A Poesia de Fernando Rosinha

Par les soirs bleus d’été, j’irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue :
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserais rien :
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,
Et j’irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.

Arthur Rimbaud  (20 avril 1870)

Conheci Fernando Rosinha através de amigo comum, o ilustre musicólogo português José Maria Pedrosa Cardoso. A empatia foi imediata. Rosinha, nascido em 1938 em Avidagos, aldeia transmontana, mora em Paris há décadas. Casou-se com Marina (nascida Denis), intelectual francesa que foi jornalista do L’Express, tem filhos e netos. Nosso convívio se acentua quando vou a Paris para atividade musical e em casa dos Pedrosa Cardoso, em Oeiras, encontramo-nos semanas atrás em jantar de congraçamento. O casal esteve em Lisboa para o lançamento de seu último livro de poemas, um dia antes de nossa chegada, e regressaria a Paris dois dias após.

Para o leitor diria que conhecer parcela pequena do perfil de Fernando Rosinha torna-se imperativo, pois se entende sua poesia a partir de uma trajetória singular da qual o autor não hesita em nos fazer cúmplices já na apresentação, “Fernando Rosinha (na primeira pessoa)”. Mencionar alguns trechos desse desvelamento tem, pois, caráter indicativo, a evidenciar que todo um percurso incomum, que levou Rosinha às opções difíceis na vida, não retirou do poeta o sonho, a leveza, o ceticismo, a sedução, o amor e a fina observação.

Sua aldeia, “ignorada e pobre, sem luz nem água”, seus pais pobres quando o miúdo lá estava em seus 10 anos forjaram as opções, pois “passei a minha vida a saltar entre dois mundos. A fugir da insatisfação e a buscar a beleza”. Um perfil se delineia na mente de Fernando. Único, translúcido, objetivo: “Sempre admirei as mulheres e os burros da minha terra, que passavam com o peso, elas na cabeça e eles no lombo”. Seria no seminário, no Porto, que conheceria “um Deus exigente e misógino – descobri filosofia, teologia e poesia”. Prossegue nessa abertura: “Acreditando pertencer a uma raça de eleitos, em 1966 deixei-me embarcar, aos 25 anos, para Angola. Durante 4 anos ensinei nos liceus e fiz muitas perguntas. Mas obtive poucas respostas”. Renuncia em 1970, quando do retorno a Lisboa, “a esse mundo onde não me sentia ser eu”. Continua: “Desiludido e magoado, como o poeta francês Rimbaud, esqueci teologia e poesia”. Segue para Paris, onde se forma em Engenharia. Casa-se e constrói sua vida na capital francesa, onde exerce a difícil missão na Resolução de Conflitos, sem desprezar a função como formador na Universidade Lusófona do Porto.

Em “Com ar de primavera” (Lisboa, Esfera do Caos, Setembro de 2014), Fernando Rosinha mostra as faces do alento e de um discreto desencanto, do sensualismo que não resvala para o erotismo, do amor num sentido por vezes onírico, outras tantas, paradoxalmente pragmático. Sua poesia é direta, sem subterfúgios e vai de imediato aos nossos sentidos.

Dividido em três partes, “Com ar de primavera” tem, pois, “O vento e o infinito”, “As mãos e o caminho” e “A criação das rosas”. De cada secção selecionei um poema. Traduzem sentimentos até contrastantes, mas que são rigorosamente coerentes com seu pensamento em constante ebulição e acima mencionado: “E passei a minha vida a saltar entre dois mundos. A fugir da insatisfação e a buscar a beleza”.

A solidão (2012)

O instante é triste e magoado
como um grito de laranja na redonda madrugada
de calhandra estrangulada.

Na pauta imensa do espaço, paraíso inacabado,
ela é desejo a caminho
e a voz calada que acorda.

Ao vê-la um rio desborda
no prazer de ser mendigo.

Só quem se sente sozinho
abre as portas para o céu.

É no tudo dar aos outros com medo de não ser fruto
ou de vestir-me de luto
que o meu inferno sou eu.
E o vento diz-me nas veias que um rio tem de beber.

E sem resposta nem eco
em nosso corpo, agarrado a tudo haver,
corre alguém e anda o deserto
onde um vento frio e seco
caminha sempre a morrer.

Em “Meu país em agonia”, Rosinha apreende as consequências da crise que se abateu sobre o Ocidente em 2008 e que em Portugal foi sentida, mercê de problemas gerenciais dos governos anteriores e o que se seguiu.

Meu país em agonia (2014)

Mais um ano de agonia anda a monte no país.
Cobre-te o rosto a vergonha, abandonou-te a verdade.
As ruas caminham nuas. Da tua boca se evade
entre a dor e a mentira, um vento triste, infeliz.
Do alto caem palavras como pedras sobre os mortos.
Os que comandam empurram a miséria sobre os corpos
despidos e assassinados sobre a praia do Restelo.
O mar não tem caravelas. À beira do Tejo um velho
Olha o povo e amaldiçoa
que haja fome nas crianças e em prisão a liberdade.
Quem nos dará a terra dessa gaivota que voa
sobre os rumores dessa praia do Restelo?
No meu país morreram caminhos de eternidade.
Revoltado, entrou na morte, o que eu tinha de alma ao vê-lo.

Ao escrever “Gostar de tudo” o autor mostra-se o observador que, apesar de momentos de ceticismo existentes no livro de poemas, não deixa de captar os eflúvios do belo e de sentir a alegria da existência:

Gostar de tudo (2011)

Acredito
e juro
que Deus criou as rosas.
E até murmuro
e também grito
que os homens gostam de abusar das coisas.
Mas a única verdade
é quando eu olho à minha volta e sinto como um rito
de paixão que andam gestos de veludo
a viver esta alegria de gostar de tudo.

“Com ar de primavera”, lançado na sempre bela primavera em Portugal, tem as imagens da instigante capa e dos separadores realizadas por Dominique Mathieu-Poyeton.

This post is an appreciation of the book “Com Ar de Primavera”, by Fernando Rosinha. Born in Avidagos, Portugal, Rosinha lived in Angola before settling down in Paris, where he has been living since the seventies. His verses convey at the same time hope and disenchantment, sensuality without eroticism, chimeric and paradoxically pragmatic love. Without subterfuges, he expresses contrasting feelings that are perfectly consistent with his aim in life: escaping from dissatisfaction and the search for beauty.