Repertório a evidenciar identidades românticas no final do século XIX

 

A arte exige uma liturgia, um ritual,
que se prende com a fonte da dádiva e a aproximação do amor.
Miguel Real

O SESC promoveu três recitais a comemorar o lançamento do CD “O Romantismo de Henrique Oswald”, eventos mencionados no último blog. Dois decorreram no correr dos dias em Santos e São Paulo e o terceiro dar-se-á em São José dos Campos neste sábado em que o blog é publicado. O CD, a privilegiar obras para violino e piano e piano solo do ilustre compositor, não pôde contar com a presença do violinista Paul Klinck. Com ele preenchemos sete das 24 faixas do CD. Compromissos inadiáveis na Bélgica o impediram de viajar.

Não necessariamente interpretei as peças constantes do CD, mas as que não pertenciam à gravação lançada na semana têm intrínseca relação com a obra do compositor, seja sob o aspecto de uma correspondência de tendências composicionais que perduravam na Europa nesse prolongamento do longo período romântico que, atravessando o século XIX, ainda subsistiu durante décadas no século XX, quando sistemas outros da linguagem musical surgiram e se diversificaram, seja como homenagens ao notável músico.

Essa certeza fez-me buscar no programa apresentado algumas identidades. Primeiramente, após interpretar “Il Neige”, de nosso mais importante compositor romântico, apresentei duas homenagens prestadas a Henrique Oswald e compostas para um caderno que coordenei, publicado pela Universidade de São Paulo em 1985. Das oito obras, compostas expressamente por criadores de expressão, duas constaram do programa em pauta, tendo intrínseca relação com “Il Neige”, essa extraordinária criação oswaldiana premiada em Paris no ano de 1902 em concurso promovido pelo jornal “Le Figaro”. Concorreram 647 peças compostas por autores de muitos países, sempre com pseudônimos, a fim de não interferência na deliberação do júri, constituído por três músicos essenciais: Gabriel Fauré (1845-1924), Camille Saint-Saëns (1835-1921) e Louis Diemer (1843-1919). “Il Neige” obteve o primeiro prêmio. Francisco Mignone (1897-1986) compôs “Il Neige encore” e Gilberto Mendes (1922-2016), “Il Neige de nouveau”.

A seguir apresentei as singelas oito “Peças Líricas” op. 12 do grande compositor norueguês Edward Grieg (1843-1907), pois elas pertencem a esse universo da pequena peça, tão frequentada por inúmeros criadores do período. Seguiram-se três peças de Oswald da coletânea a conter dez “Bluettes”, que constam do CD. É nítida a aproximação de caráter desses dois cadernos.

“Um Rêve”, idílica criação que Oswald dedica à sua aluna e primeira biógrafa, Leozinha Magalhães, é de pleno lirismo e recebeu acolhida emocionante em Santos e São Paulo.

Seguiu-se outra comparação, desta vez com o grande Gabriel Fauré. Dele apresentei o “Nocturne” nº 4, certamente o mais conhecido entre os 13 magistrais compostos pelo músico francês. Dos dois “Nocturnes” op. 6 de Oswald, apresentei o nº 1 em lá bemol maior. Entendo-o muito próximo da proposta de Fauré.

Em sequência, interpretei o segundo dos três Estudos de Oswald em seu original, pois quando impresso, juntamente com os dois outros, sofreria alterações rítmicas.

Finalizando o programa, a “Valse Caprice” op. 11 nº 1 caracteriza-se pela plena vivacidade e temas contagiantes. Em Santos e em São Paulo o público reagiu bem à proposta do programa.

Quanto à escolha das peças, entendo que prioritariamente deve-se ter um fio condutor, diria mais, coerência na seleção das obras. A escuta pública de um programa deveria ser acompanhada por certo didatismo, a indicar o porquê sequencial. Essa postura corrobora a compreensão histórica, a ligação estilística e a evolução das linguagens para o público potencialmente interessado e ávido de conhecimento.

Dois dias antes do recital em São Paulo participei do programa “Via Sampa” da USP FM (93.7), entrevistado pela competente Miriam Ramos. Nos 60 minutos programados conversamos sobre a importância de Henrique Oswald na música brasileira. Durante 14 anos de meus tempos na Universidade de São Paulo coordenei a programação de “Concerto”, levado ao ar diariamente no período noturno e contando com a presença de colegas músicos de diversas áreas. Estiolou-se “Concerto” após minha aposentadoria em 2008.

Fica neste espaço a minha admiração pelo SESC, que prima pela competência na edição de CDs. Desde a edificação do projeto “O romantismo de Henrique Oswald”, à tramitação interna realizada por profissionais categorizados, à produção executiva de Dulce Maltez, às fotos de Evelson de Freitas e ao projeto gráfico sensível de Rodrigo Sommer, nenhum item deixou de estar impecável.

To celebrate the release of the CD “O Romantismo de Henrique Oswald”, entirely devoted to works of the most important Brazilian romantic composer, SESC (Serviço Social do Comércio) has scheduled three recitals, the last one to be held on the 22nd of June in São José dos Campos. The recitals programme also includes works by Grieg, Fauré, Francisco Mignone and Gilberto Mendes in which there is some identity with Oswald’s production. I want to express in this post my recognition for SESC superlative work in the CD production, impeccable from every angle, thus helping preserve a repertoire that is important for Brazilian and world music.