Quando arguta sugestão leva a recordações
Se temos de esperar,
que seja para colher a semente boa
que lançamos hoje no solo da vida.
Se for para semear,
então que seja para produzir
milhões de sorrisos,
de solidariedade e amizade.
Cora Coralina (1889-1985)
Durante o VI Simpósio Internacional de Musicologia, que se realizou na cidade de Goiânia entre os dias 13 e 17 de Junho, e tema do blog anterior, um aluno, que ouvira numa das sessões do Encontro comentários a respeito de minha relação com a cidade desde o final década de 1970, perguntou-me quais seriam essas ligações anteriores. Não lhe respondi no momento e disse que poderia pensar em texto para meu blog. Atendo ao seu questionamento.
Naqueles anos mencionados, após palestras e recital na cidade a abordar a obra para piano de Claude Debussy, apresentação realizada no Musika – Centro de Estudos, no dia 1º de Abril de 1981, recebi convite da competente professora e pianista Glacy Antunes de Oliveira, diretora da escola, para orientar algumas professoras e alunos. Musika desempenhou papel relevante na vida cultural da cidade. Durante dois ou três anos, mensalmente viajava para Goiânia às sextas-feiras à noite para aulas que se prolongavam durante o sábado e o domingo pela manhã. Foi um período muito significativo para mim, pois anualmente me apresentava em recitais interpretando obras relevantes, mas pouco frequentadas.
Lembro-me que me impressionava a transformação de Goiânia, inaugurada efetivamente em 1937. Trinta anos após, já era uma cidade próspera e visível se tornava seu crescimento, mormente para um não habitante. A relação amistosa que mantive com todos os alunos não poderia ser melhor. Tinha imensa alegria no convívio em torno de um piano. Não apenas os ouvia como conversávamos sobre música, apontava leituras importantes e tocava inúmeras obras durante as aulas. Entre os alunos, a competente professora Ana Guiomar Rêgo Souza, que tão bem co-presidiu o VI Simpósio e que desempenha magnífico trabalho frente à Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade de Goiás.
Em não poucos blogs escrevi que priorizo sempre a formação do músico e o pianista, a depender do talento, poderá emergir paralelamente ao seu desenvolvimento como humanista. O amálgama é imperativo.
Cercado pela atenção dos que frequentavam as aulas mensais, não poderia deixar de mencionar um fato curioso, hilariante até, e que é lembrado com humor quando estou em Goiânia. O pai de uma das alunas, fazendeiro e ótimo contador de histórias de caçadas, ofereceu-nos, a todos os que cursavam as aulas, um lauto almoço preparado pela sua dedicada esposa. Ao fim, disse-me que me reservara surpresas. Vieram à mesa amostras de suas caças. Agradeci com negativa diplomática, mas o bom homem fez-me degustar um pouco de cada caça. Tudo em quantidades bem pequenas, não sem antes comentar como conseguira o feito. Lá estavam amostras dos mais variados animais silvestres de pequeno e de grande porte, várias qualidades de peixes, aves do Araguaia e até jacaré. Mantinha todo o “zoo” em congeladores bem robustos. Pouquíssimas horas antes de meu retorno a São Paulo, já no aeroporto, a fauna se rebelou em minhas entranhas. Inesquecível!!! Após essa experiência, jamais saí de dieta espartana, ou carne ou peixe (um só tipo de cada).
Foram muitos os retornos a Goiânia para recitais e palestras.Propunha sempre uma conversa no Musika e, posteriormente, na EMAC/UFG, sobre o repertório a ser apresentado à noite. Igualmente tenho lembranças duradouras das récitas nos anos 1990 promovidas pela Escola de Música dirigida irmã de Gyovana Carneiro, professora da UFG. Nos programas, obras referenciais, mas pouco frequentadas. É tão vasto o repertório, e repetem-se prioritariamente as mesmas composições!!! Desde 2007, inúmeros blogs comentam essa situação, que se perpetua entre nossos intérpretes. Raras as exceções que contemplam a obra-prima que, oculta, espera ser revelada. Isso só acontece se lá formos, aos arquivos, às prateleiras de lojas especializadas e, hoje, à internet. O manancial é riquíssimo, inesgotável diria, e apenas aguarda o momento do desvelamento.
No plano acadêmico, a participação em várias bancas de pós-graduação trouxe-me a certeza de um singular empenho da UFG no sentido de formar quadro competente de docentes. Sem mencionar nomes dos postulantes, pois poderia esquecer-me de alguns, diria que o convívio à mesa julgadora com as professoras Belkiss Carneiro de Mendonça e Glacy Antunes de Oliveira foi-me sempre muito feliz. Sob o aspecto pianístico, Goiânia mostrava-se em altíssimo nível, mercê da atuação didática das duas professoras titulares da UFG. Mencionaria uma dissertação em especial, a de Othaniel Alcântara Júnior, pois o então bem jovem músico, hoje atuante docente da Instituição, apresentou a edição da magnífica Sonata para violino e piano de Henrique Oswald (1852-1931), muito bem interpretada durante sua defesa. Era mais um passo meritório para o conhecimento, que se faz a cada ano mais presente, da obra de nosso grande compositor romântico.
Foi a primeira vez que participei do Simpósio Internacional de Musicologia em Goiânia. Desde a minha aposentadoria, em 2008, não me fiz convidar para nenhum Encontro no país, mas tinha conhecimento do que se passava nesse campo tão específico. Continuava acentuadamente a me dedicar ao piano, às gravações na Bélgica e às apresentações na Europa, assim como à publicação de artigos e livros, mormente para o Exterior. Convidado, com enorme prazer verifiquei, nesta sexta edição do Simpósio, a maturidade da pesquisa na área musical apresentada e o debate de temas importantes realizado pelos participantes meritosos. Mantivemos convívio em alto nível e tive o prazer de rever colegas e conhecer outros, que já pertenciam ao meu campo de leituras. Como decano entre os docentes, senti sempre uma empatia salutar entre todos, troca de informações de nossa área e alegria de estarmos juntos. Saliente-se a presença dos quatro excelentes professores musicólogos vindos de Portugal, respeitadíssimos no Exterior.
Na abertura do VI Simpósio, a dileta amiga e competente professora Ana Guiomar Rêgo Souza, presidente e coordenadora geral, juntamente com a professora Magda de Miranda Clímaco, disse que eu era o mais antigo a frequentar musicalmente Goiânia e que, possivelmente, o arroz de pequi me tenha seduzido. Essa delícia goiana foi apenas a ponta do iceberg, pois minha relação afetiva com a cidade e amigos músicos da urbe está nas profundidades sólidas da amizade.
I’ve just arrived from the city of Goiania, where I took part in the successful Sixth International Symposium on Musicology. However, my connections with the city date back to the seventies, when I gave a course on Debussy at the local university. In this post, I talk about memories of travels to Goiania, dear friends I have there and the ever increasing maturity of research into music conducted at Universidade Federal de Goiás (UFG).
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