João Gouveia Monteiro

Não nego que os nossos jovens não leiam mais.
Por exemplo, é seguro que lêem muito mais periódicos.
E também lêem muito mais em suporte informático.
O que eu digo é que eles, em média, lêem pior,
que há uma infantilização da leitura.
E a prova é que a sua capacidade de expressão por escrito
se está a degradar fortemente.
Pelo menos entre os jovens que frequentam a Faculdade de Letras,
disso não tenho a menor dúvida.
E se é assim em Letras…
João Gouveia Monteiro

Ao longo da existência deste espaço tenho-me referido, não poucas vezes, à aptidão de quem escreve sobre determinada área. Mais me causa admiração quando um autor competente penetra no campo da síntese. Delicia-me verificar verdadeiras viagens ao miniaturismo de certos temas. Abordei recentemente o magnífico estudo de síntese de José Maria Pedrosa Cardoso ao traçar, com ímpar competência, uma História Breve da Música Ocidental (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010). Faço-o novamente não sem razões. A leitura das Crônicas de João Gouveia Monteiro, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde leciona sobretudo história europeia da Idade Média e história militar antiga e medieval, leva-me à certeza de que o espírito de síntese quando natural, sem empáfia, faz com que todos possam compreender conteúdos aparentemente intransponíveis para o leigo (Crônicas de História, Cultura e Cidadania, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011).

O notável medievalista aceitou escrever quinzenalmente, durante cerca de dois anos, pequenas crônicas para o “Diário de Coimbra”. Reunidas em livro, tem-se três categorias de textos, que se concentram nas Viagens pela História, O Olhar da Cultura e Coimbra e Cidadania. A dimensão de cada texto estaria a obedecer estritamente aos espaços do jornal, duas páginas ou pouco mais na formatação em livro. E é nessa permanência da mensagem a ser transmitida por inteiro que reside a magia de Crônicas de História, Cultura e Cidadania.

Percebe-se, nas três categorias de textos, a preocupação de João Gouveia Monteiro em não deixar dúvidas quanto às suas intenções. Quando na primeira parte, Viagens pela História, dá-nos em poucas palavras verdadeiras aulas, mormente do período medieval, e rememora em datas históricas feitos militares, tratados que marcaram, uniões matrimoniais movidas por nítidos interesses, fatos heroicos. Não apenas transparece a competência inequívoca do autor, como está-se diante da História real, sem tergiversações. Seria lógico supor que tais condensações, destinadas a um público leigo, pudessem conter uma visão exegética excessiva, o que daria ao texto a certeza da informação, mas o desestímulo ao leitor ávido por notícias do cotidiano. É exatamente nesse pormenor que reside a magia do texto de João Gouveia Monteiro. O autor dá a mão ao leitor, caminha com ele, brevemente, pelo fato histórico e interpreta-o como se estivesse presente aos atos que construíram o desenrolar desse pulsar, que sempre esteve a nos conduzir.

Abre a sequência dos episódios das narrativas, Viagens pela História, com crônica que não deixa dúvidas sobre o que vai ser desenrolado: “Varo: devolve as minhas legiões!”, e o acontecimento histórico evocado, traz-nos “ao vivo” Públio Quintílio Varo, legado provincial da Germânia e antigo governador da Síria, que foi protagonista de uma das maiores humilhações do exército de Roma, quando o Império perderia três legiões, delas constando aproximadamente 15.000 homens. Deu-se a batalha a noroeste da Alemanha, próximo da Holanda. Grande tragédia no século 9 da era cristã e que levaria o Imperador Augusto a dizer, enfurecido em pleno delírio: “Quintilo Varo, devolve as minhas legiões”.

De agradabilíssima leitura os textos sobre episódios passados em Portugal e alhures na Idade Média. Detém-se em Fernão Lopes com admiração, a evidenciar as qualidades desse que foi o grande cronista da nobreza portuguesa no século XV. Denomina-o, inclusive, “cronista do povo”. Essa participação descontraída diante da História se faz sentir em tantos títulos das crônicas: “Nós iremos a Jerusalém…”, história que se passa no Egito e na Tunísia no século XIII; “O Infante D. Henrique faz anos!”; “A India com que o Gama não contava!”; “A boda que deu em revolução”, referindo-se à celebração matrimonial de D. Beatriz (filha única de D. Fernando e D. Leonor Teles) com D. Juan (rei de Castela). Feitos pela Europa são revisitados pelo autor que, nessas pílulas literárias, transmite-os ao leitor, mormente quando efeméride está a aguçar a sua memória.

No segmento a abordar “O Olhar da Cultura”, torna-se evidente o fascínio de Gouveia Monteiro pelos livros. Cerca de metade dos textos os tem como fulcro central. Insiste no tema, assistindo com certo estupor à diminuição, entre os jovens, dessa frequência indispensável ao livro: “Ter o livro como um companheiro insubstituível e que não se troca por (quase) nada”. Teme pelo futuro, pois sente o resultado através da escrita pobre dos estudantes. Em “O lugar do estudo na vida universitária” apresenta um certo ceticismo quanto ao estado atual ao qual a docência está a ser conduzida “… os investigadores são agora massacrados com pequenas tarefas burocráticas (questionários, relatórios, reuniões, formulários, fichas, etc.) em que despendem um tempo precioso. O resultado destes dois factores é inevitável: estudam muito menos e a escola a que pertencem caminha a passos largos para se tornar uma espécie de liceu superior”.

Em “Coimbra e Cidadania”, terceiro segmento do livro, Gouveia Monteiro revela seu amor inquestionável pela cidade, a apontar sua destinação cultural, problemas existentes nos espaços públicos; história: “Pedro e Inês: frias memórias de Janeiro”, ao se referir ao trágico romance entre Inês de Castro e D.Pedro I em pleno século XIV, e à valoração que se faz necessária da figura de El-Rei, ainda não devidamente realizada.

Quando criei meu blog, fi-lo a pensar em fugir de meus textos acadêmicos em determinados momentos. Mas, acima de tudo, senti-me livre das por vezes enfadonhas notas de rodapé e das avaliações, nem sempre confiáveis, de colegas com as mais variadas intenções. Hoje aposentado, se frequento o texto acadêmico após aprofundamentos, faço-o liberto de entraves burocráticos. Folga-me verificar nessas crônicas do ilustre medievalista João Gouveia Monteiro, a liberdade que não apaga a competência. Deliciosa a incursão do autor no cinema “histórico”. Ei-lo a comentar “Robin Hood: a história por trás da lenda” de Ridley Scott, tendo Russell Crowe como ator principal, assim como “Bannockburn: uma batalha a lembrar Mel Gibson”. Essa aparente fuga da exegese apenas dimensiona o lado humano e polifacetado de Gouveia Monteiro.

Deixei para o fim  temas relacionados ao Natal, trazendo-nos o espírito de confraternização. Em duas crônicas a efeméride aflora. Na primeira, “O Natal de 800 e a magia da História”, a lembrar que no dia 25 de Dezembro de 800 Carlos Magno era aclamado: “Naquele dia santíssimo da Natividade do Senhor, quando o rei se ergueu depois de orar na missa em frente ao túmulo do bem-aventurado Pedro apóstolo, o papa Leão colocou-lhe uma coroa na cabeça e todo o povo dos Romanos o aclamou: Vida e Vitória para Carlos Augusto, coroado por Deus grande e pacífico Imperador dos Romanos”, conforme consta nos Anais Laurissenses. Concretizava-se a aliança entre a Igreja Católica e a mais forte potência do Ocidente europeu. Em uma segunda, “Os Reis Magos e o incenso dos pagãos”, o autor se pormenoriza nas oferendas dos Três Reis Magos – Baltazar, Melchior e Gaspar – e na simbologia pagã dos presentes ofertados: ouro, mirra e incenso, explicando-as. João Gouveia Monteiro escreve: “Quanto às oferendas, se o ouro se compreende bem, por ser riqueza própria de um rei, já a exótica mirra (usada nos embalsamamentos) e, sobretudo, o incenso (uma resina que produz fumos odoríferos, provenientes de árvores da África e da Arábia), são mais intrigantes. É certo que o uso do incenso está bem atestado entre os Egípcios, os Fenícios, os Persas, os Hebreus, os Romanos e os Árabes, tendo a sua queima alastrado à China. O curioso é que só no séc. IV d.C. o incenso parece ter entrado nos hábitos dos cristãos. Até lá, ele era utilizado pelos ‘pagãos’ romanos, os ‘sacrificados’ e ‘incensados’ que, perseguidos, renunciavam a ser cristãos queimando incenso em honra dos imperadores e dos deuses do panteão romano”!

Crônicas de História, Cultura e Cidadania é obra a ser lida. Trará imenso prazer a quem tiver o exemplar, que pode ser adquirido diretamente de Coimbra: http://livrariadaimprensa.com .

Desejo a todos os meus generosos leitores um Natal pleno de alegria interior. Para os cristãos, que o significado da data penetre nos corações e nas mentes. Para os não cristãos, que a paz seja duradoura.

The post of this week is an appreciation of the book “Crónicas de História Cultura e Cidadania” (Chronicles of History, Culture and Citizenship), written by João Gouveia Monteiro, a medievalist who teaches Middle Age History and Ancient Military History at the University of Coimbra.