O Descaso de uma Prefeitura que não Faz o que Tem de ser Feito

Se, destas ervas que se devoram umas às outras,
eu fizer uma árvore que uma alma única anime,
então este ramo aproveitará da prosperidade do outro ramo
e toda a árvore será apenas colaboração encantadora e expansão ao sol.
Antoine de Saint-Exupéry  (“Citadelle”, cap. XIII)

Confesso meu amor incondicional pelas árvores, que nos proporcionam a visão da vida renovada a cada ano quando das ramificações, florações, farta distribuição de frutas, despojamento ao perderem suas folhas, fato este que atinge nem todas as espécies, mormente nos trópicos. Em flor, anunciam a esperança; douradas, prenunciam a hibernação inexorável, mas não desprovida de encantamento. Elas estimulam a constatação do belo. Sabemos que abrigam os ninhos das aves, que nos fazem antever o maravilhamento. O canto dos pássaros é música no seu estado mais puro, intransferível.

Não foi o acaso, tampouco os curtos aguaceiros torrenciais que se abateram sobre São Paulo nestas últimas semanas, os únicos causadores naturais da queda de mais de 1000 árvores, tantas delas frondosas!!! A administração da prefeitura deve ser apontada como responsável primordial pela hecatombe vegetal que destruiu veículos, muros, grades, moradias e rede elétrica, sem contar o profundo caos que proporcionou ao trânsito da já tão convulsionada cidade, mercê também dos alagamentos.

Estou a me lembrar de que, desde a década de 1990, um belíssimo flamboyant, cuja inclinação se acentuava, foi denunciado à prefeitura por moradores da rua onde moro. Foram anos de pedidos, protocolos e o governo municipal silenciava. Só após a aparição de funcionários da prefeitura, para podarem outra gigantesca árvore próxima, conseguimos convencê-los da queda iminente ao descascarmos alguns centímetros do flamboyant, que exibia em seu interior um desfilar de cupins.  Poucas semanas após – não sem antes enviarmos carta protocolada com o nome desses funcionários que atestaram a veracidade da causa -, equipe especializada, trazendo serras e demais ferramentas, cortou a árvore para nossa tristeza, mas também sensação de alívio. Extirpar o belo leva-nos à ambígua reflexão.

O que mais causa indignação na população de São Paulo é o descaso absoluto num tema tão importante como a arborização da cidade. Dir-se-ia que o atual alcaide basicamente se preocupou com as ciclovias e com ocupações de determinados terrenos e prédios. Aquelas, praticamente vazias durante os dias de semana, estas últimas trazendo conturbações acentuadas. Quanto às bikes, a argumentação autoritária esbarra na topografia, pois  São Paulo não tem a configuração de países planos como Bélgica e Holanda, e nossa superfície é completamente irregular. Consultei um sem número de trabalhadores de serviços os mais variados e jamais um deles, friso, moradores que são da periferia abandonada pelo poder público, adotaria a bicicleta como meio de transporte nas deslocações pela urbe, mesmo que tivessem de deixá-la em um terminal. Unanimidade quanto ao precaríssimo, tortuoso e perigoso trajeto de suas moradias até o ponto final de ônibus. Isso é fato, mas não influenciaria a obstinação do burgomestre em ver implantadas em sua administração 400km de ciclovias. A imprensa insistiu em divulgar matérias sobre o equívoco voltado às bicicletas, que não sensibilizaram o atual plantonista do Edifício Matarazzo. Atualmente a sede da prefeitura tem como tema as ciclovias e ciclofaixas que estão sendo instaladas na Av. Paulista, o que se traduz em erro fundamental devido ao afluxo diário dessa via, à redução da pista de carros, à dificuldade que tal medida trará às ambulâncias que por lá circulam e que atendem alguns dos principais hospitais da cidade. Um burgomestre a ser esquecido.

Desviar-se do tema árvore fez-se necessário, devido à importância desmesurada que foi dada para os caminhos da bike. Não vejo como dissociar a desatenção para com as árvores e a supervaloração da bicicleta. Devido à falta de chuvas durante prolongado período em 2014, não pareceu relevante à prefeitura abordar a temática que compreende  avenidas, ruas, praças e parques paulistanos, pois a ameaça mostrava-se distante. Não obstante, à maneira de um vulcão não extinto, as árvores crescem, pouco espaço encontram para o enraizamento e detonam calçadas e muros. Quantas delas estão nesse estado na cidade? As fotos que apresento evidenciam que o pior continuará a acontecer fatalmente. Vidas humanas serão ceifadas, veículos e propriedades danificados e o obsoleto sistema de eletrificação destruído. Para agravar a situação, a Eletropaulo também tem estado omissa em dezenas de casos, como destaca a mídia como um todo. Dezenas de milhares de árvores entrelaçam-se com os fios elétricos e quando uma delas cai, geralmente leva consigo fiação, quiçá postes. O caos se instala e assistimos, nesse período de chuvas, a determinados apagões prolongados (dias, em tantos casos) que trouxeram o desencanto aos habitantes de São Paulo. Alagamentos em pontos conhecidos da cidade provocaram o desespero de inúmeros motoristas. Muitos deles perderam seus carros, levados pela enxurrada.

Um dado pareceria preciso e sempre passou ao largo das mentes de nossos governantes. A maioria das muitas espécies de árvores da cidade não é adequada aos pavimentos das calçadas. Quantidade delas foi plantada décadas atrás, quando não havia a expansão imobiliária que causou desordenamento ou diminuição das calçadas, estreitamento da área subterrânea para expansão das raízes, levando-as à superfície. Essas últimas reagem à ofensa e conseguem estourar a pavimentação, as sarjetas e os muros. Culpa dessas belas espécies? Não, apenas falta de planejamento e de substituição das mais velhas por outras que melhor se adaptem às condições atuais. A queda das árvores no passado deveu-se em parte ao descaso, mas atinge o limite máximo nessa atual administração, preocupada que está majoritariamente com as ciclovias, ciclofaixas, ocupação de prédios e a cracolândia – para lá não levou o príncipe Henry, da Inglaterra, no intento de mostrar aquilo que consideraria um “cartão postal” da cidade (26/06/2014)?

Conhecendo mais a minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, e correndo por tantas ruas quando de meus treinamentos, posso verificar com tristeza o descaso administrativo. Nos dias após chuvas mais contundentes este corredor amador tem de driblar por vezes ramos, galhos ou troncos, pois impossível correr em linha reta em tantas ruas. Um absurdo!!! Responsáveis públicos autorizam seus funcionários a podas mínimas em belíssimas árvores,  condenadas e impróprias para nossos passeios, e não a retirada delas, desde que já tendo em mente a pronta substituição por outras apropriadas e que melhor se adaptem à grande maioria das calçadas, hoje tão reduzidas. Centenas ou milhares estão doentes e incontáveis, atacadas por cupins.

Disse-me certa vez um funcionário público aposentado que, entre as preocupações em que um governante não quer nem pensar, duas são fundamentais: a rede de esgoto e as árvores. Dezenas de milhares delas necessitariam ser extirpadas. Essa extração não rende votos, é também certo. Não obstante, a quantidade absurda de árvores caídas não sensibiliza minimamente o alcaide? Estaria a aguardar a passagem da temporada das chuvas para procrastinar mais uma vez? As fotos que ilustram o post são o testemunho da ausência. Tivéssemos um prefeito responsável, nessas semanas assoladas pela hecatombe das árvores e pelos alagamentos provocados em grande parte pela falta de manutenção das bocas-de-lobo, far-se-ia presente diariamente nos pontos críticos, estimulando equipes de funcionários, dando alento à população indefesa, confortando os lesados e mostrando intrepidez. Semanas sem sequer um pronunciamento à altura. Temas tão menos urgentes povoam o pensamento do alcaide de plantão. Isso é fato.

Árvores serão retiradas a atender protocolos tantos? Houvesse planificação, diariamente equipes da prefeitura estariam extirpando as incontáveis condenadas, substituindo-as imediatamente por outras, que se adaptariam à difícil estrutura de calçadas que tendem a sufocar as mais frondosas. Não há segredo, é só planejar. São tantas as espécies que não causariam problemas futuros! O período de estiagem está próximo e urge planificar.

Um exemplo dessa procrastinação está na falsa seringueira (ficus elástica) semi centenária situada no reduzido canteiro central da Av. Santo Amaro, próxima às ruas Jesuíno Maciel e sua continuação, a rua Guararapes. Gigantesca, ultrapassou os limites do canteiro hoje intransitável. Suas raízes aéreas em contato com o solo, transformam-se em troncos auxiliares, ajudando a suportar o peso da falsa seringueira. Sua cúpula se estende por toda a largura da avenida. Nestas últimas chuvas torrenciais um galho bem avantajado caiu sobre um ônibus, danificando-o. Se fosse sobre um  motoqueiro, poderia tê-lo ceifado. Vê-se que, apesar de esplendorosa – pode ser vista por satélite no Google Maps! -, ultrapassou e muito o conceito do razoável.  Se cair, o estrago será devastador. A prefeitura nada faz a não ser podas homeopáticas, esporádicas e que motivam piadas dos moradores.

A partir de Abril as chuvas deverão certamente rarear. O alcaide, nos meses de estiagem, estaria empenhado em promover uma blitz para a remoção das árvores velhas, contaminadas, inclinadas perigosamente ou inadequadas para o espaço em que se situam? Pouco provável. Infelizmente, nem o cidadão comum estará preocupado com o que se passa dentro de um vulcão, só atentando ao problema tão logo o magma seja expelido.

This post addresses the tragedy of street trees in São Paulo. While the city mayor sticks to his commitment to implement 400 km of bike path in a not naturally bike-friendly city (São Paulo is hilly, overcrowded with cars and motorcycles and drivers have little or no patience with cyclists) – trees are abandoned to their fate: no pruning, no removal of dead branches or of diseased plants. As a result of such disregard, intense summer storms with wind guts that have hit São Paulo knocked down about a thousand trees in less than a month, dragging down power lines, destroying private and public property, leaving residents in the dark and drivers without traffic lights. The usual summer storms accompanied by the usual negligence: no one cares what goes on inside a volcano until lava explodes out of its vent.