Visões enriquecedoras sobre o livro de Dino Buzzati

Todo bom livro deve saber provocar a espera:
ler é esperar a sequência.
Frédéric Beigbeder (1965-)
(escritor e crítico francês)

A recepção ao post anterior foi expressiva, quase todos os e-mails com frases curtas louvando o instigante romance de Dino Buzzati.

Selecionei algumas mensagens de leitores que já conheciam o livro. Alguns também assistiram ao filme que leva o mesmo título. O certo é que “O Deserto dos Tártaros” é uma obra que suscita não apenas uma leitura. A tradutora Aurora Bernardini me afirmou que o notável sociólogo, crítico literário e professor Antônio Cândido (1918-2017) leu o livro reiteradas vezes, tendo escrito um ensaio crítico basilar sobre o conteúdo.

Ricardo Tacuchian, compositor e professor universitário, escreve:

“Quanta profundidade em sua resenha sobre o livro de Dino Buzzati! Estaríamos todos nós internados numa fortaleza, aguardando a invasão dos Tártaros? No entanto, um belo texto como o seu é um refrigério para todo este deserto que pode ser, também, um florescente parque.”

Carolina Ramos, escritora, poetisa, artista plástica:

“Não posso calar a  minha surpresa com relação à sua  explanação sobre o livro ‘O Deserto dos Tártaros’ que, ‘abelhudamente’, fui buscar no seu blog. Não apenas seus dedos mas também a sua pena é de ouro!”

Flávio Amoreira, escritor, poeta e crítico literário, pondera:

“José Eduardo, deve-nos mais análises desse quilate de outros autores, sua dissecação de uma obra que inaugura toda uma vertente de realismo fantástico e congêneres sugere mais e mais autores por ti lidos. Fico muito feliz por ter aproximado a imensa mestra Aurora Bernardini de você, que sucede Gilberto Mendes em minhas raras afeições associadas à interlocução intelectual que escasseia num mundo ‘frivolizado’. Saúdo o amigo e a literatura italiana na semana em que celebramos outro vate universal: Ítalo Calvino, que faria cem anos neste domingo, 15 de outubro. Enfatizo a  importância de mais literatura no teu antológico blog.”

Marcos Leite, arquiteto, comenta:

“Hoje me atrasei na leitura do seu blog, não o peguei na saída do forno aos 11 minutos, mas o devorei agora pela manhã. Esse livro, ‘O Deserto dos Tártaros’, me foi marcante, ganhei-o de presente de aniversário no início dos anos 80 de uma querida estagiária que trabalhava no meu escritório. Visto agora, passados 40 anos e com a memória rebuscada pelas suas sempre pertinentes e aguçadas considerações, me fez refletir sobre o sentido filosófico das esperanças e perspectivas humanas projetadas e a realidade que vai se descortinando na vida ao longo dos dias, dos anos e das décadas. Os acontecimentos, bons e maus, são consequências das nossas ações pretéritas e não apenas das nossas vontades. Assistir passivo ao nascer e ao por do Sol do alto da muralha não alterará a rotina e esse é um ensinamento da escola da vida que todos, em seu íntimo, percebem, mas poucos se sujeitam a por em prática, esperando que a horda dos Tártaros venha lhe dar um novo rumo. Os seres humanos deste bendito planeta ainda têm muitas fortalezas a abandonar e muitos desertos a desbravar.”

Eliane Ghigonetto Mendes, viúva do compositor Gilberto Mendes, tece ponderações sob a égide espiritualista:

“De fato, morre-se mais de cansaço de não saber por que se vive do que de cancro e do coração. O não saber do porquê da nossa existência, que é saber o que é o Amor, precisando para isso que se realize a Grande Obra de nossa Viagem Interna em direção à Perfeição pela Razão e pela Sabedoria de volta a reinar… Alma, espírito e corpo, unidos em cada segundo de nossas vidas, inseparáveis, para que a nossa Consciência Suprema possa sempre nos observar e guiar…”

Regina Maria, revisora, apresenta comentário arguto sobre a interpretação do livro frente ao filme:

“Assisti ao filme O Deserto dos Tártaros, mas nunca li o livro. Através de seu blog notei algumas diferenças entre os dois. O filme não é atemporal, por exemplo, porque logo no início define-se o ano, 1907, em que Giovanni Drogo termina a escola militar e segue para uma fortaleza numa fronteira distante. O próprio ator principal comentou numa entrevista que o filme não foi uma adaptação fiel do livro, porém manteve suas contradições e tensão dramática. Imagino que algumas situações tenham sido inventadas na passagem para a linguagem cinematográfica. A diferença maior, verdadeira surpresa, é reservada para o final. Se no livro o ataque inimigo nunca se concretiza, no filme a invasão dos tártaros realmente acontece. A meu ver, foi uma alteração bem-vinda. Drogo, que esperara toda a vida por esse momento, adoece e não comparece ao encontro que justificaria sua existência. Se, como no livro, os invasores não tivessem chegado, a espera dos militares no forte continuaria indefinidamente e o revés do personagem principal não teria tanto peso. Mas seus colegas, alguns, como ele, tendo passado anos à espera do confronto, estão a postos. Nas palavras de um dos soldados, muitos dariam tudo para ficar e aproveitar a ocasião. Para os que ficam, a expectativa de transformação se cumprirá com o combate iminente. Esse detalhe do filme, a meu ver, superdimensiona a desdita de Drogo. Ele fracassa duas vezes: não consumando seu projeto de vida e vendo seus companheiros de armas fazê-lo.”

Gildo Magalhães, professor titular de Ciência da Comunicação da FFLESCH- USP:

De ‘O Deserto dos Tártaros’ apreciei também a competente versão fílmica de Valerio Zurlini (com Jacques Perrin, Philippe Noiret, Vittorio Gassman e outros). Todavia, tem razões o caro amigo, pois não há como um filme ‘traduzir’ um livro (traduttore – tradittore….) Parece-me um pouco como as transcrições musicais – mesmo quando boas, serão algo diferentes do original?”

Depende da competência de quem transcreve uma obra musical. No caso específico das composições de J.S.Bach para órgão ou coral transcritas para piano, há resultados extraordinários, que se tornaram legado para os intérpretes, mercê das qualidades de Liszt, Busoni, Siloti, Kempff, Myra Hess e outros, pianistas excelsos.

Apraz-me saber que leitores que desconheciam o livro de Dino Buzzati propuseram-se  a adquiri-lo, levando em conta o conteúdo tão apropriado às esperas interrogativas do mundo atual.

The previous blog, focusing on Dino Buzzati’s “The Stronghold”, was the subject of many messages, all of them relevant. I’ve selected five for this post, confirming the immense quality of this great novel.