Saber distingui-las

Eu creio no futuro da humanidade e, essa crença,
entendo-a simplesmente de uma necessidade de minha alma.
Richard Wagner

A vaidade não é um vício, é uma doença.
Antoine de Saint-Exupéry

Acompanho com frequência entrevistas concedidas por músicos aqui e alhures. As publicadas no Exterior, em sites especializados em Música de concerto, clássica ou erudita, geralmente têm melhor condução. Nessas, não poucas vezes o entrevistado se adapta às questões formuladas, mesmo que essa postura implique o desvio de suas intenções.

Sem particularizar nomes por questões éticas, chama-me a atenção a profusão de entrevistas em que o músico – nas outras artes há semelhanças – entende sua atividade unicamente sob a perspectiva do Eu. E, contrariamente ao propósito, será praticamente ele que induzirá o entrevistador às perguntas que virão, seguindo, pois, um roteiro traçado. O entrevistador menos preparado cairia numa “armadilha” e a consequência seria um constante alisamento do ego do personagem em foco. Veio-me a ideia de abordar ainda uma vez esse tema a partir de recentíssima entrevista publicada em nossas terras, na qual o intérprete de reais méritos inúmeras vezes enaltece às alturas suas qualidades, seus sucessos. Todo o depoimento a representar uma chuva de confetes ao ego exorbitado. Conceito a ser apreendido, nenhum. Nenhuma frase a ser guardada. Já li através das décadas entrevistas, até mesmo de músicos consagrados, das quais não seria possível retirar uma só frase com conteúdo. O todo num amplo aroma do incenso. Seria esse o objetivo final do músico ou do artista em geral? A efemeridade a suplantar a perenidade.

Pouco importa, após a “consagração” desse intérprete, transmitir ao leitor método de estudo, disciplina, concentração, autoconfiança (no bom sentido), tampouco o fundamento básico, a qualidade da obra apresentada. Essas “etapas”, necessárias para o leitor avisado, não rendem créditos ao ego exorbitado. Assim, a louvação torna-se um estímulo maior às novas investidas. O leitor acostumado com a mídia voltada à frivolidade adora conhecer tudo do artista, menos sua essência essencial.

Acredito que menções às tantas apresentações podem ser saudáveis, desde que o entrevistado deixe para o leitor a apreciação crítica. Já dizia Roberto Campos que “tudo vai mal onde tudo vai bem”. Dependerá também da inteligência do entrevistador entender se aquele artista que será questionado vem acompanhado dos holofotes inseparáveis.

Sob outra égide, quantas outras entrevistas não estão carregadas de informações valiosas. O entrevistado perscruta seu de profundis e as respostas indicarão os porquês de sua missão, a finalidade da Música através da interpretação, a consequência da mensagem transmitida, a função da Música no caminho do homem pela história. Sim, há aqueles grandiosos, que se esquecem dos holofotes que para eles estão sempre direcionados, a fim de transmitir o que de real importa. E essa mensagem permanece, pois conceitual.

Quando em 1988 escrevi “As Mortes do Intérprete” para “Cultura”, de O Estado de São Paulo (vide meu site – categoria Artigos), considerava que uma dessas mortes era a inclinação por vezes obsessiva do intérprete de voltar-se unicamente para sua figura em todas as oportunidades, sendo a obra executada mero veículo para esse fim. Profusão de CDs coloca em grandes caracteres, além da imagem, o intérprete como chamariz e, em letras pequenas, o nome dos compositores e das obras. Observava àquela altura que nós, intérpretes, nada mais somos do que corredores de maratona de revezamento e que, metaforicamente, a obra excelsa é e continuará a ser o maratonista que percorre um percurso infindável.

Consideremos que Sociedades de Concerto, empresários e mídia concorrem para que o incenso continue a ser inalado. Faz-se lógico entender que, para a manutenção nos palcos, há  necessidade do mérito. Contudo, dependerá do artista o seu posicionamento frente à Música: servi-la ou dela servir-se. Creio que mais acentuadamente a sociedade atual, graças à massificação da denominada música de alto consumo e à exposição visceral de seus protagonistas, está interessada naqueles que escolheram a segunda fórmula. Nada a fazer…

There are interviews and interviews. In this post I address the issue of how inexperienced or under-prepared journalists, when interacting with someone – musician or not - with a seriously inflated ego, may let the interviewee take things in his hands and seize the opportunity to puff himself up. The result? The media relays to the public just words without conceptual content, that go in one ear and out the other.

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Motivos vários no relacionamento com a UNIBES Cultural inviabilizaram o curso “O intérprete frente à gravação” que seria oferecido neste mês de Outubro nos dias 9, 16 e 23, sendo que o recital de piano se daria no dia 31. Espero oferecê-lo brevemente em outra instituição.