Retido na memória
O MUNDO PITORESCO, com os seus nove volumes
artística e luxuosamente encadernados,
impressos em excelente papel,
leva-nos a todos os recantos do Mundo.
As gravuras encantam pela beleza e fidelidade.
São mais de 2.500, das quais 400 ilustrações em cores
que vão documentando ao vivo o que os textos descrevem.
(Publicidade, 1944)
Na memória, território da emoção,
é que eu encontro grandes coisas que me valem a alma,
que me salvam o espírito, que dão vida pra mim.
(Ator Lima Duarte em recente entrevista).
Em dia mais descontraído fiquei a olhar as lombadas de livros percorridos durante a adolescência. Retirei de uma das estantes um dos nove volumes de “O Mundo Pitoresco” (Rio de Janeiro, W.M.Jackson, 1946). Foi-me presenteado por nossos Pais nos meus 13 ou 14 anos. Naquele longínquo tempo, meus olhos atravessaram a coleção inteira, como o fizera anteriormente ao ler “O Thesouro da Juventude” nos seus 18 volumes (vide blog: 17/10/2009).
Lembrei-me da leitura de tantos temas, da visita com o olhar sobre outros mais e do encantamento que essas duas coleções despertavam. Os dois títulos muito contribuíram para a formação básica indispensável às gerações fronteiriças à minha. Se o “Thesouro da Juventude” abrigava segmentos do humanismo, da ciência, da prática cotidiana e de tantos outros mais conhecimentos, “O Mundo Pitoresco” percorria não apenas as cidades, aldeias, regiões e a vastidão do planeta, mas igualmente os oceanos que cercam os continentes, assim como imperceptíveis pontos, ilhotas até então não visitadas, encantando o leitor, máxime pelo mistério de terras e habitantes que vieram à luz mercê da coleção. Imagens e práticas de povos “estranhíssimos”, que naquela época nos eram totalmente desconhecidos, aguçavam a imaginação. Também a natureza em seu esplendor figurava no conjunto de livros. Todo esse acervo contido nas 2.331 páginas, com textos didáticos e precisos, além de imagens cuidadosa e sinteticamente explicadas. Retirei da estante um determinado volume e, ao folheá-lo, recordei-me instantaneamente das leituras prazerosas no início dos anos 1950, tão fortemente os textos e as imagens ficaram gravadas na memória. Folheei outros volumes e o impacto se repetiu.
Finamente encadernado e com as capas apresentando em discreto relevo nove imagens diferentes, “O Mundo Pitoresco” foi amplamente louvado pelos textos e pelas fotos, a minoria em cores. A coleção envelheceu e as referências sofreram mutações descomunais após essas décadas. Perdeu interesse? Certamente que não para aqueles que hoje buscam interpretar o presente através da leitura do passado contido nessa coleção não tão distante no tempo; não para o leitor que porventura percorre as páginas do Mundo Pitoresco pelo simples prazer da leitura. Para as novas gerações às quais mostrei a coleção, o interesse foi irrisório; para as novíssimas, creio que se acentuaria o desinteresse pelo avanço descomunal das geringonças eletrônicas que as prendem à telinha “mágica”. Se a leitura de livros basicamente já não as entusiasma, as mudanças, tantas abruptas, que aconteceram nesses oitenta anos ainda mais as distanciam daquele passado perscrutado com acuidade pelos organizadores de “O Mundo Pitoresco”. Sob a égide atual, alguns costumes de determinados povos mencionados na coleção estiolaram-se por motivos os mais variados.
“O Mundo Pitoresco” privilegia, o que é louvável, temas inusitados, tantos inéditos, e a pluralidade imensa de costumes e religiões da quantidade de povos que desfila pelas páginas causava forte impacto. Logicamente cidades importantes espalhadas pelos continentes têm seus espaços. Uma das intenções dos editores estruturou-se na revelação de locais e povos praticamente desconhecidos, privilegiando valores intrínsecos expostos sempre com naturalidade. Poder-se-ia acrescentar que parte substancial da geografia física e dos povos do planeta encontra-se na coleção.
Se houve mudanças de quantidade de costumes mercê do “progresso”, também a repaginação de continentes, no que tange a países, deu-se máxime no século passado, sendo que na Ásia e na África as transformações foram mais sensíveis. Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal deixaram de ser colonialistas e se retiraram daquelas vastas regiões, nem sempre pacificamente. “O Mundo Pitoresco”, ao pesquisar povos os mais diversos do planeta, buscou igualmente tradições advindas da fase colonial, fato que concede à coleção abrangência singular.
“O Mundo Pitoresco”, publicado inicialmente em inglês e a seguir em espanhol, teve a posterior tradução em português. Seria possível asseverar que a atualidade vertiginosa desestimulou a edição de obras como “O Mundo Pitoresco”, “O Thesouro da Juventude” ou o bem posterior “Conhecer”. Antolha-se-me que o desinteresse pelo conhecimento humanístico empobrece a memória, pois o afluxo internético e imenso, instantâneo, está sujeito à evaporação. Sem a âncora estabilizadora o navio pode ficar à deriva. Sem a conhecença que fixa o passado com seus valores intrínsecos, mas também desacertos – esses em áreas outras -, o cérebro fica sujeito ao hodierno sem alicerces.
“The Picturesque World”, a collection of 9 books first published in the United States and Spain (1940s) and in 1944 in Brazil, is an extraordinary tour of the most diverse regions of the planet, presenting peoples, customs, traditions, as well as the exuberance of nature. Full of images and precise texts, “The Picturesque World” has enchanted generations.
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