Praça José da Silva Martins

Sou um homem altamente realizado
e muito abençoado por Deus. Vivi em três séculos:
dois anos no século 19 (pois nasci em 1898),
todo o século 20 e o início do século 21.
Há, até entre amigos e parceiros literários,
uma campanha denominada:
“José da Silva Martins – 111 anos”.
Deus é quem sabe…
José da Silva Martins
(Introdução de “Breviário de Meditação”)

Meu pai foi um sábio. Uma figura humana que deixou saudades pelos exemplos de vida, dedicação à família, impoluta condução durante a longa existência, tenacidade e projeto cultural ímpar para os quatro filhos. Em post bem anterior considerava a opinião do ilustre professor catedrático de Direito da Universidade do Minho, Dr. António Cândido de Oliveira, que me confessou ter sido nosso pai o único imigrante que, ao deixar Braga, veio ao Brasil, formou família e teve projeto cultural claro para os quatro filhos. Deixou-nos aos 19 de Maio de 2000, mercê de uma queda que o levou ao coma, dias antes de lançar mais um de seus livros, “Breviário de Meditação”. Morreria três semanas antes de completar 102 anos! Já dediquei um blog ao meu pai bem anteriormente. Tenho saudades dele.

Adorava poesia e memorizou ao longo da existência cerca de 300 poemas, alguns extensos, como a integral participação dos três prelados em “A Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, “O melro” de “A velhice do Padre Eterno”, de Guerra Junqueiro, sonetos, sextetos, quadras e tantos mais gêneros, a preferenciar autores portugueses, mas com quantidade apreciável de sonetos brasileiros em seu repertório. A todo esse manancial poético retido por nosso pai somava-se seu profundo interesse pela música clássica ou de concerto que nos levou, João Carlos e eu, ao estudo de piano desde a infância.

Aos quatro filhos adolescentes, Ives, José Paulo, J.E. e João Carlos, numa disciplina espartana, era confiada uma resenha de capítulo de grande autor da língua portuguesa para que fizéssemos o resumo em uma página apenas, diariamente. Corrigia-a, orientava-nos quanto ao estilo e atribuía notas. Dizia o velho pai que o espírito de síntese é um dos maiores atributos do homem. Ao fim de cada mês sua apreciação resultava em bônus que nós quatro convertíamos em livros de nossa escolha. No último sábado do mês íamos até as livrarias do centro, Francisco Alves e Saraiva, ávidos para concretizar preferências. Seus milhares de LPs nos ajudaram na formação do gosto, a reconhecer estilos, a apreciar e distinguir interpretações. Os quatro filhos à noite ouvíamos um LP sem conhecer a capa do disco e tínhamos de descobrir autor e obra. Inestimável contribuição à nossa formação cultural, processo basicamente ausente nos tempos internéticos atuais e na decadência cultural em termos mundiais. A mundialização e os interesses econômicos levaram o jovem ao consumo generalizado, resultando no desvio de objetivos claros, da disciplina, do método e, por que não, da perseverança.

Durante mais de 60 anos nosso pai representou firma francesa de essências e matérias primas para perfumaria. Filhos realizados, iniciou a carreira literária aos 86 anos. Seu primeiro livro, “Sabedoria e Felicidade”, prefaciado pelo notável poeta Menotti del Picchia, granjeou-lhe posição no Guiness Book como o autor mais idoso a penetrar a seara literária.

O pai frequentou durante muitos anos a “Pensão Jundiaí”, tertúlia acadêmica entusiasta que se reunia uma vez ao mês, às terças-feiras, em determinado restaurante. Por lá passaram Paulo Bonfim, Geraldo Vidigal, Lygia Fagundes Telles e tantas outras figuras expressivas. Em todas as reuniões, como decano do grupo, recitava um poema memorizado durante o mês. Dizia ele “ajuda-me a não perder a memória”.

Um dos frequentadores da “Pensão Jundiaí” foi o Prefeito Celso Pitta, que admirava o vigor do pensar de José da Silva Martins. Com o seu falecimento em 2000, o Prefeito ligou para meu irmão Ives, a dizer que iria propor à Câmara o nome de uma praça em homenagem ao nosso pai. Isso se deu e quatro placas foram colocadas na pequena praça que se situa na confluência das avenidas Juscelino Kubitschek e Nações Unidas. Com o tempo as placas desapareceram e a praça pouco a pouco foi sendo degradada, pois estava ao lado de imenso terreno aviltado, ocupado e que, após tantas tratativas, tornar-se-ia o magnífico Parque do Povo. A região toda modernizou-se e atualmente a praça fica quase que paralela aos fundos do enorme Shopping Iguatemi JK.

Num desses últimos domingos estive a passear pelo Parque do Povo com meu genro Massimo e uma das netas, Valentina. Ao passar a pé pela praça que levava o nome de meu pai, verifiquei que ela também fora “saneada”, havia bancos, vegetação cuidada e… ausência das placas. Massimo tirou uma foto do sogro e da Valentina, sem as placas ao fundo, motivo que me levou a escrever ao irmão Ives, a fim de que entrasse em contato com o Prefeito João Dória. Fi-lo, mostrando-lhe o histórico. Minha desconfiança ficava restrita à ausência das placas, que poderia suscitar à Câmara Municipal a indicação de um novo nome, salvo melhor juízo, quando de fato e de direito a praça tem nome. Ives Gandra, como já fizera outrora com os ex-prefeitos Kassab e Haddad sem o mínimo retorno, entrou em contato com o atual alcaide que, diga-se, tendo outra dimensão sócio-cultural, respondeu-lhe prontamente.

Chamou-me a atenção a mensagem do Prefeito João Dória ao Ives, pois finalizava a dizer que esperava que monitorássemos o andamento do processo. Nem precisou, tão imediatas as providências tomadas pela Prefeitura.

Qual não foi nossa surpresa, cerca de quinze dias após, ao verificar que as placas haviam sido colocadas, e saber que mensagem, ao Ives, do Chefe de Gabinete da Presidência do CET, Clodoaldo Pacce Filho, ratificava com fotos a presença das placas: Praça José Silva e, em letras menores, Praça José da Silva Martins. Considerando-se que nos oito anos anteriores houve silêncio por parte dos responsáveis, é admirável a pronta ação do Prefeito João Dória.

Entreguei ao meu dileto amigo Pedro Flesch Fortes, que trabalha na Prefeitura, no setor Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, o livro de nosso pai, “Breviário de Meditação”, já mencionado. Fará chegar às mãos do Prefeito João Dória. Fica neste espaço o agradecimento de nossa família pelo pronto gesto a restaurar a homenagem a uma figura singular na vida de nossa cidade.

Espero que o Google Maps insira em suas indicações de ruas e logradouros, àqueles que buscam orientação, o nome da Praça José da Silva Martins, atualmente ausente. Certamente ocorrerá.

When my father died in 2000, the then city mayor paid a tribute to him by giving his name to a public square. With time the place deteriorated and the nameplates simply disappeared. My family has been trying for the last ten years, without success, to replace them. In the meantime, the surrounding area has changed, this time for the better, with high-class office towers, a luxury shopping mall and the nearby Parque do Povo, an urban park inaugurated in 2008. The small square is clean and well kept. And the story had a happy ending, since the new mayor, João Dória, who took office on January 1st, took the matter in his own hands and the missing nameplates are back in place as if by magic.