Navegando Posts em Literatura

Os 51 Exercícios para Piano de Johannes Brahms

Apele para a inteligência e a razão dos alunos,
conduza seus trabalhos mais com a mente do que com os dedos,
ensine-os a pensar e a se concentrar mais.
Os alunos devem entender claramente
que o importante não é a quantidade de horas
e sim a qualidade do trabalho.
O trabalho puramente mecânico, sem pensamento, é inútil.

Georges Amédée Saint-Clair Mathias (1826-1910)
Recordação de ensinamento recebido de seu mestre Frédéric Chopin

Desde 2007 foram inúmeros os posts em que abordei a problemática pianística, tanto no aspecto da interpretação como no do ensinamento. A transmissão de conhecimentos adquire tipicidade, pois durante os anos de aprendizado as aulas têm um cunho individual, mormente no Ocidente. Incontáveis são os processos de ensino, e contam-se às centenas os métodos publicados desde o período barroco, visando à edificação inicialmente de um cravista e, na sequência histórica, de um pianista. Se considerada for a essência desses métodos, quase todos seguem o desenrolar da história e, geralmente, há quase que parte de um déjà vu. Todavia, se talento houver por parte do autor, alguns processos novos quando aceitos pela comunidade, mercê dos resultados, serão incorporados aos métodos que constantemente enriquecem a bibliografia específica.

Verifica-se que a imensa maioria dos professores de piano no Ocidente dedica-se unicamente às aulas individuais. Se à prática do ensino somar-se aquela da interpretação, essas lições podem ter a configuração coletiva, as famosas master classes, quando o pianista-professor busca exemplificar in loco as intenções que estão a ser transmitidas.

Em termos de Brasil, a nossa literatura voltada à solução dos problemas em suas imensas gradações é pequena, tanto a direcionada ao técnico-pianístico como a literário-analítica, se comparada  com a de alguns países europeus, da Rússia, Japão e Estados Unidos. Apesar de basicamente partirem de acúmulos de outras culturas, louvem-se determinados atributos novos encontráveis em algumas publicações pátrias.

O pianista Nahim Marun tem sólida formação pianística e desempenha com invulgar competência a sua atividade profissional. Teve dois mestres da maior expressão, que foram Izabel Mourão no Brasil e Grant Johannesen nos Estados Unidos, onde estudou durante vários anos. Os longos períodos, em etapas diferentes, sob a orientação de dois notáveis pianistas e professores propiciaram a Marun o embasamento competente. Realizou seu mestrado no The Mannes College of Music de Nova York, doutorado na Unicamp e pós-doutorado na Paris-Sorbonne. Como pianista, Marun tem significativa discografia premiada. Presentemente é professor nos cursos de graduação e pós-graduação na Unesp. Sob outra égide, Marun tem o raríssimo dom da curiosidade, não se restringindo ao ensino ou à atividade pianística meritória, mas a buscar os porquês da problemática técnico-pianística e suas implicações no desenvolvimento de um jovem que aspira a bem tocar. Foge pois de uma mentalidade, hélas, tão presente no Brasil, do professor que tem como meta a preparação de jovens “concurseiros”, o que, em certo aspecto, pode impedir a abertura das mentes desses aspirantes para voos mais altos quanto ao conhecimento musical abrangente e à apreensão humanística.

A técnica pianística tem sofrido inúmeras transformações, mormente a partir da segunda metade do século XX, e o professor atento tem de acompanhar e preparar-se para novas abordagens. Mesmo se a apreensão repertorial fixá-la em períodos históricos delimitados, entender a evolução do técnico-pianístico a partir da tradição torna-se imperativo.

Pois teria sido essa uma das razões de Nahim Marun ter escrito o substancioso livro “Técnica avançada para pianistas – Conceitos e relações técnico-musicais nos 51 Exercícios para piano de Johannes Brahms” (São Paulo, Unesp, 2010). Segundo relatos, Brahms foi bom pianista e percorreu um repertório dos mais fascinantes, que abrangia obras importantes de Bach, Beethoven, Schubert e Schumann, assim como quase toda o sua vasta e complexa produção pianística solo, camerística ou mesmo os dois concertos para piano e orquestra de sua lavra. Essa frequência ao grande repertório publicamente apresentado seria prova inequívoca da competência pianística de Brahms. Todo esse longo caminho a desvelar para o leitor brasileiro o compositor-pianista foi traçado com profunda acuidade por Marun. Menciona comentários da época, que nos fazem captar a familiaridade voluntária do compositor com o piano e a preocupação em legar aos pósteros Exercícios que pudessem servir ao aperfeiçoamento dos pianistas.

Estou a me lembrar de ter conversado com nosso grande compositor Francisco Mignone (1897-1986) sobre os 51 Exercícios de Brahms, logo após o mestre brasileiro, informalmente, ter exemplificado com a mais absoluta destreza, em visita que fizera a nossa casa, determinados exercícios por ele criados que “enroscariam” os dedos de pianistas experientes. Realizava-os em todas as tonalidades e em andamentos bem rápidos, a manter a mesma dedilhação. Disse-me que os “seus” preparavam os dedos para as suas composições, assim como os de Brahms para as dele. O compositor alemão, aliás, igualmente propunha a transposição de seus Exercícios. Nesse item preciso, Marun pormenoriza com atenção a criação desses exercícios e sua aplicação em tantas obras de Johanes Brahms. Os pianistas sabem que há particularidades transparentes na escrita do compositor tedesco. Dir-se-ia que suas obras sinfônicas podem perfeitamente se adaptar ao piano e vice-versa. Brahms edifica um idiomático técnico-pianístico tipificado, onde não falta a presença de sólida densidade estrutural. Quantas não são suas obras que apresentam massa de acordes na configuração vertical ou fluidos, ou a insistência – verdadeira impressão digital – da relação de três figuras contra duas ou, ainda, construções técnico-pianísticas complexas? René Leibowitz não observaria (L’évolution de la musique, Paris, Corrêa, 1951) que, se houvesse a hipotética “fusão” Schumann-Brahms, teríamos o compositor romântico por excelência, pois a fluência natural e a espontaneidade melódica de Schumann se ajustariam a toda a estrutura de sólida confecção proposta por Brahms?

Nahim Marun pormenoriza, embasado documentalmente, as origens dos 51 Exercícios até a publicação em 1893 e a feitura de outros 30 adicionais, posicionando-os ao longo da trajetória. Tabelas  expostas dão a exata orientação ao leitor do histórico de exercícios e estudos ao longo dos séculos, das várias escolas que focalizavam o técnico-pianístico como um todo, assim como a aplicação dos 51 Exercícios na avaliação de Brahms, Pozzoli e Isidor Philipp. É excelente o capítulo 4, “Os 51 Exercícios de Brahms”, em que Marun detalha cada exercício e a sua utilização prática em obras do compositor. Posteriormente encaminha o leitor à destinação de cada um e como realizá-lo.

Farta iconografia, a esclarecer posições corporais e das mãos sobre o teclado, leva o leitor estudante ou pianista à compreensão da importante obra. A visualização dos procedimentos impediria o entendimento equivocado.

Em Le Piano de Marguerite Long (Paris, Salabert, 1959), método, a meu ver, que conseguiu realizar a mais completa síntese dos modelos tradicionais técnico-pianísticos em fórmulas concentradas, a lendária pianista e professora foi buscar exemplos significativos de exercícios através da história. Clementi, Bériot, Hanon, Tausig têm configurações básicas inseridas no método. Os exercícios 8a e 8b dos 51 Exercícios estão presentes na obra, em subcapítulo dedicado aos arpejos, sob o título Exercice d’après Brahms.

Considero o livro de Nahim Marun obra indispensável para a biblioteca de estudantes e pianistas. O entendimento dos 51 Exercícios não apenas  fornece elementos fulcrais à preparação e feitura de tantos procedimentos de Johannes Brahms, como aplica-se à técnica pianística como um todo, dos compositores precedentes aos pósteros que tiveram como material formulações tradicionais, corroborando pois a formação do pianista.

An appreciation of the book “Técnica Avançada para Pianistas” (Advanced Piano Practice Technique), written by the pianist and teacher Nahim Marun, in which he addresses Brahms’ 51 Exercises for Piano. Thanks to Marun’s solid professional background and rare competence, the work allows not only the understanding of techniques related to Brahms’ piano pieces, but also of a great many technical problems found in piano music as a whole. An indispensable reading for both students and teachers.

 

Síntese da Existência em Cartas Especiais

“Moi aussi, ce matin, j’ai taillé mes rosiers.”
Et peu importe, d’un tel message,
s’il chemine ou non des années durant,
s’il parvient ou non à tel ou tel.
Là n’est point l’objet du message.
Pour rejoindre mes jardiniers

j’ai simplement salué leur dieu,
lequel est rosier au lever du jour.
Antoine de Saint-Exupéry

Ideias nos inundam sem que as provoquemos. Basta olhar situação até rotineira para que, intuitivamente ou pelo acaso, associemos uma visão a outra imagem que,  como um flash, perpassa  nossa mente. Estava a digitar um texto quando, repentino, surge junto à janela a figura de Lourival, o bom jardineiro, que estava a podar a denominada “unha de gato”. Veio-me a mente a história de Saint-Exupéry, à maneira de uma parábola, sobre um jardineiro, motivo para as derradeiras conclusões do autor de Citadelle, obra que tem sido tema constante desde os posts de 2007.

Sempre morei em casa; portanto, durante quase toda a existência convivo com a presença periódica desse prestador de serviços indispensável.  No mesmo imóvel já estou desde 1965 e foram muitos os jardineiros que mensalmente frequentaram a casa para as podas e arranjos nos pequenos espaços. Basicamente o essencial permanece, mas a cada mês é uma nova muda que agrada à minha mulher, Regina, um cuidado especial com as plantas que crescem rápido, a fim de se ter a possibilidade do descanso do olhar e não a impressão de descaso ou abandono.

Duas árvores eu plantei: um jasmim-manga (1968) que floresce a partir de Outubro, a perfumar os espaços graças às belas flores amarelo-róseas e, ao fundo da casa, em outro pequeno espaço, a pitangueira, cuja muda recebi das mãos da excelsa pianista Antonieta Rudge em 1971. Esta árvore frutífera nos dá a sensação agradável de atravessar as quatro estações (vide Pitangueira Documentada – Eugenia Michelli, 28/09/07).

O jardineiro, independentemente do trato das acarinhadas orquídeas que se agarram aos troncos das duas árvores ou dos vasos que abrigam outras plantas, sabe podar no momento certo as duas representações botânicas maiores da casa. O jasmim-manga tem sua poda nesta altura do ano, período em que todas as folhas caíram, mas que serão úteis, após secas, para adubar o ciclo da renovação. Quanto à pitangueira, há sempre a necessidade da poda de galhos que sobem em linha retilínea de uma parte do tronco. Os jardineiros chamam-nos de “cavalo”, se bem que essa palavra esteja mais ligada a enxertos. O corte desses “cavalos” faz-se necessário para que a força da árvore não seja diminuída.

Os textos reunidos de Citadelle de Saint-Exupéry, que constituiriam uma das obras primas da literatura francesa do século XX, consagram a missão do jardineiro em sua função simples, mas transcendental, como um dos eixos paradigmáticos do livro. Aquele jardineiro idoso, que estava a regar uma muda de carvalho, indagado pelo senhor do império imaginário, responsável pela vida e morte de seus súditos, responde que aguava a planta para que as gerações futuras pudessem usufruir da sombra e da imponência da árvore. Já ao final de Citadelle, Saint-Exupéry retoma o tema, a apontar a figura do jardineiro como personagem derradeiro das longas reflexões a respeito das condições do homem até seu destino final. A esperança da renovação da vida e do interior do homem.

Veio-me, pois, a última das narrativas a preceder as considerações que finalizam Citadelle, de dois velhos amigos jardineiros que, trabalho terminado, tomavam chá, participavam das mesmas festas e pouco se falavam durante o passeio antes do cair da noite. Apontavam  para as plantas,  flores,  árvores e o céu. Poucas confidências ou troca de informações,  pois o essencial se resumia no prazer de assistirem ao maravilhamento dos jardins bem cuidados. Contudo, um deles, ao aceitar o convite de comerciante, partiu para o desconhecido. Atravessou desertos, oceanos, presenciou guerras, sobreviveu a tempestades, naufrágios e durante anos, de jardim em jardim, foi aos confins do mundo, como um tonel no mar, segundo o autor. Em “O Pequeno Príncipe”, a flor do deserto já não teria dito ao personagem central que o vento faz os homens caminharem e que a eles faltam as raízes, pois estas os provocam?  Pois um dia, o jardineiro que permaneceu estático, “velhice do silêncio”, na imagem de Exupéry, recebe carta do antigo companheiro na função. Pede ao senhor do império para que a leia. Na carta, apenas “Esta manhã eu podei minhas roseiras…” e toda a essência da existência lá estava encerrada.

O jardineiro, após a frase a tudo revelar, durante três anos se informaria sobre geografia, oceanos, guerras entre impérios, tempestades. O senhor berbère, narrador dos textos reunidos de Citadelle, certo dia convoca o jardineiro, dizendo-lhe que estaria a enviar um embaixador para o outro lado do mundo e que o idoso responsável pelos jardins poderia escrever  carta ao amigo distante. Dias para que o cuidadoso homem das plantas rascunhasse, a deixar os jardins entregues às pragas. Prontos os garranchos, entrega-os ao senhor e, à la manière de uma prece, apenas “Esta manhã, eu também podei minhas roseiras…”, e o senhor do império,  na excelsa pena de Saint-Exupéry refletiria: “E eu me calei, após ler a mensagem, a meditar sobre o essencial que se me vislumbrava mais claramente, pois os dois amigos distantes te celebravam, Senhor, juntando-se a Vós, acima das roseiras, sem vos conhecer”.

Citadelle expõe pungentes contatos humanos em forma de parábolas. A recorrência ao jardim, plantas, árvores e flores estaria a indicar a renovação que deveria sempre ser o desiderato  rumo ao aperfeiçoamento. A enciclopédia moral encerrada no livro  poderia parecer ingênua nesta atualidade que soube voluntariamente esquecer os princípios essenciais da existência.  Àqueles que leram a obra, a releitura sempre trará o olhar mais aprofundado. Aos que não a conhecem, a possibilidade de reflexões expressivas sobre o destino do homem, de seu caminhar pelas terras na busca hipotética de um dia ter consciência dos valores da humanidade.

The presence of a gardener pruning the plants in my house reminded me of a passage of Saint-Exupéry’s The Wisdom of the Sands, in which two gardeners, with their daily work, offer something of themselves to the world, thus giving a meaning to their lives. The very essence of existence is contained in their words “this morning I pruned my roses”.

Quando o Flash Leva à Reflexão

Só veneramos uma justiça que eleve o homem
e seja a condensação de interesse benévolo
que os outros homens têm por ele;
só é justa a lei que lhe dá a possibilidade
de se tornar melhor.

Eu não voto por rótulos. (…)
Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada.
Eu quero saber das ideias que as pessoas têm
e da maneira como depois as vão defender e praticar.
Agostinho da Silva

Está-se acostumado a entender a história do planeta em eras que pouco dizem ao leigo, pois tão imemoriais que tornam difícil qualquer cálculo aproximativo. Mas o homem adora a numérica abstrata, essa que sabemos existir, sem contudo ter qualquer noção da dimensão do tempo. Milhões de anos da história do planeta, suas etapas, cisões dos continentes, enrugamento da cordilheira himalaia explicadas e aceitas, pois cá vivemos a acreditar que as cicatrizes rochosas em camadas definidas contam ou sugerem hipóteses as mais variadas. Difícil a década em que tal teoria não é desmentida e a divulgada e “assimilada” passa a ser endeusada. É a história do homem na tentativa de compreender mistérios e a causar confusão na mente do leigo. Mas a ciência tem de continuar e a nós cabe dar crédito aos cientistas.

Foi com curiosidade, seguida de reflexão que li na Revista Nanico– Homeopatia Literária -,(número 22),  editada pelo dileto amigo Cláudio Giordano, intrigante texto poético de Ruy Proença, paulista e autor de vários livros de poesia. Giordano reuniu no Nanico poemas históricos até aos nossos dias. Não há uma preocupação temática, apenas o prazer de levar ao leitor o pluralismo literário.

Chamou-me a atenção o encurtamento até bíblico da biografia da terra, que teria apenas meio século na nova dimensão do tempo. Didaticamente, o poeta leva o leitor a um impasse final. Ruy Proença consentiu que seu poema fosse colocado por inteiro. Ei-lo:   

Anotações para uma biografia da Terra

A Terra tem 46 anos.
Até os 7 anos de idade
dela nada se sabe.
Até os 42
sabe-se muito pouco.
Os dinossauros só apareceram
quando a Terra já tinha
45 anos completos.
Os mamíferos entraram em cena
nos últimos 8 meses.
Exatamente
na metade da última semana
alguns macacos
parecidos com o homem
evoluíram para um homem
parecido com o macaco.
Três dias antes de completar 46 anos
a Terra sofreu
a última glaciação completa.
O homem moderno surgiu
nas últimas 4 horas.
Há apenas 1 hora
descobriu a agricultura
e se fixou à terra
como sedentário.
A revolução industrial
ocorreu no último minuto.
Nos 60 segundos seguintes
o homem conseguiu
transformar um paraíso
num lixo.

Nessa prosa poética, Ruy Proença consegue a sintetização do tempo ao propor  a sua  compressão extrema a levar à total deterioração da Terra do homem, mercê de sua ação destrutiva. Aceitamos passivamente o lixo. Apenas vozes esparsas, que clamam sabendo que não há a comunhão do povo para atemorizar os ímpios.

Fixemo-nos em nosso país. Walter Benjamin (1892-1940), filósofo e sociólogo judeu-alemão, escreveu que aquilo que acontece próximo de nós causa-nos maior impressão do que uma catástrofe alhures. O lixo a que se refere Ruy Proença pode ter infindas interpretações, todas voltadas… ao lixo. Tema contaminante. Detritos de toda ordem espalhados por rios, mares e solo, impunidade, insegurança, educação super sucateada, saúde aos frangalhos, saneamento básico como vergonhosa chaga  e, a imperar, soberana, a corrupção, que tem a ampará-la, sem julgamento possível em nossas terras tropicais, a mentira.

Os salários de nossos “Poderes” não são aviltantes – pois acumulados com benefícios extras e mordomias – se comparados aos dos países mais desenvolvidos? A mídia alardeia: como pode um policial ou bombeiro receber menos de R$ 1.000 e com a vida sempre em risco, se opiparamente o poder legislativo se auto valorizou ao aumentar em mais de 60% seus salários no início deste ano? E o efeito cascata que dele adveio? Não é um absurdo ético-moral? No extraordinário depoimento, aos 17 de Maio, a jovem professora Amanda Gurgel, explanaria na “Audiência Pública sobre o cenário atual da Educação no Rio Grande do Norte” temas cruciais da Educação no Brasil, destacando com ênfase os três dígitos de seu salário, 9-3-0, a dizer de uma responsabilidade que o Estado lhe impõe, sobrando-lhe a prerrogativa de, com um quadro negro e um giz, ter de salvar a nação (vide YouTube). Rubor dos políticos? Não.  

Lixo denunciado por Proença, apelo que não será ouvido, pois nem os poderosos do setor público, tampouco os que estão fora do governo, em mescla total com aqueles, mercê do lobby – essa chaga tão devastadora que infesta os corredores brasilienses e outros mais espalhados nos Poderes do país – ouvem  clamores do povo pacífico. Esse cidadão do bem sabe que invariavelmente, sem quaisquer exceções, aquele a quem lhe são imputadas a suspeita e até provas concretas, dirá não, nada aconteceu, sou vestal.

O cidadão comum assiste pasmo aos noticiários da televisão e, inconformado, vê corredores de hospitais públicos repletos de macas com doentes sem o mínimo atendimento, tantos deles morrendo. Governantes perderam o mínimo de dignidade ao não querer olhar a triste realidade do povo. Qual o habitante das cidades médias e grandes que ousa sair à noite, após determinada hora, para um passeio solitário pelas ruas? Para quem vê anualmente, em Bruxelas ou Gent, meninas voltarem das escolas em bicicletas após às 23h sem preocupações, chega a ser constrangedor, senão humilhante, qualquer comparação. O lixo do extermínio, pois para 137 assassinatos diários no Brasil, 6 ou 7 acontecem anualmente na Bélgica, número considerado abominável para os belgas, em uma população com pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Portanto, prezado talentoso poeta Ruy Proença, seu texto está a traduzir, nesse final inesperado, não apenas o lixo, mas a tragédia que ele encerra. Aos seus 60 segundos poderão se somar outros mais. E após? Haveria esperanças? Esperemos que um dia algo extraordinário possa acontecer, certamente não com a maioria de nossos governantes e dirigentes. Talvez, talvez…

The idea for this post came after reading a poem by Ruy Proença, a Brazilian poet, in a booklet of poems published by my friend and editor Cláudio Giordano. The author writes a high-speed biography of Earth, from its beginning to the dawn of modern men only in the last 60”, followed by the consequent metamorphosis of paradise into an island of garbage.