Navegando Posts em Cotidiano

Mudamos apenas o calendário

Desejo-lhe que ames aquilo que se deve amar
e esqueças o que deve ser esquecido.
Desejo-lhe paixões. Desejo-lhe silêncios.
Desejo-lhe canto de pássaros ao amanhecer e risos de crianças.
Desejo-lhe que respeites as diferenças dos outros,
pois que o mérito e o valor de cada um são permanentes descobertas.
Jacques Brel (1929-1978)

O mundo como um todo tem pouco a festejar. Todos os problemas que o assolam persistem e recrudescem sem possibilidades de estancamento. A questão é sempre o homem, mormente os detentores do poder no âmbito dos governos em conluio com dirigentes de inúmeras empresas privadas. Uma relação inquebrantável existe entre ambas as forças, em todas as correntes “ideológicas” que se estendem da extrema esquerda à extrema direita. Forças que periodicamente se alternam – nem sempre – para o “florescimento” de uma delas, prosseguindo desacertos com metodologias diferentes.

Quando estudava em Paris, nos anos fronteiriços às décadas de 1950 e 1960, recebi de um amigo um cinzeiro, pois fumava cachimbo àquela altura. A charge do consagrado Jacques Charmoz (1911-1980) dizia que “a preguiça é a mãe de todos os vícios”. Confortavelmente deitado em uma rede, a saborear uma bebida e a fumar um charuto, o cidadão observava, “e daí?”. Hoje, a charge poderia prosseguir com idêntica imagem, a ter a corrupção como mãe de todos os vícios. Considero-a não apenas um vício, mas uma doença incurável. Será rigorosamente impossível debelá-la, pois incrustada na pele de quantidade de indivíduos que pululam junto aos três poderes, assim como na mente de legião de cidadãos não pertencentes àqueles, nesse ilícito amálgama a visar ao enriquecimento individual e de acólitos através de incontáveis artifícios. Sob o manto insaciável da corrupção inexiste, por parte dos envolvidos, o rubor da vergonha.

Realmente, a transição do ano no calendário não me traz a menor esperança. A Lava-Jato, que desbaratou tantos infames esquemas, corre o sério risco de estiolar-se, pois todos os investigados e condenados são “inocentes” e têm incomensurável força de “persuasão”.

Se a esperança existe, busquemo-la no âmbito da família e de amigos que confessam princípios afins, assim como na atividade vocacional. Para aqueles que atravessaram muitas décadas, a decadência moral, cultural, ética, espiritual e dos costumes é rigorosamente um fato a contrastar, paradoxalmente, com a vertiginosa evolução tecnológica. Serviu essa ascensão vertiginosa da tecnologia para a decadência sensível apontada? Estudiosos esbarram nas contradições.

Esvai-se o ano e a cada um de nós é reservado o momento de síntese do que se passou ao longo dos meses. Esse balanço torna-se necessário, pois a partir do início do ano as obrigações se nos apresentam imperativas, sempre as mesmas ou mais outras que os donos do poder acrescentam. Nada a fazer a não ser cumpri-las. O Leviatã é insaciável. Só a partir dessas infalíveis obrigações os projetos fluem a contento.

Nesse 31 de Dezembro ocorre a São Silvestre. Quantas não foram as alterações do trajeto, sempre a atender aos meios de comunicação e aos patrocinadores. Mais de 35.000 corredores, cinco mil a mais do que no ano passado, tentarão finalizar o percurso de 15k. O preço da inscrição subiu dos estratosféricos R$ 185,00 do ano passado para 197,50 neste ano, a representar um aumento de 6,75%. Para que o leitor saiba, a grande maioria das corridas de rua não atinge os R$ 100,00 por participante. Para a malta que acorre à São Silvestre, pelo menos durante os primeiros dois ou três km é impossível correr.

Participei da São Silvestre de 2008 a 2012. Foram cinco corridas. Deixei de me inscrever após a morte do cadeirante Israel Cruz Jackson de Barros, acidente que jamais teria ocorrido, friso sempre, fosse mantida a descida da Av. da Consolação e não a Rua Major Natanael, pirambeira acentuada. Sou um corredor a menos a participar, mas anualmente o número aumenta sensivelmente. “Nada a fazer a não ser protestar”, como escrevia um poeta açoriano. De 1º de Junho de 2008 a este final de 2019 foram 190 corridas de rua em São Paulo e alhures. Sob a égide da confraternização, essa atividade, nos moldes propostos por milhares de corredores que participam por prazer, tem fins benéficos inimagináveis.

Estava a pensar neste post quando, ao sair de casa para ir à feira-livre, deparo-me a caminhar pela nossa calçada com uma figura conhecida. Tive momentânea dúvida, mas a reconheci em instantes. Era José João da Silva, campeão da São Silvestre em 1980, após 34 anos sem vitórias brasileiras. Voltaria a ganhar em 1985. Lembro-me muito bem desses feitos notáveis. Hoje promove eventos esportivos. Conheci-o há anos atrás em corridas e na sede de sua organização. Afável, após contar sobre minhas corridas de rua, José João foi até nosso estúdio de música e mostrei-lhe minhas medalhas de participação e troféus mercê da faixa etária. A foto ilustra a visita.

Aos 81 anos ainda tenho projetos. Idealizo-os amorosamente. Apesar da resistência do já diminuto público da música erudita ao repertório qualitativo menos frequentado, nele persisto desde os anos 1970. Prossigo. Neste ano que se esvai, e que compreendeu gravações e poucos recitais, Bélgica e Brasil, majoritariamente escrevi blogs sobre música, à qual me dedico desde a infância. Inúmeros livros foram resenhados ou comentados e, por vezes, o cotidiano surge nos blogs. Quanto a eles, continuarão até um dia…, pois o tempo se afunila. Desde 2 de Março de 2007 jamais foi interrompido uma semana sequer. Bem anteriormente já observara que a respiração não pede férias.

De J.Krishnamurti (1895-1986), um dos espiritualistas eleitos por meu saudoso pai, extraio bela passagem de “mensagem de Ano Novo”, inserida em seu livro Auto-Preparação (1929): “Cada um de nós emergirá, ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor, ou então absolutamente não teremos crescido, permanecendo em completa inércia, exatamente aquilo que agora somos. Porém, para aqueles dentre nós que sentem entusiasmo, o que um Novo Ano significa?… Somos semelhantes a viajantes, percorrendo, em nossa longa jornada, um país novo e desconhecido, onde fados estranhos e insólitas aventuras nos esperam. Nesta terra, à medida que o peregrino observador a percorre, oportunidades se acumulam sob seus passos. Porém, para utilizá-las necessita ser sábio e estar alerta. Pois de uma coisa deve lembrar-se: – que é um viajante e que o que lhe compete é não se deter, mas avançar”.

A todos os leitores que seguem meus blogs, meus votos de um 2020 a atender aspirações.

New Year! Looking back on the year just past, I see political unrest, corruption, economic burdens, moral decay, very little to celebrate. Looking ahead, no hope things will change for the better. If hope exists, we must seek it among family and friends and by pursuing our areas of interest. At 81, I still have projects in music and a warm enthusiasm for running and for my blog. All we can do is play our part and do our bit. I wish all my readers a happy New Year. May all your dreams be fulfilled, may all your resolutions be met.

Uma cartinha para o Papai Noel e a ansiosa espera

Dizem para você que os semblantes
nessa noite são extraordinários,
pois estão à espera de um milagre.
E você vê que todos os anciões retêm a respiração,
fixando seus olhares nas crianças,
preparando-se para fortes palpitações do coração.
Algo indescritível e de valor inestimável
se passará nos olhares dessa gurizada.
Antoine de Saint-Exupéry
(Citadelle CXXII)

Desde 2008 realizo meus treinos para as corridas de rua do calendário oficial dessa atividade esportiva, que a cada ano ganha um número maior de adeptos. Quando não participo de uma prova, nem por isso deixo de treinar na minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo. Durante a semana os treinos se concentram em torno do Brooklin e, aos domingos, no Campo Belo.

Nos treinos dominicais passei a encontrar o pequeno José, de apenas seis anos, que passeia por uma das ruas do bairro com sua mãe, avó e bisavô. Certo dia, lá se vão alguns meses, ao passar pelo menininho José, ele me perguntou se poderia correr comigo. Deu-me sua mãozinha e percorreu uns 40 metros. Domingos seguidos esse meu trajeto teve curta distância percorrida também pelo pequeno José.

Vendo-o triste determinada manhã, perguntei-lhe a razão. Um seu coleguinha destruíra seu carro de polícia. Imagine o leitor o efeito desse acontecimento. Estava “de mal” com o coleguinha. Disse-lhe que deveria tentar as pazes com o pequerrucho, pois não é bom a animosidade já a essa altura. Como completaria seis aninhos dias após, presenteei-o com uma caixa a conter alguns carros de metal e lá estavam o carro de polícia, de bombeiros, ambulância e outros tantos.

Ultimamente o pequeno José, sempre a acompanhar bisavô, avó e mãe, ao me ver correr – parece ter olhar de lince – vem até mim em desabalada correria, dá-me a mãozinha e nossos 40 ou 50 metros ficam garantidos. Despeço-me com um abraço e retomo meu treinamento.

Num desses domingos José tinha às mãos um boneco do Batman todo articulado, medindo uns 40 cms. Perguntei-lhe se pedira algo para o Papai Noel. Respondeu-me que gostaria do Superman. Disse-lhe para escrever cartinha ao bom velhinho e que eu entregaria sua mensagem, pois era meu amigo. Meu amiguinho colocou a mão na minha barba e disse que eu também a tinha branca. Comentei que Papai Noel sabe se o menino foi bom aluno, obediente aos pais e que na cartinha ele não poderia mentir.

Uma ou duas semanas após, entregou-me a cartinha com seu desejo – mas redigida pela mãe. Fez inclusive o desenho do super-herói sonhado. Perguntou-me se Papai Noel iria atendê-lo. Respondi-lhe que dependeria do bom velhinho, mas acreditava que sim. Corremos mais umas dezenas de metros e prossegui meu treino.

Deixarei o Superman com sua mãe ou avó para que o deposite ao pé da árvore de Natal. Posso antever a alegria de meu amiguinho José.

Esse episódio me faz lembrar de uma infância feliz, que antevia o Natal e a presença certa do Papai Noel, que à meia noite em ponto tocava a campainha. Miúdos ainda, assustávamos à primeira vista, mas à medida que o velhinho em traje púrpura tradicional, gorro e outros apetrechos tirava do imenso saco os presentes para o quarteto de meninos, ficávamos hipnotizados. Como não recordar daqueles instantes inefáveis? Nessa idade edipiana ainda não imaginávamos nosso saudoso pai nesse mágico mister. Foi-se a magia desse maravilhamento, sempre precedido pelos preparativos de nossa também saudosa mãe semanas antes. O Natal, mesmo perdendo esse encantamento, mercê da imensa pressão comercial, continua a ser data maior da cristandade.

Ainda não tiraram a ilusão do garotinho José que  está ansioso para pegar, pela manhã do dia 25, seu Superman ao pé da árvore. Certamente Papai Noel vai atendê-lo. Só o bondoso velhinho da Lapônia, a avó e a mãe do menino José, o leitor e eu sabemos do desfecho.

Se hoje Papai Noel “serve” majoritariamente para fins comerciais, rememorar sua presença, que fazia bater bem mais forte nossos coraçõezinhos, afigura-se como extensão inebriante.

A todos os leitores desejo um Natal de confraternização e paz.

As a boy, Christmas night was pure enchantment, a beautifully perfect night. At midnight Santa Claus – my father in disguise – would ring the doorbell loaded with gifts for me and my three brothers. The magic of the moment now lives on only in my memory, but it is a reality to my six-year-old friend José. Usually strolling along the street with his mother and grandparents during my running routine on Sundays, he sprints in my direction when he sees me and we run some forty meters together as a rule. Little José has entrusted me with the task of handing over a letter to Santa Claus, believed to be my personal friend. First on his wish list: a Superman doll, to keep company with the Spider-Man he already has. I will make sure Santa Claus leaves Superman beneath his Christmas tree. To all my readers, I wish a Christmas filled with beautiful moments and cherished memories.

 


Mensagem a evidenciar outras captações da realidade atual

O futuro deve ser de tal maneira
que nenhuma criança ao nascer
se sinta torpedeada pela vida
de maneira que julga que tem de desistir de ser
para existir apenas como aquilo que a vida obriga a ser.
Agostinho da Silva

Apesar de tema relevante, mas tratado de maneira sucinta, a decadência cultural mostra-se evidente e sem tréguas, acoplando-se a ela outras quedas abissais relativas aos costumes como um todo, à moralidade, ao desrespeito à vida. Diariamente seres do mal eliminam, sem qualquer arrependimento, cidadãos comuns e ordeiros, atos que implicam a ruptura abrupta de inúmeros relacionamentos afetivos de toda espécie. Habituamo-nos à descida vertical, que se mostra desgraçadamente rotineira.

Muitas foram as mensagens recebidas, todas meritórias, a focalizar preferencialmente o Brasil e suas mazelas, que se acentuaram neste século. Se o professor titular da USP, Gildo Magalhães, observa que “esta é uma triste realidade, a barbárie avança rapidamente – et pourtant… temos de resistir; se não, morremos em vida!”, e o arquiteto Marcos Leite comenta estar “infeliz por ter de concordar com a análise que escancara a mediocridade vigente, apesar de ainda ter flashes de esperança de que venham, de alguns guetos de cultura e bom gosto a que fomos confinados, expressões artísticas relevantes, demonstrações de que o homem raciocina em detrimento da grosseria da matéria”, recebo do compositor François Servenière reflexões que, pela dimensão e densidade, poderão interessar ao leitor.

“Corroboro a posição de Mario Vargas Llosa em seu livro ‘La civilizatión del espectáculo’, que na realidade retoma as constatações taciturnas de Guy Deborden no seu famoso livro ‘La Société du Spetacle’ (1979). Livro triste e logorreico de um velho filósofo cansado pela modernidade galopante e voltada à pequenez.”

A seguir, Servenière discorre, a expandir sobre as calças rasgadas, essa “ofensa aos pobres”, segundo o musicólogo português Pedrosa Cardoso. “Entendo edificante a reflexão do mestre português sobre a indecência moral relacionada à pobreza, pois o jeans rasgado está na moda pelo mundo, em tempos em que a pobreza revela grande dificuldade para se vestir decente e corretamente para ser respeitada, para ter sua inserção social, para emancipar-se de sua condição inicial que não representa a felicidade sonhada. O professor está pleno de razões ao afirmar ‘tratar-se de um insulto à pobreza’, vestir-se de trapos, quando esses que assim agem têm condições de comprar roupas elegantes e até em coleções afamadas. Quando meus filhos habitaram Neuilly, ficava eu espantado ao ver jovens da mais alta sociedade francesa vestirem-se tão mal e relaxadamente, a fim de manifestar originalidade e orgulho. Via essa atitude como uma vergonha da riqueza, pois do ‘bem mal adquirido nunca se aproveita’, reza o ditado”. Infelizmente esse adágio não se aplica à realidade brasileira, onde o enriquecimento ilícito é endêmico, mercê da corrupção, do descaso e de uma justiça extremamente lerda.

Prossegue Servenière: “Ao meu ver, é insuportável a atitude desses jovens  mal vestidos, cabelos totalmente desalinhados, tatuados, assim se apresentando para demonstrar o desgosto pelo seu meio original, seja qual for o berço. Acredito ser um desrespeito para com os outros… Salvo casos excepcionais, quando remontamos às nossas genealogias, todos somos descendentes de meios sociais pobres. Sim, encontramos algum ilustre, rico ou notável personagem nesse contexto. Todavia ocultamos, bem acentuada e voluntariamente, a maioria indigente e anônima, que trabalhou arduamente a terra com suas unhas para se alimentar de raízes e tubérculos… Legiões têm vergonha desses antepassados pobres que estão inscritos em nosso DNA. Portanto, nosso caráter atual é oriundo desses ancestrais corajosos e tantas vezes indigentes. Será necessário muito tempo para as novas gerações reconhecerem o trabalho honroso de seus ancestrais e a própria situação social… quiçá uma vida inteira, para esses descendentes admitirem interiormente que não fazem parte de uma geração espontânea, mercê da riqueza adquirida! Assimilar essa ideia significa adquirir sabedoria, apreendendo o exemplo legado, que mereceria ser a bússola doravante para esses herdeiros. Só assim a transmissão poderá ser realizada. Não obstante, a juventude aceita muito mal essa dependência moral, estrutural, educativa! Ela acredita ser autônoma, fruto do talento e da inteligência espontânea…

A sociedade contemporânea é um maelström que parece arrasar, a partir de suas tecnologias, o passado e a velha cultura nacional dos povos. Os miliardários das novas tecnologias se glorificam, através da pujança financeira, por ser, graças aos canais de comunicação que inventaram, o alpha e o ômega de nossa época. Contudo, não tivessem eles conhecido a cultura milenar, não seriam apenas canais? Bastará um blackout para que eles percam totalmente sua função precípua. A cultura milenar desapareceria? Evidentemente não. Ela estaria nas bibliotecas, e poder-se-ia ler um livro à luz do sol ou à terna chama de uma vela, tocar música utilizando instrumento não elétrico… Seria a razão necessária e suficiente para que se lute contra a modernidade eletrônica galopante através do papel, das bibliotecas. O papel permite a salvaguarda da cultura. A desmaterialização de dados, graças à tecnologia, põe em risco nossa sociedade, nela incluindo a cultura e seus traços. Nessa tendência aparentemente irreprimível, não poderiam porventura ser desmaterializados monumentos históricos e paisagens? Bastaria um tsunami econômico brutal, o que não está distante no horizonte, graças às tensões mundiais, para que essa sociedade virtual desaparecesse em um sopro! Tendências econômicas atuais mostram essa atitude suicida contemporânea a flertar à beira do abismo.

Não vale a pena gritar a plenos pulmões para denunciar uma sociedade que vai de encontro ao muro. Ela deverá, independentemente das vontades individuais e coletivas, gerar seus próprios mecanismos reguladores, aos quais cada geração terá necessidade se adaptar. Seria  melhor, ou menos radiante, do que a antiga época nostálgica de nossa juventude, que não era tão brilhante quando a observamos de perto? Naqueles tempos era necessário mais de um mês para que o destino de uma carta se concretizasse até o fim do mundo… Quando ela chegava… É necessário se adaptar, como aliás o fez cada geração, para sobreviver às contingências de sua época.” Estou a me lembrar que nos anos de estudos em Paris, entre as décadas de 1950-1960, quantas não foram as cartas que não chegaram ou as que recebia após duas ou mais semanas de espera, considerando-se a travessia atlântica?

Servenière continua: “Quais serão as contingências de determinado período? Dramáticas, caóticas, maravilhosas, tranquilas? Apesar da tomada individual de uma posição determinada, a inventividade do maelströn que nos atinge de frente será como torrente tumultuosa que busca caminho em sua descida pelas montanhas em direção ao futuro. Ela encontrará obrigatoriamente seu traçado em direção à planície, acalmando-se pouco a pouco em lânguidos meandros. E sucessivamente através de gerações… A natureza nos oferece numerosas metáforas, a fim de positivar nossa relação filosófica a visar o futuro, mormente quando este se nos é apresentado somente de maneira angustiante, triste, destruidora… Uma certeza, a humanidade sobreviverá inventando outras soluções, normas e formas. Estas serão, por sua vez, excessivas e perigosas, multiformes, modeladas. Nossa época não é um monstro imóvel, uma finalidade. Ela opera permanentemente e assim foi no passado, no presente e assim será no futuro. É um rio. A humanidade também o é. Nossa época construirá e destruirá, conservará e criará o novo.

Joseph Schumpeter (1883-1950) teria razão ao insistir no eterno conceito da ‘destruição criativa’, por ser ela o motor do mundo, desde as origens. Cassandra não tem sempre razão, mesmo que seu propósito seja necessário para reagir à ignomínia, que não deixa de aparecer constantemente. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, desgraçadamente, estão sempre montados, não importa o que façamos, o que pensamos, o que dizemos!

A incerteza atual, que provém da angústia coletiva gerada por um mundo ‘rico’, mas que apresenta a humanidade temerosa pelo futuro, sem saber os caminhos a serem seguidos para desvencilhar-se desta época narcisista, inculta, pobre moralmente, levada tantas vezes à tentação do suicídio, mercê também da certeza da existência das armas de destruição maciça. Frisemos, porém, que mesmo à beira do precipício, aliás, como já esteve tantas vezes, a humanidade conseguirá sobreviver aos seus demônios.

Podemos objetivamente ser devastados pela enxurrada do noticiário das mídias atuais. Porém, deveríamos transmitir às gerações futuras a esperança, da mesma maneira que o fizeram gerações passadas em condições por vezes muitíssimo mais difíceis do que a nossa”. (tradução: JEM).

Finalizava o blog da semana quando, ao buscar noticiário do dia nos provedores, deparo-me com quantidade de “noticiário” que, rigorosamente, beira à destruição plena da moralidade. Impossível esse lixo não contagiar as novas gerações. Ao menos nos lixões espalhados pela cidade o manuseio é feito com luvas bem grossas!

Resuming the subject of last week’s post on the decline of Culture, I publish a message received from the French composer François Servenière with far reaching and fresh approach to this issue: the unabated march of technology versus the importance of printed words in preserving History for posterity; the “creative destruction” theory, demolishing long standing practices and creating new ones; modern society in pursuit of adjustment mechanisms between the old and the new .