Navegando Posts em Cotidiano

Saber entender tempos trágicos

Trancar o nômade entre paredes
é o mesmo que enlatar o vento.
Sylvain Tesson

Sabia-se que o COVID-19 chegaria em nossas plagas. Era questão de dias ou semanas. Geograficamente o vírus fez uma grande curva, surgiu na China, atravessou a Ásia, chegou ao Oriente Médio, à Rússia, está a devastar parte da Europa, a seguir penetrou na África, atingiu a América do Norte e desliza pela América Latina sem perder a eficácia. Não é um tsunami que, após a passagem devastadora, traz calmaria ao oceano. Esse vírus tem proporções de pragas bíblicas. O COVID-19 invade, não esmorece, eventualmente toma outras configurações, sem perder seus efeitos que, infelizmente, têm contabilizado incontáveis vítimas fatais pelo planeta.

Nossos políticos, completamente despreparados, estão em permanentes disputas mesquinhas, enquanto o vírus avança. O âncora de “São Paulo Gente” da Rádio Bandeirantes, José Paulo de Andrade, define bem a classe que “conduz” este país: “Falta grandeza ao nosso homem público”.
O COVID-19 está entre nós. Timidamente penetrou em nossas terras sem insumos necessários para combater sua ferocidade maligna. Estamos apenas no início dessa pandemia que deverá ser, segundo alguns especialistas mais enfáticos, apocalíptica a partir deste outono que, paradoxalmente, prepara-se para exibir em São Paulo – epicentro da pandemia no Brasil – os manacás da serra inteiramente floridos. Bálsamo? Talvez.

O leitor Arlindo, de Belo Horizonte, escreveu-me a sinalar: “Como um pianista vive durante o confinamento?” Fiquei a pensar e respondo através deste post.

Primeiramente, menciono dois outros, dedicados ao promissor compositor português António Fragoso, que, a estudar em Lisboa, parte para Pocariça, hoje a fazer parte da União das Freguesias de Cantanhede e Pocariça, com sede em Cantanhede. Num espaço de poucos dias, o jovem António, seus três irmãos e duas outras pessoas que habitavam sua morada morreriam vitimados pela pneumônica ou gripe espanhola. Causou-me forte impressão a leitura dos relatos da tragédia (vide blogs: “António Fragoso 1897-1918”, 01/12/2018 e “António Fragoso diante da História”, 08/12/2018). Em 1918 sucumbiria em Ribeirão Preto, vítima da pneumônica, uma de minhas tias, Jupira, a caçula de meus avós maternos, aos 10 anos. Narrativas de minha saudosa mãe não deixavam de nos assustar quando meninos. Cifras contrastantes elevam de 50 a 100 milhões as vítimas de uma das estirpes do vírus Influenza A, do subtipo H1N1, pois estatísticas asiáticas não teriam sido contabilizadas. Os avanços da medicina fizeram com que jamais pensássemos na magnitude de um outro vírus de estirpe derivante daquela de 1918.

Minha mulher Regina e eu acatamos as recomendações da OMS. Recolhemo-nos desde meados de Março e saímos uma vez apenas para a vacinação contra a gripe influenza. Nossas queridas filhas nos trazem o necessário e aguardaremos intramuros o desfecho dessa calamidade.

Nessa rotina diária a lembrar, mutatis mutandis, o filme “O dia da marmota”, o calendário deixou de existir, apenas a ser lembrado nos momentos de pagamentos por aplicativo. Os dias da semana perderam significado e refletimos sobre privilégio e tragédia: o primeiro ao sabermos estar “protegidos”; em seguida, conscientes da avalanche de mortos quando de fato as periferias das cidades forem atingidas. Saúde e Saneamento Básico nunca foram preocupação essencial para figuras das várias esferas do governo. Obras abaixo do solo não rendem votos. Contudo, as dezenas de milhares de cadáveres que estarão proximamente nesse subsolo, ignotos pelos políticos, serão o libelo dos sepultos pelo descaso.

Desde o primeiro dia da quarentena sabíamos que a trajetória do COVID-19 promulgaria sentenças, tantas delas de morte. Nada a fazer, a não ser seguirmos pragmáticos nessa reclusão voluntária. Regina e eu dividimos tarefas, pois permanecemos isolados em nossa morada.

Ao acordar, fico sentado incontáveis minutos. Voluntariado, como gostaria de praticá-lo nesse período, mas a faixa etária impede-me de participar. Durante as horas penso nesses desfavorecidos fadados à morte sem assistência. Chegaremos ao caos. Lição aprendida? Passada a crise avassaladora, nossos homens públicos, sejam eles da direita ou da esquerda, continuarão a desprezar os mais pobres. A hecatombe seria muitíssimo maior, não tivéssemos o SUS, tão veementemente criticado e a ser desidratado, perdendo verbas preciosas a cada gestão, mas que, apesar de sucateado, ainda tem uma eficiência considerável para os menos favorecidos sem um plano de saúde privado.

Quanto ao nosso isolamento, a prática pianística prossegue com interesse invulgar. Compromissos para apresentações foram adiados sine die, mas estou a ter prazer muito grande ao revisitar obras que não frequentava há décadas. Causa-me vivo interesse o observar partituras com tantas anotações que inseri. Algumas dessas observações hoje seriam outras, a mostrar que o velho Camões tinha razão ao escrever que “todo mundo é composto de mudanças”. Essas partituras outrora estudadas comportam repertório bem substancioso. Sob outra égide, a curiosidade nesses tempos estáticos faz-me voltar a partituras que compromissos ao longo do tempo, impediram-me de estudar.

Clique para ouvir de J.S.Bach-Kempff, Awake the Voice is Sounding na interpretação de J.E.M., a pedido da dileta amiga e leitora Jenny Aisenberg:

https://www.youtube.com/watch?v=0nQUzeqdu4s

De sua parte, Regina estuda seu repertório com agenda já para Setembro, se o ciclo do COVID-19 passar. Sob outro aspecto, revela-se inventiva na arte culinária.

O COVID-19 acentuou leituras. Há mais tempo para esse fundamental mister. Tenho manancial para um bom período a passar retraído. As palavras de meu bom amigo, ilustre arquiteto português António Menéres – “Sempre que posso olho os meus livros, quer as lombadas simplesmente cartonadas, a sua cor, os títulos das obras; mesmo sem os abrir adivinho o seu conteúdo e, quando os folheio, reconheço as leituras anteriores, muitas das quais estão sublinhadas, justamente para me facilitar outros e novos convívios” – precisam com nitidez o momento que estamos a viver (vide resenha do livro de Menéres no blog “Crónicas contra o esquecimento”, 29/07/2007).

Há décadas não mais leio os dois principais jornais de São Paulo com nítidas tendências ideológicas opostas, tornando enfadonho frequentá-los. Jornais televisivos da Band News ou da agora CNN e documentários espalhados nos inúmeros canais a cabo são vistos por Regina e por mim durante as refeições. A minha visão do mundo é atualizada através da leitura diária de dois jornais online franceses e um inglês.

Comunico-me com filhas e netas quase diariamente e com amigos fidelíssimos. Essas ligações são de imensa valia, substituem o presencial sem perder a intensidade.

Por fim, não mais treino nas ruas de minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo, para as corridas oficiais, hoje suspensas. Nas fronteiras dos 82 anos, dá para treinar nos espaços de nossa morada. Apesar das distâncias exíguas, duas ou três vezes por semana treino durante 60 minutos, 150 voltas no térreo e 50 no terraço. Faz-bem bem e ajuda-me a manter físico e alma.

Creio ter respondido ao Arlindo. Acrescentaria que meu querido irmão, o notável jurista Ives Gandra Martins, após cirurgia de um divertículo de Zenker – o mesmo procedimento a que fui submetido em 2018 – teve complicações que o levaram à isquemia, à septicemia, à disfunção digestiva e, para agravar, à contaminação pelo COVID-19. Ficou internado durante 38 dias. Tememos por seu desenlace. Aos 85 anos, milagrosamente safou-se dos males e recupera-se em seu apartamento. Ângela, sua filha, doutora em Filosofia do Direito, contraiu o vírus, contaminada durante visitas ao pai, e recupera-se lentamente após deixar o hospital.

A tudo nos adaptamos. O COVID-19 um dia deixará o Brasil. O que nos espera a seguir mal podemos antever.

In this post I give an account of my routine in quarantine days. Following the advice of the World Health Organization, my wife and I adopted a stay-at-home procedure intended to protect ourselves and, indirectly, lower the number of infections by Covid-19 by promoting social distance. Totally isolated at home since 15 March, our daughters take turns in bringing us what we need. I divide household chores with my wife, study piano, read a lot, run one hour without a break in my backyard twice a week, talk by phone with family and friends and reflect about the tragedy that has befallen the world. We adjust to everything. COVID-19 will one day leave Brazil. What awaits us next can hardly be predicted.

 


Decadência sem fim

Que falta nesta cidade?… Verdade.
Que mais por sua desonra?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?… Negócio.
Quem causa tal perdição?… Ambição.
E no meio desta loucura?… Usura.
Gregório de Matos (1636-1696)

Ter acompanhado ao longo dos anos a ação de nossos Correios habilita-me a dedicar o presente blog à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – criada em 1969 – e assinalar transformações. O histórico de meu relacionamento com os serviços postais do país remonta ao ano 1958. O declínio acentuado de nossos Correios a partir do início do século é sensível e soluções urgentes têm de ser tomadas.

Estou a me lembrar de meus anos como estudante em Paris, de 1958 a 1962, período em que a tecnologia engatinhava e as comunicações eram realizadas com lentidão. Semanalmente enviava carta a meus pais, deles recebendo resposta quinze dias após. Poderia dizer que o fluxo de missivas era quase imutável. Tal fato não acontecia com os telefonemas. Durante o período parisiense, poucas vezes conversei com meus pais. Tínhamos de agendar horários para os dois ou três dias subsequentes e mais de uma vez a telefonista de plantão, na hora precisa marcada, ligava-me para dizer que a comunicação só poderia ser realizada no dia seguinte por problemas com os cabos. Jamais entendi aquela “tecnologia”.

Bem posteriormente, de 1981 até 1991, mantive correspondência regular com a ilustre musicóloga portuguesa Júlia d’Almendra (1904-1992). Quando em Lisboa para recitais de piano pelo país ficava hospedado em sua morada. Nossa vasta correspondência girava preferencialmente sobre Claude Debussy. Júlia d’Almendra era autora de livro referencial sobre o compositor, “Les modes grégoriens dans l’oeuvre de Claude Debussy” (Paris, G.Enault, 1948). Nossa correspondência “completa” encontra-se presentemente no Centro Ward de Lisboa, dirigido por sua discípula e também defensora infatigável do Canto Gregoriano em Portugal, Idalete Giga. De Júlia d’Almendra recebi cerca de quarenta e tantas longas cartas e a notável gregorianista acolheria aquelas que lhe enviava. Recebi também inúmeros cartões postais. A menção neste blog é para afirmar que essa troca de missivas seguia um curso normal. Mutuamente recebíamos as cartas escritas a mão no prazo certo. A correspondência de Júlia d’Almendra foi-me de imensa importância. Mantenho pela saudosa amiga perene gratidão. Sobre a nossa atividade epistolar e a evidenciar a regularidade dos Correios daqui e d’além mar, Júlia D’ Almendra escreveu-me com certo humor: “Eu pergunto: porque é que as nossas cartas não se perdem? Se recebem sempre. (…) Sempre ouvi dizer que só se perdem as cartas que nos convêm…Naturalmente, se não são mandadas por via aérea e esperam ainda os barcos do século passado, é natural que nunca mais cheguem” (carta de 06/12/1983).

Passaram-se os anos. Creio que a partir do início do século XXI, num processo que se acentuaria a seguir, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) se foi  deteriorando e elevando os preços de seus serviços ao consumidor. Em blog “A inacreditável realidade – Todos assistem e nada acontece”, datado de 31/03/2012, escrevia: “Recebi da França um pacote com revistas e livro sobre música, livre et brochures. Um amigo me enviou a encomenda no dia 13 de Março às 12h. A entrega deu-se no dia 19, ou seja, no quinto dia útil. O preço pago pelo remetente para essa entrega especial – E$ 5,49 – corresponde aproximadamente a R$ 13,20. A primeira impressão foi de choque, pois estou habituado a enviar livros e revistas para amigos do Exterior e sempre considerei elevadíssimas as quantias pagas. Mesmo um livro enviado para uma cidade próxima como Rio de Janeiro e com peso bem inferior custou-me praticamente o dobro para o mesmo prazo de entrega. Atiçado pela curiosidade, levei a encomenda até a agência dos Correios mais próxima, virei o envelope ao contrário, livre de qualquer endereço ou carimbo, e pedi para a atendente verificar o preço para entrega rápida na França. Disse-lhe o nome da cidade. A simpática funcionária comunicou-me que, se quisesse entrega em 2 o u 3 dias , custaria aproximadamente R$ 100,00; para um prazo maior, de 6 a 13 dias, num envio denominado ‘prioritário com registro’, R$ 65,35 até 1.200 gramas. Meu envelope pesava exatamente 1.180 gramas, pois mantido como recebi, com livro e revistas”.

O processo de deterioração dos serviços e dos preços abusivos apenas continuou ascendente. Nesses últimos anos, livros enviados da França ou de Portugal e CDs belgas chegaram às minhas mãos mui tardiamente. Outros devem ter se perdido no vasto Atlântico. Ultimamente estava para ler e resenhar quatro livros da musicóloga e escritora francesa, Catherine Lechner-Reydellet. Aguardei-os, após a missiva da autora anunciando a remessa. Chegaram seis meses após o envio. O ilustre musicólogo português José Maria Pedrosa Cardoso enviou-me em Outubro seu último livro, “O Grande Te Deum setecentista português – The eighteenth-Century portuguese Te Deum” (Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal/CESEM, 2019). Até este início de Abril nada recebi.

Também no final de 2019, o excelente pianista e meu colega na classe de Marguerite Long em Paris, Désiré N’Kaoua, enviou-me sua última gravação, a Sonata op.106, Hammerklavier de Beethoven. Qual não foi o meu espanto ao receber, dois meses após, a imagem do envelope com todos os meus dados exatos e com a frase de Michèlle, sua esposa: “C’est avec une grande tristesse que nous avons vu revenir le CD Beethoven (que Désiré vous avait envoyé) avec la mention ‘adresse inconnue’. Vous trouverez ci-joint la photographie de l’enveloppe avec toutes les mentions”. Endereço claríssimo, mas desconhecido ou negligenciado pelos Correios!!!

http://d.nkaoua.free.fr/bioFR.html

Menção de elogio faço aos carteiros. As décadas acentuaram meu respeito pelo trabalho árduo por eles enfrentado diariamente. Dedicados e cordiais.

Aparelhado por governos anteriores, creio que, após a calamidade do COVID-19, teríamos de encontrar solução definitiva para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Para nós, brasileiros, é vergonhoso, num diálogo com outros povos, ter de apresentar essa chaga em processo de franca deterioração. Até quando?

A comparison between the state-owned Brazilian postal service in the second half of the last century, when it was pretty reliable and relatively fast, and today, when it slid downhill: extremely high postage costs, slow mail delivery — both for outgoing and incoming mails —, serious number of mail lost in transit. Confidence is completely gone. How much longer will this last?


A corrida de rua e a inesgotável alegria do decano do circuito

E um dos privilégios concedido
aqueles que evitaram morrer jovens
é o direito abençoado de ficar velhos.
A honra do declínio físico está esperando,
e você precisa se acostumar com essa realidade.
Haruki Murakami
(“Do que eu falo quando eu falo de corrida”)

Conheci Antônio Lopes em uma corrida de rua promovida pelo SESC em 2010. De lá para os dias atuais encontramo-nos dezenas de vezes nas inúmeras provas na cidade e na grande São Paulo. Considero-o um fenômeno, pois é o decano das corridas de rua. Aos 92 anos, tem a disposição de um jovem, pois participa das provas, sem andar, frise-se, sendo que ao final de todas elas exibe o sorriso sereno a refletir a alegria de mais uma etapa vencida.

Para o leitor não afeito às corridas de rua, que agregam a cada ano número crescente de participantes com desiderato de viverem o prazer de correr e chegar à reta final, Antônio Lopes, na fronteira dos 92 anos, é atleta muito especial, raríssimo. Tenho 10 anos a menos e meu respeito por ele é ilimitado.

Encontramo-nos em muitas provas. A admiração maior vem do fato de que 10 anos de diferença pesam em nossa faixa etária, pois um ano a mais nessa categoria pressupõe paulatino tempo maior durante percursos. É o tempo “infalível e insubornável” de que nos fala o grande poeta Guerra Junqueiro. Aos 70 anos, quando iniciei a prática, fazia 10 quilômetros em uma hora e cinco minutos. Atualmente, em uma hora e vinte. São 15 minutos a mais. Antônio Lopes é apenas um pouco mais lento, mas tendo ultrapassado os 90 anos!!! Uma máquina antiga muito bem azeitada! A modéstia e a simpatia são marcas absolutas de meu querido amigo.

Nasceu na pequena cidade de Felício dos Santos, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e ainda miúdo percorria as estradas vicinais de terra batida sempre a correr. Nascia uma paixão que se poderia considerar como vocação para as corridas. Aos oito anos trabalhou na lavoura em Minas Gerais e, jovem, mudou-se para o interior do Estado de São Paulo. Em 1956 foi morar em São Bernardo do Campo, onde trabalhou inicialmente na terraplanagem da fábrica da Volkswagen. Finda a tarefa, tornou-se metalúrgico na cidade, aposentando-se em 1983. Nessa nova fase, prosseguiu durante duas décadas a atividade de pintor de paredes. Se, durante seu trabalho árduo para sustento da família, como lavrador e posteriormente como metalúrgico, abdicou da prática esportiva, após se aposentar voltaria a correr para fugir do sedentarismo, como afirma. Primeiramente começou a andar e, a seguir, a correr, aumentando paulatinamente as distâncias e não mais interrompendo a segunda opção. Um vocacionado pode até ter tréguas prolongadas, mas habitualmente em certa etapa da vida retoma ao primeiro caminho norteador. Em entrevista ao Guia da Cidade – São Bernardo do Campo (Maio de 2011), Antônio Lopes, aos 83 anos de idade, disse lembrar-se do estímulo inicial: “… um senhor que caminhava no mesmo lugar que eu me informou de uma corrida que iria acontecer no Riacho Grande. Resolvi participar e não parei mais”.

Impressiona o número de corridas realizadas por Antônio. Cerca de 900 ou mais, pois conserva 867 medalhas, tendo oferecido a amigos muitas delas. Ao todo 25 São Silvestres, 7 Maratonas de São Paulo e 3 em Curitiba. Meus encontros com Antônio se dão nas corridas de 10k, sempre no final, pois é nesse momento que há uma confraternização. Encontro também com Hélio Toller, amigo comum, que o conduz às corridas juntamente com outros três corredores de São Bernardo e que, nos seus 75 e mais anos, é realmente bem veloz para a faixa etária.

Caracteriza a vida de Antônio um cuidado grande com a saúde, sem excessos de qualquer natureza. Para atingir os 92 anos em plena atividade há determinantes. Comedido à mesa, tem como base na alimentação: arroz, feijão, carne branca (peixe), legumes, verduras e frutas. Pela manhã: suco de laranja, mamão, banana com aveia, torrada e granola. Antônio não é hipertenso, não tem problemas físicos e cardíacos, não toma medicamento de uso contínuo. Disse-me acreditar que sua saúde é resultado do hábito de correr.

Em prova do Shopping União em Guarulhos, em 2018, subíamos uma ladeira lado a lado, o amigo Luiz Eduardo (70) e eu, quando, ao ultrapassar Antônio Lopes, nos demos conta de que exatos três decênios nos separavam, 70, 80, 90 anos. Motivo para comum alegria.

Divirto-me quando, após as corridas, recebo troféu de mais idoso. Batoré, amigo e corredor bem mais jovem e que quase sempre me acompanha até as largadas, comenta com sorriso largo. “Hoje o professor vai ganhar troféu, o nosso bom amigo Antônio não compareceu”. Em prova do Circuito da Longevidade Bradesco – participam alguns milhares de atletas amadores – estivemos no pódio a obedecer a faixa etária.

Posso afirmar que Antônio Lopes é um exemplo para mim. Vendo-o correr, o estímulo se acentua e sinto que, enquanto puder, estarei presente nas provas de rua. Sugeriria às organizações de corridas de rua que, ao saber da presença de Antônio Lopes entre os participantes, sempre o saudassem. Prestariam uma homenagem realmente a um fenômeno do pedestrianismo, como evidenciariam aos milhares de corredores de prova de rua que ali está presente uma figura singular da modalidade. Justo tributo a um atleta na acepção da palavra.

This post is a tribute to my fellow runner and friend Antônio Lopes, the dean of street runners, whom I have dubbed “phenomenon”. Having participated in about 900 races to date, he goes on with a surprisingly youthful disposition. Now 92, he is always the senior-most runner in the 80+ age group. Antônio is a well-oiled machine,an example of discipline and determination for younger runners, an athlete in the true sense of the word.