A tradição pianística da Hungria
Não vou escalar o Everest,
pois não sou tão grande como a montanha.
György Sebók
Após abordar Andor Földes (1913-1992) no post anterior, precisar a figura do pianista e professor György Sebók faz-se necessário, sendo que nos próximos três posts, György Czifra (1921-1994), o mais divulgado dos mestres húngaros do teclado no século XX, será tema, mercê também dos pungentes testemunhos que legou em seu livro “Des canons et des fleurs” (Paris, Robert Laffont, 1977).
De 2007 ao presente foram mais de trinta pianistas focalizados neste espaço. Pormenorizar-me em três pianistas relevantes nascidos na Hungria, já falecidos, revela a qualidade exemplar do ensino musical naquele país, assim como uma tradição voltada ao instrumento que tem como figura maior Franz Liszt (1811-1886) e que revelou tantos outros nomes, como Annie Fischer (1914-1995), Tamás Vázáry (1933-), Peter Frankl (1935-), Deszo Ránki (1951-), Zóltan Kocsis (1952-2016), András Schiff (1953-)…
Dos três mencionados primeiramente, György Sebók é o menos divulgado, mesmo tendo sido notável pianista e professor. Estou a me lembrar de que meu saudoso pai guardava, em sua imensa coleção de LPs, alguns gravados por György Sébok, mormente a interpretar Chopin e Liszt.
Apresentou-se nos quatro continentes, sendo solista das maiores orquestras, gravando e lecionando paralelamente. Em 1949 é nomeado professor no Conservatório Béla Bartók em Budapeste. Após a revolta húngara em 1956, estagiou em Paris e, a conselho do violoncelista János Starker (1924-2013), lecionou a convite, na Escola de Música da Universidade de Indiana, continuando a carreira e se apresentando frequentemente com seu amigo Starker. Sebók consideraria sua permanência em Indiana como a mais profícua musicalmente. Entre outros projetos, ele foi organizador do Festival em Ernen, na Suíça.
Suas masterclasses em algumas das mais importantes instituições musicais no mundo foram marcantes e aplicativos exibem diversas delas, oportunidade de se ver a tranquilidade e a competência de um mestre absoluto.
O humanismo de Sebók em sala de aula ficaria evidente, entre tantos exemplos, no aconselhamento a aluno sobre o erro eventual, factível, absolutamente possível no ato de tocar. Contudo, perfeccionista, não admitia leitura errônea de uma partitura, as denominadas notas erradas, motivada pela distração ou negligência.
Em 1985, o pianista narra que, após uma sua apresentação aos 14 anos, cometeu alguns erros, mas que no todo entendeu ter tocado bem. Um seu vizinho observaria essas falhas em conversa com seu avô que, indignado, retrucou que “até o sol tem manchas”. Sebók lembrar-se-ia dessa frase por toda a vida e não deixava de transmitir aos seus alunos essa passagem, a fim de que entendessem melhor como enfrentar o medo do palco. Afirmaria: “A mudança cria espaço dentro de nós para descobrir algo diferente. Se você tem medo, precisa de coragem. Se você não tem medo, não precisa de nada”.
Clique para ouvir, na interpretação de György Sebók, duas Valsas (op. 69 nº 1 e 70 nº 1) e dois Estudos (op. 10 nº 3 e op. 25 nº 2) de Chopin:
https://www.youtube.com/watch?v=GbKi6XDtiH4
Intérprete, entre tantos compositores, de Chopin e Liszt, imprimia às interpretações a sua assinatura. A condução da frase musical é realizada com flexibilidade ímpar, a propiciar a integração plena com a dinâmica, à maneira de um elástico que estendemos e retraímos. Nenhum exagero, tanto na interpretação como no discretíssimo gestual, hoje tão negligenciado pela maioria da nova geração de pianistas, mormente quando frente às câmaras. A sua interpretação do Adagio (BWV 564), Bach-Busoni, traduz à perfeição essa apreensão plena, poder-se-ia dizer, a comunhão absoluta com a mensagem musical:
https://www.youtube.com/watch?v=m_uxtZIafbY
Ao longo dos blogs sobre pianistas tenho salientado a progressiva mudança de atitude frente à partitura. Verifica-se, em parte dos postulantes à possível carreira pianística, a necessidade da busca pela plena virtuosidade como fim, não como meio. As interpretações de György Sébok primam pelo amálgama harmonioso dos elementos técnicos com a interpretação. Suas execuções em nenhum instante evidenciam a necessidade de demonstrar virtuosidade frente ao público. Ela lá está, intacta, perfeita, mas a serviço do essencial, a interpretação. Não seria essa a vontade dos compositores que permaneceram na história? A intensidade emotiva que Sébok revela na interpretação da Mefisto Valsa, de Liszt, não é exemplo marcante?
Clique para ouvir, na interpretação de György Sebók, de Franz Liszt, a Valsa Mefisto:
https://www.youtube.com/watch?v=UcjdA8Y4jAo
Os próximos três blogs serão dedicados a György Cziffra. Independentemente do grande pianista que foi, viveu uma saga sem precedentes em sua trajetória.
It is important to remember György Sebók, one of the greatest Hungarian pianists of the 20th century. Since Franz Liszt, Hungary has produced a series of remarkable pianists. I’ve already addressed Andor Földes and, in the next three posts, the chosen one will be the phenomenon György Cziffra, completing the trio of Hungarian masters.
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