Luca Vitali (1940-2013)

Mors certa hora incerta

A fase criativa pela qual passava o singular pintor Luca Vitali, somada às perspectivas futuras de outras obras, máxime as pinturas em acrílico sobre tela, foram interrompidas pela morte súbita em 2013 (vide blog “Homenagem a Luca Vitali”, 07/12/2013). Considerava-o um amigo-irmão.  Mantínhamos um apreço mútuo em relação às nossas duas artes, Pintura e Música.

Para o meu gáudio, Luca Vitali participou com desenhos em inúmeros posts. Costumávamos almoçar às terças-feiras, prioritariamente ele a comentar os seus projetos e eu, a sequência da atividade pianística e o blog que seria publicado no sábado vindouro. Várias vezes escrevi que Luca possuía um lápis no cérebro, pois, a depender do tema, um ou dois dias após o nosso encontro enviava-me um desenho, que com imenso prazer incluía no post hebdomadário. No blog de 2013 escrevia: “Em uma das conversas descontraídas disse-lhe que, se o seu cérebro fosse radiografado, preliminarmente deveria ele dizer aos médicos que o lápis lá estava e que não deveriam, portanto, tentar retirá-lo”. Jamais forcei a feitura de um desenho, exceção ao que ilustrou as bodas de ouro do seu casal amigo, Regina e eu. Fê-lo no dia 17 de Abril, pois morreria aos 20, uma semana antes do evento.

Meses antes do infausto acontecimento, Luca Vitali empreende a denominada série Cósmica, sete grandes criações em acrílico sobre tela, que considero sua maior criação. Repassei as imagens ao amigo e ilustre compositor francês François Servenière (1961-) que, subjugado pela força que delas emana, compôs sete magníficos Estudos para piano sob o impacto de cada tela. Sabedor da apreciação de Servenière, Luca pintaria uma oitava tela, “Outono Cósmico”, a concluir o ciclo. Os sete Estudos mais o “Outono Cósmico”, gravei-os em Mullem, na Bélgica, juntamente com obras dos notáveis Eurico Carrapatoso, Geörgy Arnaudov e Jorge Peixinho, completando o CD “Éthers de l’Infini”, editado na França.

Clique para ouvir, de François Servenière, “Cometa”, da série de Estudos sob a aura das pinturas Cósmicas de Luca Vitali:

https://www.youtube.com/watch?v=EssYC_2G1Jc

Após tantos desenhos, telas e charges criadas por Luca Vitali ilustrando os meus blogs, presto homenagem ao amigo-irmão neste post, a salientar seu lado bem-humorado, pois, das nossas conversas sobre o cotidiano, cenas foram transmitidas ao lápis cerebral do amigo.

Em nossas conversas falamos muitas vezes da alienação de parte da população, que estava mais preocupada com o que via na televisão – o celular ainda não era uma epidemia –, e Luca Vitali me caracterizou nos treinos para as corridas de rua, atônito pela pasteurização humana.

Fiz parte da equipe de corridas “Ta lentos”, constituída por queridos amigos descendentes do Sol Nascente. Luca fez o desenho que ilustraria as nossas camisetas.

Conversava com Luca sobre vários esportes e, na descontração, disse-lhe que, treinando, fora acossado por um cão.

Muitos anos atrás escrevi sobre episódio hilariante. Quando acometido de um linfoma T células pequenas em 2004, sinais se tornaram evidentes motivados pela quimioterapia. Apesar de vaticínios médicos apontando para o pior, recuperei-me e comecei a “trotar”, inicialmente num pequeno parque perto de nossa casa. Três senhoras que frequentavam o local sabiam da minha desdita. Do parquinho parti para treinamentos mais longos pelo bairro e, logo após, participava das corridas de rua. Foram exatamente duzentas de 2008 até fins de 2021. Como não mais frequentava o parque, anos após uma dessas simpáticas senhoras tocou a campainha de casa e, ao me ver, exclamou “você está vivo!!!”. Luca ouviu minha narração e desenhou-me como um ser alado. Inseriu teclado e gavião, pássaro que comeu uma das aves do terraço de nosso vizinho.

Acompanhando meus blogs e artigos sobre música, assim como a minha atividade pianística, máxime na Europa, não se esquecendo das corridas de rua, certo dia Luca Vitali me deu um desenho acoplando notas musicais esvoaçando, o teclado “bivalente” e o par de tênis das corridas.

Em um dos recitais na Europa tocaria os “Quadros de uma Exposição”, de Moussorgsky, obra que havia gravado anos antes na Bélgica. Contei-lhe a história da extraordinária criação do compositor russo. Dias após, Luca me entrega o sugestivo desenho, no qual música e arte visual estão presentes no cavalete com teclado. Não desprovido de humor, o regresso do gavião da imagem anterior.

Dois desenhos do saudoso amigo-irmão estão relacionados à Corrida de São Silvestre no último dia do ano. Completei cinco provas (15km), tendo participado de outras cinco preparatórias com a competente equipe Corre Brasil, da qual fazia parte. A atividade não passou desapercebida pelo olhar de Luca.

A diversidade temática dos blogs provocou um curioso desenho. Frente ao computador, as ideias surgiam…

Dois anos após a partida do meu saudoso amigo-irmão, um dos seus filhos esteve em nossa casa e me entregou o magnífico quadro da série Cósmica, Níquel. Disse-me que doravante seria eu o guardião da tela. Luca Vitali, amigo-irmão, permanece vivo em minha memória.

Clique para ouvir, de François Servenière, Níquel, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=6twd8WP_9js

I pay tribute to the excellent visual artist Luca Vitali (1940-2013) presenting a few of the many drawings and cartoons he drew for my weekly posts, some very humorous.