed in the last blog: street trees knocked down by inclement weather.

 

O Descaso de uma Prefeitura que não Faz o que Tem de ser Feito

Se, destas ervas que se devoram umas às outras,
eu fizer uma árvore que uma alma única anime,
então este ramo aproveitará da prosperidade do outro ramo
e toda a árvore será apenas colaboração encantadora e expansão ao sol.
Antoine de Saint-Exupéry  (“Citadelle”, cap. XIII)

Confesso meu amor incondicional pelas árvores, que nos proporcionam a visão da vida renovada a cada ano quando das ramificações, florações, farta distribuição de frutas, despojamento ao perderem suas folhas, fato este que atinge nem todas as espécies, mormente nos trópicos. Em flor, anunciam a esperança; douradas, prenunciam a hibernação inexorável, mas não desprovida de encantamento. Elas estimulam a constatação do belo. Sabemos que abrigam os ninhos das aves, que nos fazem antever o maravilhamento. O canto dos pássaros é música no seu estado mais puro, intransferível.

Não foi o acaso, tampouco os curtos aguaceiros torrenciais que se abateram sobre São Paulo nestas últimas semanas, os únicos causadores naturais da queda de mais de 1000 árvores, tantas delas frondosas!!! A administração da prefeitura deve ser apontada como responsável primordial pela hecatombe vegetal que destruiu veículos, muros, grades, moradias e rede elétrica, sem contar o profundo caos que proporcionou ao trânsito da já tão convulsionada cidade, mercê também dos alagamentos.

Estou a me lembrar de que, desde a década de 1990, um belíssimo flamboyant, cuja inclinação se acentuava, foi denunciado à prefeitura por moradores da rua onde moro. Foram anos de pedidos, protocolos e o governo municipal silenciava. Só após a aparição de funcionários da prefeitura, para podarem outra gigantesca árvore próxima, conseguimos convencê-los da queda iminente ao descascarmos alguns centímetros do flamboyant, que exibia em seu interior um desfilar de cupins.  Poucas semanas após – não sem antes enviarmos carta protocolada com o nome desses funcionários que atestaram a veracidade da causa -, equipe especializada, trazendo serras e demais ferramentas, cortou a árvore para nossa tristeza, mas também sensação de alívio. Extirpar o belo leva-nos à ambígua reflexão.

O que mais causa indignação na população de São Paulo é o descaso absoluto num tema tão importante como a arborização da cidade. Dir-se-ia que o atual alcaide basicamente se preocupou com as ciclovias e com ocupações de determinados terrenos e prédios. Aquelas, praticamente vazias durante os dias de semana, estas últimas trazendo conturbações acentuadas. Quanto às bikes, a argumentação autoritária esbarra na topografia, pois  São Paulo não tem a configuração de países planos como Bélgica e Holanda, e nossa superfície é completamente irregular. Consultei um sem número de trabalhadores de serviços os mais variados e jamais um deles, friso, moradores que são da periferia abandonada pelo poder público, adotaria a bicicleta como meio de transporte nas deslocações pela urbe, mesmo que tivessem de deixá-la em um terminal. Unanimidade quanto ao precaríssimo, tortuoso e perigoso trajeto de suas moradias até o ponto final de ônibus. Isso é fato, mas não influenciaria a obstinação do burgomestre em ver implantadas em sua administração 400km de ciclovias. A imprensa insistiu em divulgar matérias sobre o equívoco voltado às bicicletas, que não sensibilizaram o atual plantonista do Edifício Matarazzo. Atualmente a sede da prefeitura tem como tema as ciclovias e ciclofaixas que estão sendo instaladas na Av. Paulista, o que se traduz em erro fundamental devido ao afluxo diário dessa via, à redução da pista de carros, à dificuldade que tal medida trará às ambulâncias que por lá circulam e que atendem alguns dos principais hospitais da cidade. Um burgomestre a ser esquecido.

Desviar-se do tema árvore fez-se necessário, devido à importância desmesurada que foi dada para os caminhos da bike. Não vejo como dissociar a desatenção para com as árvores e a supervaloração da bicicleta. Devido à falta de chuvas durante prolongado período em 2014, não pareceu relevante à prefeitura abordar a temática que compreende  avenidas, ruas, praças e parques paulistanos, pois a ameaça mostrava-se distante. Não obstante, à maneira de um vulcão não extinto, as árvores crescem, pouco espaço encontram para o enraizamento e detonam calçadas e muros. Quantas delas estão nesse estado na cidade? As fotos que apresento evidenciam que o pior continuará a acontecer fatalmente. Vidas humanas serão ceifadas, veículos e propriedades danificados e o obsoleto sistema de eletrificação destruído. Para agravar a situação, a Eletropaulo também tem estado omissa em dezenas de casos, como destaca a mídia como um todo. Dezenas de milhares de árvores entrelaçam-se com os fios elétricos e quando uma delas cai, geralmente leva consigo fiação, quiçá postes. O caos se instala e assistimos, nesse período de chuvas, a determinados apagões prolongados (dias, em tantos casos) que trouxeram o desencanto aos habitantes de São Paulo. Alagamentos em pontos conhecidos da cidade provocaram o desespero de inúmeros motoristas. Muitos deles perderam seus carros, levados pela enxurrada.

Um dado pareceria preciso e sempre passou ao largo das mentes de nossos governantes. A maioria das muitas espécies de árvores da cidade não é adequada aos pavimentos das calçadas. Quantidade delas foi plantada décadas atrás, quando não havia a expansão imobiliária que causou desordenamento ou diminuição das calçadas, estreitamento da área subterrânea para expansão das raízes, levando-as à superfície. Essas últimas reagem à ofensa e conseguem estourar a pavimentação, as sarjetas e os muros. Culpa dessas belas espécies? Não, apenas falta de planejamento e de substituição das mais velhas por outras que melhor se adaptem às condições atuais. A queda das árvores no passado deveu-se em parte ao descaso, mas atinge o limite máximo nessa atual administração, preocupada que está majoritariamente com as ciclovias, ciclofaixas, ocupação de prédios e a cracolândia – para lá não levou o príncipe Henry, da Inglaterra, no intento de mostrar aquilo que consideraria um “cartão postal” da cidade (26/06/2014)?

Conhecendo mais a minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, e correndo por tantas ruas quando de meus treinamentos, posso verificar com tristeza o descaso administrativo. Nos dias após chuvas mais contundentes este corredor amador tem de driblar por vezes ramos, galhos ou troncos, pois impossível correr em linha reta em tantas ruas. Um absurdo!!! Responsáveis públicos autorizam seus funcionários a podas mínimas em belíssimas árvores,  condenadas e impróprias para nossos passeios, e não a retirada delas, desde que já tendo em mente a pronta substituição por outras apropriadas e que melhor se adaptem à grande maioria das calçadas, hoje tão reduzidas. Centenas ou milhares estão doentes e incontáveis, atacadas por cupins.

Disse-me certa vez um funcionário público aposentado que, entre as preocupações em que um governante não quer nem pensar, duas são fundamentais: a rede de esgoto e as árvores. Dezenas de milhares delas necessitariam ser extirpadas. Essa extração não rende votos, é também certo. Não obstante, a quantidade absurda de árvores caídas não sensibiliza minimamente o alcaide? Estaria a aguardar a passagem da temporada das chuvas para procrastinar mais uma vez? As fotos que ilustram o post são o testemunho da ausência. Tivéssemos um prefeito responsável, nessas semanas assoladas pela hecatombe das árvores e pelos alagamentos provocados em grande parte pela falta de manutenção das bocas-de-lobo, far-se-ia presente diariamente nos pontos críticos, estimulando equipes de funcionários, dando alento à população indefesa, confortando os lesados e mostrando intrepidez. Semanas sem sequer um pronunciamento à altura. Temas tão menos urgentes povoam o pensamento do alcaide de plantão. Isso é fato.

Árvores serão retiradas a atender protocolos tantos? Houvesse planificação, diariamente equipes da prefeitura estariam extirpando as incontáveis condenadas, substituindo-as imediatamente por outras, que se adaptariam à difícil estrutura de calçadas que tendem a sufocar as mais frondosas. Não há segredo, é só planejar. São tantas as espécies que não causariam problemas futuros! O período de estiagem está próximo e urge planificar.

Um exemplo dessa procrastinação está na falsa seringueira (ficus elástica) semi centenária situada no reduzido canteiro central da Av. Santo Amaro, próxima às ruas Jesuíno Maciel e sua continuação, a rua Guararapes. Gigantesca, ultrapassou os limites do canteiro hoje intransitável. Suas raízes aéreas em contato com o solo, transformam-se em troncos auxiliares, ajudando a suportar o peso da falsa seringueira. Sua cúpula se estende por toda a largura da avenida. Nestas últimas chuvas torrenciais um galho bem avantajado caiu sobre um ônibus, danificando-o. Se fosse sobre um  motoqueiro, poderia tê-lo ceifado. Vê-se que, apesar de esplendorosa – pode ser vista por satélite no Google Maps! -, ultrapassou e muito o conceito do razoável.  Se cair, o estrago será devastador. A prefeitura nada faz a não ser podas homeopáticas, esporádicas e que motivam piadas dos moradores.

A partir de Abril as chuvas deverão certamente rarear. O alcaide, nos meses de estiagem, estaria empenhado em promover uma blitz para a remoção das árvores velhas, contaminadas, inclinadas perigosamente ou inadequadas para o espaço em que se situam? Pouco provável. Infelizmente, nem o cidadão comum estará preocupado com o que se passa dentro de um vulcão, só atentando ao problema tão logo o magma seja expelido.

This post addresses the tragedy of street trees in São Paulo. While the city mayor sticks to his commitment to implement 400 km of bike path in a not naturally bike-friendly city (São Paulo is hilly, overcrowded with cars and motorcycles and drivers have little or no patience with cyclists) – trees are abandoned to their fate: no pruning, no removal of dead branches or of diseased plants. As a result of such disregard, intense summer storms with wind guts that have hit São Paulo knocked down about a thousand trees in less than a month, dragging down power lines, destroying private and public property, leaving residents in the dark and drivers without traffic lights. The usual summer storms accompanied by the usual negligence: no one cares what goes on inside a volcano until lava explodes out of its vent.