VI Simpósio Internacional de Musicologia
O especialismo favorece aquela preguiça de ser homem
que tanto encontramos no mundo,
permite ele, por outro lado,
aproveitar em tarefas úteis
indivíduos que pouco brilhantes seriam no tratamento de conjuntos.
Agostinho da Silva
Foram inúmeras as vezes que estive em Goiânia para atividades musicais, desde a década de 1970. Recitais, palestras e visitas mensais durante uns bons três anos, a fim de curso de piano a alunos e jovens professores da cidade. Poderia afirmar que Goiânia pertence ao meu mundo de afetos. Raízes fincadas.
Foi a primeira vez que fui convidado para o prestigioso Simpósio. Aquiesci com grande alegria, pois programaram um substancioso elenco de temas a ser debatido, assim como recitais durante a semana em questão. Participaria em mesa redonda, minicurso e recital de piano. Agradou-me.
O VI Simpósio Internacional de Musicologia estendeu-se durante a semana de 13 a 17 de Junho. Promovido pela Escola de Música e Artes Cênicas da UFG, Centro Cultural UFG e Caravelas – Núcleo de Estudos da História da Música Luso/Brasileira/CESEM/FHSC/Universidade Nova de Lisboa, teve na presidência da coordenação geral as professoras Ana Guiomar Rêgo Souza e Magda de Miranda Clímaco (Universidade Federal de Goiás). Registremos as colaborações efetivas de Gyovana Carneiro, Consuelo Quireze Rosa, Othaniel Alcântara Jr. e Robervaldo Linhares Rosa, igualmente professores da mesma Academia. Frise-se, o quadro docente da EMAC corroborou o excelente nível do Simpósio. A sexta edição ratifica a presença já consagrada da UFG no cenário musical e cultural do país. Ilustres professores portugueses abrilhantaram o Simpósio. Mencionemos os nomes de Ana Maria Liberal (ESMAE/CESEM, FCSH-Universidade Nova de Lisboa), Eduardo Lopes (IA/DM Universidade de Évora/ PPG Música UFG), Luisa Cymbron (CESEM/FHCS/UNL) e Paulo Ferreira de Castro (CESEM/FHCS/UNL).
A conferência de abertura foi realizada pelo notável professor Paulo Ferreira de Castro (CESEM/FHCS/Universidade Nova de Lisboa) no dia 13: “Compor a várias vozes: aspectos da transtextualidade em Wagner e depois de Wagner”. Seguiu-se debate profícuo. Durante a semana houve a apresentação de temas significativos em cada mesa redonda: Compositores românticos brasileiros; Música popular urbana; Sons da cidade; Mulheres na música: sons e silêncio; Educação musical e musicologia; Conversas de musicólogos. Seguindo a tradição de edições anteriores, a temática da música religiosa até as primeiras décadas do século XIX esteve em pauta. Registremos que houve a atuação efetiva de professores e pós-graduandos nos debates enriquecedores de todos os temas propostos.
Quanto às minhas participações, diria que a mesa redonda “Trio romântico brasileiro – Nepomuceno, Oswald e Miguez” (14/5), com a presença dos professores doutores Luiz Guilherme Goldberg (UFPel), Mônica Vermes UFES) e sob a mediação de Othaniel Alcântara Junior (UFG), buscou não apenas evidenciar identidades entre esses compositores, como realçar o precioso contributo à música brasileira nos vários gêneros preferenciais a cada autor. Na minha intervenção salientei que as obras dos nossos mais significativos românticos estariam rigorosamente equiparadas ao que se escrevia na Europa, nesse caudaloso movimento romântico que se estenderia até as primeiras décadas do século XX. Ficaria claro que nossos músicos praticaram a linguagem vigente por tantos compositores de mérito e estavam distantes das tendências decorrentes do esgotamento da tonalidade, que resultariam numa revolução escritural no século XX. Realcei na minha intervenção que a viagem ao Exterior foi fundamental para a equiparação com as escritas musicais sacralizadas na Europa. Se há imensa dificuldade de inserir no repertório internacional nossa criação musical anterior ao romantismo, não pela qualidade, mas sim por uma defasagem escritural, o mesmo não tem ocorrido com a produção musical romântica brasileira. Creio que essa apreensão poderá, através da divulgação repertorial e interesse dos intérpretes, colocar definitivamente obras do período nos programas internacionais de concerto. Paulatinamente, esse fenômeno está a se produzir. Saliente-se contudo que parte considerável de nossa criação anterior ao romantismo tem sido estudada com afinco por especialistas de mérito. Isso é salutar.
Na noite do dia 14 dei recital inteiramente dedicado à obra para piano de Fernando Lopes-Graça. Propus esse programa, pois acredito que a irmanação das produções criadas em Portugal e no Brasil tem que ser a cada ano mais acentuada. Não basta o discurso e o texto. Há que se ouvir música de mérito. E ela existe nos dois países. A escolha das obras também teve como origem a presença dos distintos professores de universidades portuguesas no importante Simpósio.
Todas as noites, recitais de excelente nível foram apresentados por intérpretes da UFG e por músicos pertencentes aos quadros de várias universidades brasileiras. A agenda ativa impediu-me de assistir a todas as récitas. Não obstante, tive prazer imenso ao ouvir apresentações de mérito: o recital de piano de Diones Correntino que ofertou improvisações e arranjos de músicas populares, evidenciando uma singular habilidade técnico-pianística e sensível apreensão da dinâmica. Igualmente de mérito, o recital de cravo, flauta doce e canto proporcionado pelos músicos: Mário Trilha (cravo – Universidade Estadual da Amazônia), David Figueiredo Castelo (flauta doce – UFG) e Alberto José Vieira Pacheco (canto – UFRJ/CESEM). Belo repertório elástico a se estender de François Couperin (1668-1733) a Edino Krieger (1928- ) e Villani-Côrtes (1930- ). Estiveram em excelente noite. Encerrando o Simpósio houve a apresentação da Banda Pequi em Cena tendo como regente Jarbas Cavendish (UFG). Entusiástica performance.
Dos dias 15 ao 17 realizei curso a abordar a obra para piano de nosso romântico Henrique Oswald (1852-1931). Forma, gênero, interpretação, modelos aceitos, influências. Destas, preponderam três: francesa, italiana e alemã. Evidenciei o tratamento pianístico dado à música de câmara, ao piano intimista e às peças mais virtuosísticas. Apresentei várias dessas criações, inclusive a coletânea Bluettes (1888), constituída de pequenas peças com nomes de flores. Gravei-a na Bélgica, juntamente com outras obras do compositor, para CD a ser editado em 2018. Foi a primeira audição absoluta da obra.
Finalizando, diria que o VI Simpósio atingiu plenamente seus objetivos. Toda a comissão organizadora merece os mais efusivos parabéns. Goiânia, que teve na figura da grande pianista, professora e saudosa amiga Belkiss Carneiro de Mendonça (1928-2005), co-fundadora do Conservatório Goiano de Música, hoje Escola de Música e Artes Cênicas da UFG, a incentivadora mor da música em Goiânia, junto com sua discípula, a também competente pianista e professora Glacy Antunes de Oliveira, ambas professoras titulares da UFG, tem que se ufanar de seu passado e dessa continuação gloriosa, sempre a pensar no melhor para a música de nosso país.