Diálogo do cotidiano sobre temas diversos

Quando o espírito não se direciona naturalmente para o futuro, tornamo-nos velhos.
Gustave Flaubert

Fernando Augusto é leitor assíduo dos blogs semanais. Disse-me que os lê há mais de cinco anos. Conheci-o em uma das copiadoras universitárias nos anos 2000. Presentemente é competente tradutor de textos técnicos em inglês. Após confraternização, mercê do encontro, fomos a um café próximo de minha casa, local sempre estimulante para o fluir das ideias. Ouvi-o externar suas posições sobre meus textos. Apesar de elogios, considera muitos dos temas eruditos demais para seu gosto. Essa opinião não o impede de ir à leitura todos os sábados pela manhã. Perguntei-lhe a causa do retorno semanal ao meu blog, considerando-se a ressalva apontada, e a resposta foi pronta: “Gosto deles e me fazem bem nesse emaranhado de besteirol que lemos diariamente pela internet” (sic). Quis saber mais. Falou-me que não mais lê jornais ou revistas, tampouco assiste à TV aberta, salvo um ou outro programa da TV Cultura. Perguntei-lhe qual a maneira que empregava para estar a par do cotidiano do país e do momento político e econômico. Disse-me que através da internet e dos noticiários radiofônicos matutinos e vespertinos. Causou-me surpresa o fato de ler noticiário pela internet ouvindo música erudita pelo YouTube. Sempre há esperanças.

Voltamos à erudição. Surpreenderam-me suas considerações céticas relacionadas à derrocada progressiva de tudo o que se relaciona à cultura erudita. Discordamos num ponto crucial. Entende, com razões bem pontuadas, que o músico erudito deveria fazer concessões e que, a partir delas, o público retornaria paulatinamente. Acrescentou que, à presença dos compositores consagrados em suas obras sempre repetidas, dever-se-ia juntar um pouco da música popular de melhor qualidade. Entende salutar a prática. Através da leitura dos blogs percebeu bem que não sou de fazer concessão repertorial. Jamais o fiz e, conscientemente, sei que tenho sempre um tributo a pagar, pois composições extraordinárias, mas pouco conhecidas, a meu ver têm de ser reveladas, mas atraem poucos frequentadores. Persisto, contudo, nessa senda.

Mencionou vários fatos que o impressionaram relacionados à Educação: plano do governo anterior, que retiraria dos currículos escolares o estudo de História, tradicionalmente ensinada nas escolas, da Antiguidade à contemporaneidade, extirpando Grécia, Idade Média, Renascença, Revolução Francesa, Revolução Industrial, para mais não se estender, assim como, na literatura, apagando figuras como Camões e tantos outros luminares da literatura de Portugal. Seria simplório considerar a inexistência de ideologia clara naquelas tentativas de transformação. Comentamos algo estarrecedor, que tanto ele como eu recebemos via internet, nesses links que proliferam na tela do computador. Recebera Fernando Augusto a mensagem de uma colega de trabalho, eu de um ex-aluno uspiano que foi, durante cerca de dez anos, professor de música em Damasco, de lá tendo de retornar devido ao genocídio em andamento na Síria. O link compreendia uma entrevista de professor universitário a proferir uma série de absurdos, numa tentativa de destruir toda uma cultura linguística que herdamos de Portugal. Um viés nacionalista extremado levou o citado docente a dizer, pasmem os leitores, que a cidade de São Paulo deveria se chamar Mário de Andrade (sic), após lisonjas rasgadas ao literato e folclorista paulista. Realmente, Fernando Augusto e eu comungamos ideias bem semelhantes, considerando essas frases visionárias que tivemos o desprazer de ouvir e que demonstram a incapacidade de raciocínio isento, que contemple a História, a nossa língua e outros valores, por docente universitário.

Estávamos pois a tomar um curto em supermercado bem frequentado, há pouco comprado por outra rede. Um aspecto fulcral veio à pauta. As moças da lanchonete transitavam e eu as conheço pelo nome. Como frequento quase que diariamente o estabelecimento, vínculos se formam. Funcionários atenciosos e dedicados estão atualmente sendo substituídos inexoravelmente por outra equipe. Diariamente, rostos conhecidos desaparecem e novas figuras surgem. Processo homeopático, mas infalível! Fernando Augusto e eu abordamos o assunto e entendemos que pode até ser legal essa troca de funcionários, mas não moral. Todos, sem exceção, sentem a espada de Dâmocles sobre suas cabeças. Cruzo diariamente nos corredores do estabelecimento com amigos e conhecidos. Sem exceção, todos partilham dessa angústia por que passam muitos desses dedicados funcionários. Não conhecemos os novos patrões, mas sim o sorriso e a atenção de tantos valorosos e prestativos atendentes à espera da demissão. Alguns confessaram o drama que estão vivendo às vésperas do fim do ano. Diversas são jovens mães. O Cérebro da organização substitui os empregados, mas não poderia manter os que são eficientes e que formam legião? As novas contratações de funcionários atenderiam a quais propósitos? Muitos têm a resposta. Quando as leis beneficiam os que têm o poder de decidir, estes não estariam perdendo o essencial, a visão humanística? Disse a Fernando Augusto que escrevi blog a respeito desses jovens operosos que, com o tempo, passamos a admirar (vide blog “Mocidade de Valor – Salvaguarda da Esperança”, 15/08/2009). O amigo, apesar de não reter o nome dos funcionários, confessa que jamais foi mal atendido por qualquer um deles.

Sobre política também conversamos. Senti nas palavras do amigo uma constante já verificada em tantas posições sobre a matéria. Após a queda daquilo que o ministro do STF, Celso de Mello, definiu como “projeto criminoso do poder”, que perdurou por mais de uma década, finalizando com o impeachement da ex-presidente, vivemos um interregno delicado, mormente se for considerada a Economia do país. A denominada “terra arrasada” existe; todavia, saberão os Três Poderes ter a dignidade de abdicar de privilégios incontáveis e desnecessários? A corrupção endêmica, presente no amálgama espúrio políticos-empresas, continuará a levar o país ao abismo sem qualquer descortino? Tenhamos tênues esperanças, desde que não sufoquem, por pura “sobrevivência” da classe política, a operação Lava-Jato. Se sacrifícios houver, mas intenções forem boas, o povo brasileiro deve apoiar. As eleições para prefeito em todo o Brasil já não evidenciaram escancaradamente que um arejamento político se instaurou no país?

Finalizamos nossa prazerosa conversa falando de esportes, das Olimpíadas, das Paraolimpíadas e do futebol. Vieram à tona os gastos absurdos com toda a preparação, o desempenho modesto de nossos atletas que lutam, mas que, na maioria, têm pouquíssimo apoio, e o absurdo e vergonhoso fato de que as medalhas douradas conferidas aos vencedores estão descascando!!! A mídia ventilou esse descaso que macula o todo olímpico. Todavia, o Presidente do COB, já idoso e há décadas no poder, foi reeleito!!! Renovação às avessas!!! Quanto ao futebol, Fernando é palmeirense e sorridente. Quanto a mim, gostava desde miúdo da Portuguesa, time que conseguiu a suprema façanha, com facilidade incrível, de submergir até o fundo, agora para a série D. Série abissal, último estágio da incompetência. Chegou a Lusa ao destino a que timoneiros sem profissionalismo souberam levá-la ao longo das décadas. Série final, dela não há condições de queda maior. Não emergirá e deverá permanecer sepulta nas profundezas. Lágrimas não serão vertidas pela pequena e fiel torcida. Na lembrança de seus adeptos restará apenas a nostalgia.

Despedimo-nos com a promessa de novos encontros. Faz bem trocar ideias. Estimula o raciocínio.

On how a coffee with a friend offered a good opportunity for discussion of everyday situations concerning Brazilian current socio-economic conditions and culture.