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A distração de um escrivão e os resultados advindos

A prosa histórica é poderosa por ser necessária ao seu tempo,
por estar ligada a ele e surgir como um reflexo dele.
Veniamin Kaviérin (1902-1990)

Iuri Tyniánov é um dos escritores que engrandece a consagrada literatura russa. Destacou-se não apenas como escritor, mas também como tradutor, crítico literário, roteirista e professor. Dedicou-se aos estudos de Teoria Literária e é presença essencial no que concerne ao Formalismo Russo.

Entre seus contos, destaca-se “O Tenente Kijé” (1928) – título mais conhecido no mundo ocidental -, que na publicação em pauta surgiria como “O Tenente Quetange”, na competente tradução acompanhada de notas de Aurora Fornoni Bernardini, editada recentemente (São Paulo, Editora 34, 2023). Salientem-se os ricos prefácio de Boris Schnaiderman (1917-2016) e o posfácio de Veniamin Kaviérin (1902-1990).

Necessário se faz explicar, para o melhor entendimento do leitor, o termo Quetange, utilizado por Aurora Bernardini. Acrescento parágrafo do prefácio de  Boris Schnaiderman, a esclarecer a origem da trama do conto: “Esse Kijé surge no texto em consequência de uma distração do escrivão sonolento que, em lugar de ‘podporútchi ki jé’, escreve na minuta de um decreto ‘podporútchik Kijé’, isto é, a expressão ‘No que tange aos segundos tenentes…’ fica substituída por ‘o segundo-tenente Kijé”. E esse texto, sacramentado com a assinatura imperial, acaba tornando obrigatória a existência do tenente e “no que tange” se transforma perigosamente em Quetange, personagem doravante presença inexistente.

O Tenente Quetange percorre o conto em seus 23 curtos “capítulos”, narrativa que transita pelo século XVIII, sob o reinado do czar Paulo I, com um “propósito crítico” ao sistema autocrático baseado na burocracia e nos equívocos dela decorrentes. Uma primeira leitura sem os prolegômenos necessários encaminha o leitor para a possível deriva, pois são vários os personagens efêmeros ou não e fatos que surgem sem uma sequência lógica, sequência esta substanciada pelo entendimento das premissas. O conhecimento dessas torna o texto não apenas assimilável, mas enriquecido por forte dose de humor sarcástico e o conto se metamorfoseia, a evidenciar o pensamento arguto de Tyniánov.

A figura fantasma do Tenente Quetange, acompanhada pela observância do Czar, atravessa o conto, da deportação para a Sibéria a mando de Paulo I ao perdão e progressão sequencial na carreira militar, capitão, coronel e, após, o imaginado casamento com uma princesa, a promoção pelo Czar a general, acompanhado de bens que lhe são outorgados. Paulo I, ao solicitar a presença do Tenente Quetange, amedronta os que mantinham o fantasma, que respondem ao Czar que Quetange morrera. O féretro é realizado com pompas. Após a “morte” de Quetange, o Czar ordena a devolução dos bens do “finado” e é informado que esses foram gastos com luxo e desperdício, encobrindo a realidade, o roubo da fortuna pelos amedrontados súditos. O fantasma “morto” é tido como larápio e perde todas as promoções, regressando à categoria de soldado raso. É nesse acompanhamento do personagem Quetange, duplicado nesse existir–inexistindo, que a trama do conto adquire um sentido crítico aos equívocos que advêm de um regime autocrático. Veniamin Kaviérin bem observa no posfácio que “o tema do duplo existe na literatura há centenas de anos, sendo inúmeras as suas variantes”.

Em 1934, o Tenente Kijé foi às telas com o roteiro do autor, Iuri Tyniánov, e direção de Aleksander Feinzimmer (1906-1982), sendo que a música foi confiada ao notável compositor Serguei Prokófiev (1891-1953). Moscou, Londres e Nova York tiveram as suas respectivas estreias. Atendendo a um convite da Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou para reescrever a música criada para o filme, ora na formatação Suíte, Prokofiev revelou que teve um “trabalho diabólico” em duas frentes durante cerca quatro meses, transformando os fragmentos musicais do filme, destinados a uma orquestra de câmara, para uma grande orquestra, e reestruturando o conteúdo musical da película, como adequações à doravante forma Suíte, assim como o emprego temático preciso para fácil absorção por parte do público. Fê-lo magistralmente e, em artigo publicado no Izvestia no mesmo ano, admitiria que a Suíte “Acima de tudo, deve ser melodiosa; além disso, a melodia deve ser simples e compreensível sem ser repetitiva ou trivial… A simplicidade não deve ser uma simplicidade antiquada, mas uma nova simplicidade”. O fato de a publicação da partitura ter sido realizada em França faria perdurar para a obra o título Lieutenant Kijé, na realidade uma das criações orquestrais mais festejadas de Prokofiev. Mormente após a aceitação pública, durante décadas permaneceu como uma das suas mais executadas composições mundo afora.

Sergei Prokofiev, compositor com fortes raízes voltadas à tradição – lembremo-nos de algumas de suas marcantes criações orquestrais, “O amor das três laranjas”, “Cinderela” e “Sinfonia Clássica” – , ao compor “Lieutenant Kijé” não se desvia da temática de Iuri Tyniánov e segue o roteiro do conto nos cinco quadros da obra: Nascimento de Kijé, Romance, O casamento de Kijé, Troika, O enterro de Kijé. Na Suíte orquestral de Prokofiev não se descartem heranças que têm origem em seus ilustres conterrâneos, Alexander Borodin (1833-1887) e Modest Moussorgsky (1839-1881), nessa captação descritiva sob a ótica russa singular.

Clique para ouvir, de Sergei Prokofiev, “Lieutenant Kijé”, na interpretação da Boston Civic Symphony, sob a regência de Konstantin Dobroykov:

https://www.youtube.com/watch?v=YbaY7p5ahZo&t=1s

A leitura de “O Tenente Quetange”, precedida pela audição da composição de Prokofiev, “Lieutenant Kijé”, poderá levar o leitor a mentalmente seguir o enredo perpassado pelas melodias contagiantes.

Alvissareira, pois, a edição tão bem cuidada do conto “O Tenente Quetange”, de Iuri Tyniánov, obra que recomendo vivamente.

Desejo um Natal pleno de paz e serenidade aos leitores que prestigiam os meus blogs hebdomadários.

Russian writer Iuri Tyniánov’s short story “O Tenente Kijé”, which in the Portuguese edition would be titled “O Tenente Quetange”, is a unique work. Aurora Fornoni Bernardini was the translator. The Russian composer Sergei Prokofiev would compose the music for the film “Lieutenant Kijé” and later reshape the various fragments by composing the orchestral Suite “Lieutenat Kijé”.

 

Conversa que despertou a memória

A percepção nunca está puramente no presente,
pois tem de recorrer à experiência do passado.

Oliver Sachs (1933-2015)
(“Alucinações musicais”)

Ao longo dos anos não foram poucas as vezes em que mencionei Marcelo, amigo que encontro por vezes na feira livre do Campo Belo aos sábados. Lê os blogs semanais e, quando nos encontramos, sempre há perguntas inteligentes que busco responder. Vi-o no início do presente mês em um dos supermercados que frequento e voltamos a conversar prazerosamente. Entre outros assuntos do cotidiano, fez-me conhecer um problema que o atingia relacionado à perda quase plena de audição do seu ouvido esquerdo. Deveria ser operado dias após o nosso encontro. Antes de saber o mal que o acometia, notei que ele, ao me ouvir, virava ligeiramente o pescoço em direção à direita. Causou-me espanto quando ouvi Marcelo comentar o seu desânimo ao ouvir música. É motivo de alegria saber que ele ouve as músicas que insiro nos links dos posts semanais. Disse-me que algo estranho tem ocorrido, pois está perdendo a vontade de ouvir, pois a escuta a partir de um só ouvido “não tem graça”, como me afirmou. Tomamos um curto na lanchonete do estabelecimento e nos despedimos. Soube nesta semana que a cirurgia correu a contento e ele está a se recuperar. Recordei-me de um aluno que teve poucas aulas de piano em tempos idos e que não tinha nenhuma audição em um dos ouvidos desde a infância. Naturalmente inclinava a cabeça para um lado ao executar uma música.

Fiquei a pensar no problema do Marcelo e veio-me à memória um capítulo de um livro do renomado neurologista, psiquiatra, professor e escritor anglo-americano Oliver Sachs (1933-2015), nascido na Inglaterra e que se fixou nos Estados Unidos, tendo uma vasta e diversificada contribuição literária (“Alucinações Musicais”, São Paulo, Schwarcz, 2007).

No capítulo em questão, “Em estéreo ao vivo: por que temos dois ouvidos”, o autor inicia mencionando um médico norueguês, dr. Jorgen Jorgensen, com quem mantinha correspondência e que perdera a audição do seu ouvido direito após cirurgia. Observa o médico escandinavo: “A percepção das qualidades específicas da música – o tom, o timbre – não mudou. Mas a minha recepção emocional da música ficou prejudicada. Tornou-se curiosamente monótona e unidimensional”. Especificações existentes na música, como altura sonora, ritmo, tempo e as curvas das linhas musicais, crescendo e diminuendos, são elementos que podem se  tornar prejudicados quando da escuta através de um só ouvido. Sachs comenta que ocorrem diferenças óbvias na escuta espacial e distingue “cantar em uma sala de concerto ou no chuveiro”. Têm interesse as suas reiteradas chamadas às diferenças de se ouvir em mono ou em estéreo, tendo em conta igualmente a reverberação.

Dr. Sachs insiste que aquele que, por circunstâncias várias, está desprovido da audição plena, desenvolve um efeito “pseudo-estéreo”. Observa: “A genuína percepção em estéreo, seja ela visual ou auditiva, depende da capacidade do cérebro para inferir a profundidade e a distância (além de qualidades como rotundidade, amplitude e volume) com base nas disparidades entre o que está sendo transmitido pelos dois olhos ou ouvidos individualmente – uma disparidade espacial no caso dos olhos, e temporal no dos ouvidos.”

Relevante a analogia que o autor estabelece para aqueles que perdem a visão de um olho. Oliver Sachs explica: “As repercussões da perda da estereoscopia podem ser inesperadamente abrangentes; incluem não só a dificuldade de avaliar a profundidade e a distância, mas também um ‘aplainamento’ de todo o mundo visual, tanto na esfera perceptual como na emocional”. Seria possível entender que a situação, que se estende igualmente à percepção espacial, condiciona adaptações a que o mental pouco a pouco se acostuma, sendo que, se porventura a visão volta a ser binocular, sensações extraordinárias se abrem. Após considerar que o humano, não tendo largamente a acuidade ocular e auditiva da maioria dos animais, acaba aperfeiçoando minimamente os seus sentidos visual e auditivo. Escreve o neurologista: “É a estereofonia que permite aos espectadores de um concerto deleitar-se com toda a complexidade e o esplendor acústico de uma orquestra ou de um coro que se apresenta em uma sala de espetáculo projetada para que a audição seja a mais rica, refinada e tridimensional possível – uma experiência que tentamos recriar, da melhor forma, com dois fones de ouvido, alto-falantes estéreo ou som surround”.

Se existem cidadãos impossibilitados nos casos elencados, há que se entender que, a depender da acuidade e do esforço mental dos que perderam a audição de um ouvido e a visão de um olho, atenuantes existem e o empenho voluntário ameniza as ausências da escuta ou da luz, respectivamente, aos acometidos por esses problemas. Sachs menciona “o aumento da habilidade de fazer avaliações usando um único olho ou ouvido, um uso intensificado das pistas monoculares ou monoaurais”. Continua: “A pessoa que perdeu a estereocopia ou a estereofonia precisa, efetivamente, recalibrar seu ambiente, seu mundo espacial – e, nesse caso, o movimento é especialmente importante, até mesmo os movimentos da cabeça relativamente pequenos, mas muito informativos”. Relata Sachs que, através de muitos esforços mentais, o dr. Jorgensen, mesmo sem a audição do ouvido direito, encontrou, através de um esforço mental, algum resultado que o fez ter um conforto ao ouvir música com apenas o ouvido esquerdo.

Dr. Francisco de Paula Pinto Hartung (1893-1953), renomado otorrinolaringologista, escreveu dois livros de interesse sobre “Chopin – Enfermidade e Arte” e “A Surdez de Beethoven – aspectos clínicos e históricos”. Neste, pormenoriza o mal que acometeu o compositor, causas, consequências, enumerando etapas. Li-os décadas atrás. A leitura da vasta correspondência de Beethoven corrobora interpretações quanto à sua surdez. Se pensarmos que algumas de suas obras mestras, incluindo a possivelmente mais consagrada Sinfonia da história, a célebre Nona Sinfonia, assim como as quatro mais importantes Sonatas para piano solo, opus 106 (Hammerklavier), 109, 110 e 111, e os últimos quartetos, todas essas criações foram concebidas no silêncio auditivo externo a partir de 1819, quando a capacidade auditiva de Beethoven era basicamente nula. Se pensarmos que o cidadão versado minimamente em música, sem se expressar cantarolando, pode rememorar melodias que o agradam, inclusive com as letras desses cantos ao gosto do público. Essas melodias ecoam, pois gravadas na mente. Beethoven criou todas as extraordinárias obras finais da existência apenas com a escuta interna, substanciada por todo o acervo composicional adquirido por uma figura sob a aura da genialidade. Certamente foi um exercício hercúleo transcrever o que estava na mente sem qualquer auxílio instrumental. Teria a Nona Sinfonia a magnitude que dela emana, plena de sentimentos contraditórios e dramáticos, se a audição do Mestre alemão estivesse perfeita? Mistérios.

With regard to a hearing impairment that affected my friend Marcelo, who goes to the same street market as me in Brooklin-Campo Belo, I would like to quote Dr Oliver Sachs, who addresses the subject in his book “Musicophilia – tales of music and the brain”.

Romance de Edson Amâncio

A mente é instável e desajeitada, vagueando por onde mais deseja.
Portanto, é bom controlar a mente.
Uma mente disciplinada traz felicidade
(sukra).
(“Dhammapada” As palavras de Buda – Nova Acrópole, s.d. Portugal)

Há pouco tempo escrevi sobre recente lançamento de um livro do renomado médico neurologista e neurocirurgião Edson Amâncio (vide blog “Meu Dostoiévski: Os minutos finais”, 20/01/2024). Recentemente o autor me ofereceu uma provocante novela escrita em 1997, “Minha cara impune”. Edson Amâncio é autor de diversos livros, cultivando vários gêneros literários, entre os quais romance, conto, novela e também obras de divulgação científica. Mencionaria “Diário de um médico louco” (romance 2012) e “Experiência de Quase Morte” (2022), entre outros.

“Minha cara impune” tem como enredo um médico do serviço público atendendo legião de enfermos, mas que, durante as rápidas consultas, viaja mentalmente ao passado ou ao cotidiano descolorido. A imaginação silenciosa, bombardeada por pensamentos que se metamorfoseiam, máxime direcionados ao dia a dia que não o satisfaz, coloca em evidência os problemas de toda ordem existentes nos ambientes dos prontos-socorros públicos e vividos pelo médico personagem.

O plantonista sem esperanças atende pacientes portadores dos mais variados males e, sem qualquer emoção, receita medicamentos ou os encaminha para um outro setor. Sente-se o enfado da rotina desde o despertar, o trajeto de moto e o plantão costumeiro. Não poucas vezes se questiona “para fugir à rotina dos hospitais, aos abcessos, às furunculoses, aos corrimentos, aos boduns dos ambulatórios, para quê?” ou então “no maldito plantão de amanhã”. Não há o prazer da ação como médico, mas o amargor constante. O personagem está a viver duas situações claras, a realidade diante dos fatos, seja na prática médica, seja na memória imperiosa que o fustiga sem tréguas, à maneira de uma erupção, sempre que a fala de um paciente ou a constatação de uma doença qualquer faz jorrar o magma imaginário. Edson Amâncio, nessa perene dualidade, interrompendo a realidade do ato médico presente para evocar reminiscências de toda ordem, apresenta o personagem em constante conflito. O leitor se acostuma com esse jogo.

A rotina do plantonista é sempre revisitada. Um exemplo bem exemplifica algo que ocorre diariamente em situações análogas reais: “Quando entrou, ‘Senhor doutor, vim tirar a pressão’, ele não sabia que eu estava lá há mais de dez horas naquele cubículo, sob as lerdas pás de um ventilador envolto em poeira e teias de aranha, rangendo e expulsando uma coluna de ar infectado, no pequeno espaço onde eu me comprimia, atrás de uma mesa fórmica, segurando uma caneta”. E tem significado o solilóquio do médico de plantão diante do paciente: “Minha cara impune, igual àquela hora, ou depois de um porre salomônico que endireita o pensamento e me prepara para o dia seguinte e os outros plantões que ainda terei de enfrentar pela vida afora, a mesma cara letárgica, suarenta, de barba amanhecida, dos incontáveis plantões, dos inumeráveis simulacros cotidianos, iludia-o com eficiência de mascate tantas vezes praticada na solidão dos consultórios, não o deixando adivinhar o desprazer controlado daquele momento”. E mais, “Pego uma toalha manchada, displicentemente abandonada sobre a pia, abano-a no ar tentando diluir o bodum que restou da mistura de odores humanos e fumaça de cigarros acumulada no ar”. Em capítulo outro: “É raro, raríssimo, me procurarem no plantão pelo nome. Aqui não se diz o nome aos pacientes. A assinatura é ilegível. São essas as artimanhas que nos livram precariamente, é bem verdade, de termos os nomes estampados nas páginas policiais ou nas manchetes da imprensa marrom: ‘Médico demora duas horas para atender criancinha morta na fila!’ Engulo o café e autorizo Bernarda a trazer quem me procura”.

Relatos hodiernos, publicados pelos tantos meios de comunicação, exemplificam a carência do atendimento nos prontos-socorros públicos, quando, tantas vezes, consultas e cirurgias são fixadas em longuíssima data, sendo que o mal sem tréguas jamais aguarda agendamentos distantes.

Na realidade há uma gama ampla de profissionais da saúde no serviço público, de ótimos e dedicados aos que entendem os plantões como horários de tédio. Há cerca de duas décadas uma prestadora de serviços domésticos me afirmou que o seu maior desalento, quando em consulta nos prontos-socorros oficiais, era a longa espera e o atendimento rapidíssimo, tantas vezes sem que o médico de plantão sequer olhasse para o seu rosto. Em todas as profissões há os vocacionados e, para tantos desses, o trabalho ao qual se dedicam é uma dádiva. São os que amam a profissão e corroboram as opiniões positivas, a contrapor o tão criticado serviço médico público. Sob outra égide, quantos não são aqueles que entram no curso superior em determinada área do conhecimento e após meses, ou mesmo bem mais do que esse período, entendendo o não envolvimento em determinado curso, abandona-o para tentar um outro, encontrando-se. Essa mudança, que requer coragem, geralmente resultará em profissionais certos das escolhas feitas. Àqueles sem o apelo vocacional, a profissão será apenas o mal necessário. Legião se esquece do juramento de Hipócrates. Outros seguirão, como vocacionados, os preceitos do lendário médico grego.

“Minha cara impune” não apenas configura a realidade existente nos prontos-socorros públicos e suas instalações tantas vezes precárias, como o desprazer de tantos profissionais voltados ao atendimento de multidão de pacientes em consultas rápidas, sem qualquer interação médico-paciente. Rotina, simplesmente. Pouco provável que, submetidos a esse labor, um profissional da área não realize seus voos mentais. Rotina, má remuneração, atenção constante quanto aos diagnósticos, impessoalidade “Aqui não se diz o nome do médico. A assinatura é ilegível”, palavras que dimensionam o livro de Edson Amâncio, que não deixa de ter um componente essencial, a denúncia.

In his novel ‘Minha face impune’, the renowned neurosurgeon and writer Edson Amâncio introduces a character who, as a doctor, works dejectedly in the emergency room of a public hospital. During his quick and endless consultations, his mind travels through his imagination.