Conversa Promissora
Se a literatura salva? Não, não salva. Mas se ela se extinguir, extingue-se tudo.
Hélia Correia (escritora portuguesa)
Minha neta Emanuela, em seus 12 anos e habituada, como a maioria de seus coleguinhas, aos aparelhos portáteis de comunicação, leu os últimos blogs relacionados à proliferação acentuada dessas “engenhocas” e suas consequências, devidas em grande parte às modificações constantes e apelativas de novos modelos e aplicativos que seduzem as novas gerações. Emanuela comentou que ama esses aparelhos, mas também a leitura. Sei disso e a vejo constantemente com um livro com temática relacionada à sua idade. Seguindo uma onda que assolou o planeta, Emanuela e minhas outras netas, quando de sua faixa de idade, percorreram com avidez a série completa das aventuras de Harry Poter, de J.K Rowling, como também outros livros. No início dos anos 1950 não li com entusiasmo Monteiro Lobato, Viriato Correa e Edmondo De Amicis? Maria Teresa (16) tem lido cerca de 20 livros anualmente, desde os doze anos e abordando variados temas!!!
Dificilmente o hábito da leitura não vem acompanhado de um interesse que pais ou avós despertam na prole. Diria, uma espécie de DNA do intelecto e do espírito. A tecnologia atual despertou na nova geração uma outra possibilidade de leitura, rápida e descartável, e o WhatsApp aí está para evidenciar essa assertiva. Mensagens curtas, cifradas tantas vezes, substituindo as cartas de passado recente. Não há retorno, mas também essa absoluta certeza não inviabiliza a presença de uma carta melhor redigida, a seguir a tradição ou, num sentido mais amplo, o livro impresso. São compartimentos diferentes, que tendem a resultar em posturas outras sobre muitos aspectos culturais. É possível comprar e armazenar, em aparelhos como Kindle, uma biblioteca inteira e inclusive fazer anotações nessas páginas virtuais, que viram naturalmente à medida que a leitura prossegue, a propiciar ao leitor a sensação do livro impresso. Cataloga-se o que é lido e toda uma estante de volumes fica guardada (provisoriamente?) na memória dessas “engenhocas”.
Vozes têm sido ouvidas. Teme-se a breve obliteração do que deva ser preservado. Os mais entusiastas apostam na imagem virtual e programas que substituam o livro impresso. A aceleração é notória. O livro tem permanecido e deverá preservar espaços mais reservados, a depender da área. Muitas formas de edição têm sido criadas, objetivando tiragens menores e criativas. Em curso. Livros dos denominados “famosos” contêm prioritariamente mais divulgação do que conteúdo. Sob outro contexto, livros que discorrem sobre pensamento ou cultura estão condenados às tiragens reduzidas, mas são salvaguarda, resistência que traz alguma esperança.
Focos foram direcionados alhures. Num outro contexto, seria possível entender que a ascensão de toda uma música pop tenha provocado um encolhimento na divulgação da música denominada clássica. Patrocinadores sempre buscam caminhos que lhes propiciem o lucro. Ainda há pouco ouvia entrevista de um especialista em esportes a dizer que, no Brasil, o vôlei desperta ultimamente muito maior interesse do que o basquete e que as empresas migraram para aquela especialidade, mercê de públicos sempre a bater recordes de frequência. Dá-se o mesmo em relação à literatura e à música e escritores e artistas mais propalados pela mídia merecem maior atenção. É a lei do mercado a independer tantas vezes da qualidade intrínseca do que tem de ser divulgado e… consumido.
Presentemente, com a difusão de e-books, mais acentuadamente haverá contingente de leitores buscando esse acesso ao livro na forma virtual. Habituado à internet, aos aparelhos eletrônicos e aos seus aplicativos in progress, esse leitor já está propenso, mormente no que tange às novas gerações, às leituras através desse processo virtual. Fato sem retorno. Para as gerações que, pela tradição, sempre cultuaram o livro impresso, há poucas mudanças, preferencialmente para aquelas que manuseiam a eletrônica de maneira parcimoniosa. Todavia, parece claro que, maior a difusão e publicidade de inovações que se sucedem, maior será a curiosidade do jovem frente aos modelos que surgem. O tempo, que outrora foi dedicado à leitura impressa e que levava à reflexão e à retenção na memória, diferencia-se na essência do atual, com consequências imprevisíveis.
Sob outro contexto, preocupa-me o aviltamento que diuturnamente está a ser perpetrado contra a língua portuguesa. Provedores que apresentam notícias estão plenos de erros primários pela falta de preparo daqueles que as redigem. Artigos assinados ainda têm maior confiabilidade quanto à língua portuguesa, mas é só. Aqueles que acessam provedores se deparam com o erro que, através da repetição, incorpora-se ao “acervo”, ora deturpado. Toda essa “leitura” imediatista nos mais diversos meios eletrônicos de comunicação está a ser progressivamente desvirtuada, mercê obviamente da simplificação linguística. Considere-se, ainda, que parte considerável da nova geração, quando busca livro impresso, também graças à formação educacional menos embasada, escolhe obras de grande divulgação, geralmente sem conteúdo e mal redigidas ou traduzidas sem esmero.
“Público”, jornal diário português, publicou no último dia 7 de Julho o texto que a escritora portuguesa Hélia Correia (1949- ) leu ao receber o Prêmio Camões em Lisboa. Diz a autora que “as línguas são os únicos seres vivos que não têm origem natural”. Afirma que ” Na ditadura da economia, a palavra é esmagada pelo número. A matemática, que começou nobre, aviltou-se, tornando-se lacaia”. Continua: “O nosso mundo de sobreviventes está seguro por laços muitos finos. Eu vejo os fios que unem os textos nas diversas versões do português, leves fios resistentes e aplicados a construírem uma teia que não rasgue”. Há sempre esperanças.
À minha pequena Emanuela, que admira livros antigos como poucos, mas adora as tais “engenhocas”, mostrei estantes plenas de obras. Perguntei-lhe se saberia me dizer as personalidades físicas de cada livro percorrido através dos denominados e-books. Não se lembrava. Mostrei-lhe fotos das grandes bibliotecas europeias e ela se encantou. Disse-lhe que uma das grandes emoções que tive foi dar recitais de piano na maravilhosa Biblioteca Joanina, em Coimbra. Sabedoria de séculos conservada naquelas estantes!!! Os sons do piano em convívio harmonioso com a História, que escreve sobre o Homem em seu caminhar pela vida!!! Carinhosamente, “penetramos” nas minhas humilíssimas outras estantes e afirmei-lhe que cada obra sobre música lida e que lá estava, sempre disponível para nova consulta, representava uma relação de amor, pois nunca recusara a minha curiosidade. Cada lombada é um convite. O livro não se furta a mostrar o conhecimento inerente. Ele lá está, por vezes desgastado pelo tempo, outras vezes após recente chegada às prateleiras de madeira. Nunca se incomodaram com as muitas anotações que, desde os anos 1950, eu deposito com carinho em seu interior. Sei onde elas foram grafadas. Através da lombada, à maneira de uma janela que se abre para a paisagem, o interior do livro, já incorporado às antigas visitas, pode sempre revelar outros segredos.
A chat with Emanoela, my 12 year-old granddaughter, was the starting point of this post, a reflection upon e-books — now a popular reading standard — and paper books. Which one is better? Is there a place for both digital alternatives and the traditional physical books? Why are tactile sensations (the smell of the pages, the heft of a book, the touch of it) important for some readers?