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A Lembrança dos Vinte Anos de sua Morte

No entanto, antolha-se-me que todos os escritos
são mais ou menos solidários numa preocupação:
a de conceber a música para o homem,
a de tornar este o centro da arte dos sons,
que não é apenas uma demonstração acústica,
não é apenas uma pura construção intelectual,
não é apenas um ofício e uma técnica,
mas sim também,
e acaso para além de tudo isso,
um alimento espiritual, uma presença e uma mensagem vivas.
Fernando Lopes-Graça
(Proémio de “Nossa Companheira Música”)
Lisboa, Março de 1964

Sabia da efeméride (27 de Novembro), pois impossível esquecer a carta de Dezembro de 1994 de meu saudoso amigo e também notável compositor, Jorge Peixinho (1940-1995), anunciando a morte de “nosso queridíssimo amigo Lopes-Graça”, segundo suas pungentes e sofridas palavras a mim enviadas. Meses após, seria Peixinho que sofreria ataque fulminante. Dupla tragédia para a Música em tão breve espaço de tempo!

Nesses últimos dias fui contatado por duas instituições portuguesas, a Rádio TSF (Rádio Notícias), através da jornalista Rita Costa, para entrevista sobre Lopes-Graça em torno das homenagens que estão sendo tributadas ao insigne compositor. No instante preciso fixado ligaram-me por telefone, e iniciei a longa entrevista que foi concedida à também jornalista Cristina Santos. Lembranças de meus encontros com o grande músico, assim como projetos realizados em torno de sua obra magistral foram objeto de comentários vários. Falar sobre Lopes-Graça sempre me agrada muito, pois independentemente do privilégio de tê-lo conhecido, o notável compositor português é um de meus eleitos há décadas. Desde 1959, nossos encontros se davam em seu Templo Sagrado, a Academia de Amadores de Música, espaço que continuo a frequentar desde sua morte, realizando anualmente recitais quando de viagens à Europa. A Associação Lopes-Graça, por sua vez, solicitou-me um breve relato sobre o homenageado para integrar um dos painéis que serão montados no Salão Nobre da Câmara de Matosinhos (inauguração da exposição, 20 de Dezembro) e no Museu da Música Portuguesa na Casa Verdades de Faria (2015).

Poderia acrescentar que toda a sua produção composicional ou literária me entusiasma. Foi um dos raríssimos que, dedicando-se à composição, regência coral, piano e magistério, legou-nos, paralelamente, um extraordinário acervo como arguto pensador. Se ideologicamente esteve ligado às esquerdas, o que lhe granjeou dissabores enormes durante sua trajetória em pleno salazarismo, foi um puro. Tinha convicções firmes, não buscando proveito próprio. A música era sua respiração, assim como a manifestação popular simples, autêntica o era, também sem quaisquer alardes que pudessem levar à autopromoção. O Coro da Academia de Amadores de Música, laboratório perfeito para o extravasamento de tantas aspirações…

Em Portugal, significativo levantamento tem sido feito, mormente nestes últimos lustros.  Inúmeras gravações realizadas em terras lusíadas são lançadas, a difundir mais acentuadamente obras ainda inéditas. Louve-se a dedicação de tantos intérpretes portugueses nessa tarefa exemplar. Livros e artigos estão constantemente a surgir, o que demonstra que, por parte dos que fazem música e que escrevem sobre ela, não há esmorecimento. Está a faltar a inserção definitiva além-fronteiras, sempre merecida, mas que tarda.

Lopes-Graça no Brasil. Apesar das ligações do mestre com músicos brasileiros como Arnaldo Estrela, Camargo Guarnieri, Guerra Peixe e outros, pouco ou quase nada se fez para sua divulgação no país. É simplesmente lamentável. O suceder dos decênios não apresenta sinais de que um dos maiores compositores do século XX, em termos mundiais, tenha obras apresentadas entre nós. Um dos tristes exemplos estaria no fato de que meus três CDs gravados e lançados na Bélgica e em Portugal, unicamente com obras de Lopes-Graça, não tiveram merecido sequer guarida no Brasil por parte da mídia em geral. Por puro desconhecimento do compositor!!! Bater-se contra a mesmice que impera nos repertórios apresentados no Brasil, mormente referentes ao piano, é cansativo e infrutífero. Portugal “inexiste” para as “desinformadas” sociedades de concerto brasileiras. Acreditam que ter nascido em Portugal, mas a visitar repertório outro, repetitivo, frise-se, já basta, desde que o personagem venha avalizado por Sociedades de Concerto do Exterior. Sociedades, empresários e intérpretes, que se repetem para a sobrevivência através do número de sócios, lucro e presença nos palcos, respectivamente, não estariam propensos às mudanças de repertório em nossas salas de concerto. Raríssimas vezes, de maneira isolada e até nostálgica, um compositor português é lembrado em nosso país. Triste realidade. Sob outra égide, a Universidade no Brasil basicamente ignora a música portuguesa erudita ou clássica. É fato. Ter-se-ia de mudar mentalidades.

Apresento o pequeno texto que enviei para um dos painéis mencionados em homenagem ao grande músico tomarense:

Fernando Lopes-Graça, Nome Maior da Música Portuguesa

Rendo eterno tributo a Lopes-Graça, mercê de convite para meu primeiro recital em Lisboa, no dia 14 de Julho de 1959 na Academia de Amadores de Música. Nas décadas posteriores, sempre que visitava Portugal para recitais, encontrava-me com o Mestre em seu Templo, a AAM. Empatias existem ou não. O fascínio pela obra de Lopes-Graça vem da juventude e teve curva sempre ascendente. Admirava sua postura firme, inquebrantável quando convicção ideológica ou música estavam em causa. A incorruptibilidade do pensar do Músico de Tomar tornou-se lendária.

Foram as muitas fotocópias de manuscritos, sempre acompanhadas de estimuladoras dedicatórias recebidas das mãos do compositor, que me fizeram percorrer suas partituras, buscar sorvê-las em suas essencialidades e, posteriormente, gravá-las em três CDs  lançados pela Portugaler e pela PortugalSom-Numérica, a maioria das obras em registro inédito. Os livros que por ele me foram ofertados, guardo-os como bens preciosos, consultando-os com assiduidade. As constantes viagens às terras lusíadas fizeram-me completar o corpus literário do compositor.

Acredito firmemente que em breve Lopes-Graça será reconhecido com justo mérito, em termos universais, como um dos maiores mestres do século XX. Já o é, sempre o foi, falta-lhe a divulgação incisiva além-fronteiras. Sua produção enorme e criteriosa, a abordar inúmeros gêneros musicais, seu estilo definido, pois somente os grandes deixam “impressões digitais” sobre a partitura, levarão seu nome aos quatro ventos. Esforços estão sendo feitos em Portugal através de gravações, edições de partituras e consistentes estudos críticos sobre a opera omnia do compositor. Intérpretes portugueses estão a repertoriá-lo sonoramente em terras lusíadas e esse é um aspecto dignificante. Contudo, “navegar é preciso…”. Há a necessidade de o Estado fazer sua parte de maneira a não deixar dúvidas quanto às intenções. Lopes-Graça é joia rara, assim como, num paralelo, Villa-Lobos o é. Representam para Portugal e Brasil, respectivamente, seus nomes maiores.

Clique para ouvir de Fernando Lopes-Graça:

Das “Viagens na Minha Terra”:  “Em Alcobaça dançando um velho fandango”  (piano: J.E.M., selo Portugaler)

Das “Músicas Fúnebres”: “Deploração na morte de Samora Machel” (piano: J.E.M., selo PortugalSom/Numérica)

On the 20th anniversary of Lopes-Graça’s death, Portugal pays respect to the great composer with a series of events. I have been contacted by two Portuguese organizations: TSF Radio for an interview and Associação Lopes-Graça for a brief account of my relationship with him for posters that will be on display at the City Hall of Matosinhos and at the Portuguese Music Museum. I can’t help thinking how shameful it is for us, Brazilians, to ignore the works of this outstanding artist, a rare jewel that deserves to be put on a level with the greatest names of the 20th century.

 

 

 

O Olhar de Lince e a Escrita Inteligente

Pouco nos importa o modo de expressão
que colocou em movimento a sensibilidade de um artista.
O que desejamos em troca de nossa  “incuriosidade”  respeitosa
sobre  processo emotivo
é que ele não introduza maneiras estranhas
nos modos de expressão que lhe são peculiares.
Georges Migot

Inúmeros foram os posts nos quais inseri considerações do dileto amigo e ilustre compositor e pensador francês François Servenière. A temática gravita preferencialmente em torno da Música, mas tantas vezes, devido ao direcionamento dos posts, Servenière demonstra todo seu vastíssimo acervo cultural que o torna um pensador de estirpe.

Os dois posts a respeito de “Domador de Sonhos”, de Norberto de Moraes Alves, serviram para Servenière considerá-los sob várias facetas, a partir do “sonho” como desiderato almejado. Ao considerar frase de Norberto de que não deveríamos deixar que nossos sonhos se percam no mundo das ilusões, o mestre francês observa:

“Inicialmente, o título do livro de Norberto de Moraes Alves é magnífico, pois evoca o que todos nós somos e o percurso que empreendemos pela vida tão curta como ‘domadores de sonhos’. Deles partimos e tentamos domá-los, na medida de nossas possibilidades, trazendo-os à realidade, partindo do idealismo em direção ao realismo. Acredito que os sonhos mais loucos são realizáveis, pois, como diz meu sogro, com forte pronúncia regional, aposentado e carpinteiro de profissão, portanto muito próximo das coisas da vida, ‘quando se quer, faz-se’. Sim, a vontade é a verdadeira escavadeira da vida, que torna possível as pistas de decolagem de nossos sonhos mais absurdos. Você, eu, meu pai e meu sogro somos exemplos de ‘quando se quer, faz-se’ e estamos longe de ter esgotado essa exigência de sonhos a realizar. O que mais detesto nesse mundo é a procrastinação, tão presente nos políticos clientelistas de nossos países, principalmente nos dias de hoje, que não fazem outra coisa do que surfar sobre as mentiras, que não vivem que da ficção da vida a crédito, levando nossos países à ribanceira sob o pretexto de que a dívida será o único motor das economias modernas, quando na verdade é o principal câncer. Quanto à política e seu cinismo… eu ainda sonho combatê-los, talvez contra moinhos de vento…

A sinceridade raramente casa com a popularidade e com os negócios. Para a composição, a equação do establishment é aquela de juntar-se com as aspirações do público, ou seja, de partir dos anseios deste para a criação de uma obra. A equação do autor autêntico, do artista autêntico, é partir de sua interioridade para o nascimento de uma obra que possa evidentemente encontrar sucesso e se instalar no coração e no espírito das pessoas. A prova evidente do fato das maiores obras da humanidade tornarem-se atemporais reside não somente nesse falar direto aos corações e aos espíritos do público, não fazendo abstração da exigência. Ao acoplar-nos ao desejo do povo, tornamo-nos populistas. Ao aderirmos ao excesso do princípio da exigência, tornamo-nos, inversamente, ideólogos e incomunicáveis. A melhor fórmula já não teria sido aventada pela filosofia chinesa em sua imanente verdade ‘O espírito busca sempre caminho mais longo que o coração, contudo jamais ele irá tão longe’.

Sim, eu entendo, os apóstolos da arte contemporânea pretendem que falar com o coração é vulgar e faz parir romances vendidos nas estações ferroviárias, portanto pateticamente fracos, temática e semanticamente, segundo o princípio por eles entendido como universal ‘Não se faz arte com bons sentimentos’. Norberto de Moraes Alves pretende que ‘não deixemos nossos sonhos perderem-se no mundo das ilusões’.

Sob a égide dessa frase, e para resistir ao Maelström que representa a constatação de um de seus últimos posts, ‘a arte foi invadida pela massificação, que não subsiste que através do efêmero’; é necessário criar e escrever obra que se sustente. Essa perenidade não acontece evitando-se as tentações da sedução, escrevendo-se uma música antimusical ou antissedução, mas criando, ao contrário, uma música tão ou mais sedutora do que aquela que por vezes é encontrada no estilo efêmero e no turbilhão do alto consumo. Que fique claro, essa música sedutora e envolvente tem de possuir qualidades intrínsecas de elevada condição estrutural e semântica, repleta de prazeres e de surpresas e embasada na técnica segura. Todo o material da música atual está disponível, instrumentalmente ou sob o prisma composicional. Construir uma obra que seduza, feita sob a égide hedonista, mas a responder a critérios de qualidade extrema, tornou-se exigência para o futuro da arte renovada, em todos os seus domínios. Isso é possível, pois ‘há ainda muitas obras primas a serem escritas em dó maior’. Nossos antepassados em França, Debussy, Ravel e mais recentemente  Messiaen e Dutilleux, fizeram essa façanha, como em todos os centros. Villa-Lobos, Guarnieri, Mignone e Oswald em seu país, Lopes-Graça em Portugal, assim como tantos nos países do Leste e nos Estados Unidos… Nada é impossível, tudo se pode, em todo lugar e sempre. Nada resiste ao trabalho e ao espírito.

É evidente o aspecto empresarial em torno das obras atuais mais ventiladas. Seria necessário o pouco provável retorno a um renascimento artístico, único capaz de suscitar novamente grandes obras e fazer emergir grandes artistas, certamente escondidos hoje no ‘anonimato’, como você bem lembra em seu post, artistas ligados ao preceito dos antigos atenienses – ‘verdadeiro, belo e justo’-, ontologicamente impregnados da síntese e da simplicidade.

Todos os sintomas sociais estão presentes sobre a Terra para mostrar não somente a necessidade do retorno às virtudes ‘clássicas’, mas também a vital impulsão pela busca da fé em outra coisa que não os ‘produtos de consumo correntes’ – mesmo os produtos artísticos tornaram-se de ‘consumo corrente’. Não mais satisfazem parcela da população, mas enriquecem muitos. Quanto ao espírito?

Falando dos artistas que são apresentados como modelos poderosos do show-business atual, consideremos que outros extraordinários artistas não são evidentemente promovidos a contento, ou mesmo quase nunca, apesar de não termos o recuo histórico para analisar. Leis do mercado. Contudo, mesmo nos Jogos Olímpicos aquele que sai primeiro nem sempre cruza a linha final. É a fábula do coelho e da tartaruga.

O círculo é vicioso, pois perdedores e vencedores, segundo os critérios das mídias à maneira do Maesltröm, não vivem todos num mesmo planeta. De um lado, o sucesso e meios financeiros imensos, do outro uma ausência de sucesso e meios financeiros limitados que impedem a aparição pública de obras mais exigentes e inovadoras.

Malgrado todas essas constatações, os artistas, sejam eles de geografias diferentes e de talentos e méritos vários, sejam quais forem suas linguagens, gêneros ou estilos, todos estão restritos ao idêntico paradigma, aquele do ‘hic et nunc’, que demonstraria que a posteridade tem raramente a possibilidade de reavaliar méritos e talentos ‘post-mortem’ do artista. Reconhece-se a força de uma obra também através da capacidade do artista se produzir, seja lá a qual preço. Nessas circunstâncias, não há consolação ou vitória exterior, mesmo se carreiras são feitas de repescagens permanentes e os destinos do tipo fênix, que renasce das cinzas.

É injusta, mas a lei da vida estabelece a seleção natural e esta é cega. Sem concessão. Sem ter plano preconcebido, preserva contudo os melhores, aqueles que transmitirão o bastão à geração seguinte. A natureza fixa regras aplicando-as de maneira darwinista implacável , tanto nas artes como em todas as áreas. ‘Struggle for life’ é o motor central e genérico de todas as existências sobre a Terra. A concorrência é rude, mas ela o é desde os espermatozoides. Nada mais fazemos do que continuar o processo.

Uma força imensa está presente em cada um de nós. Há aqueles que sabem aproveitá-la, dominá-la e fazer da vida algo excepcional, como existem os que passam ao largo, mesmo se considerarmos que a vida não presenteia no início as pessoas da mesma maneira. Sabe, contudo, distribuir cartas ao longo da existência, ao mérito, precisamente.

A vida não é justa ou injusta, ela é. Eis o que me levou à reflexão sobre seus dois textos em torno de ‘Domador de Sonhos’, de Norberto de Moraes Alves. Continuemos a ser indomáveis e obrigado por seus artigos sinceros e lúcidos, se bem que tristes, se considerarmos certos talentos”. (tradução: J.E.M.)

Once more I transcribe e-mail message received from the French composer François Servenière, now with his views on a subject addressed  recently: our dreams and the chances of making them come true and the difficulties to determine why so many talented artists live in obscurity, while others, maybe not so qualified, succeed in capturing media attention.

 

 


Imagens Ilustrando o Desenrolar das Histórias Bíblicas

Johann Kuhnau era possuidor de uma profundidade de sentimento
e, ao mesmo tempo, de uma beleza quanto ao tratamento formal,
uma graça feita de força e claridade,
que ainda hoje poderiam tornar o seu nome popular.
Romain Rolland (1866-1944)

Salientamos anteriormente a intenção de colocar à disposição pública, via YouTube, as seis “Suonatas Biblicas” de Johann Kuhnau (1660-1722), antecessor de J.S. Bach como Kapellmeister na Igreja de São Tomás, em Leipzig (vide post de 04/10/2014). O presente texto anuncia a inclusão completa da monumental obra do compositor alemão, a primeira grande criação programática composta para teclado. Kuhnau, ao ter a ideia de explorar temas do Velho Testamento, incluiu frases em italiano para determinar cada ação da história. Lembremos que a língua da península itálica era basicamente a “oficial” para determinar andamentos, dinâmica, gêneros e intenções outras referentes à escrita musical.

Se um primeiro passo para a apresentação das “Sonatas Bíblicas” fora dado em 1972 em recital que apresentei no MASP de São Paulo, com texto e imagens de slides projetados em uma tela e preparados pelo então jovem músico Rodolfo Coelho de Sousa, é certo que não repetiria a experiência, diga-se, ousada para a época, mas não a atender o sentido das Sonatas em suas implicações. Em um segundo passo, em 2007, o datashow preparado pelo ilustre musicólogo português e dileto amigo Prof. José Maria Pedrosa Cardoso teve guarida em várias cidades portuguesas em que as “Sonatas Bíblicas” foram apresentadas. As frases lá estavam, traduzidas para nossa língua mãe e o objetivo música e texto foi devidamente cumprido.

Várias foram as razões que me fizeram recorrer às ilustrações ditadas pela tradição pictórica estabelecida pelas iluminuras medievais, vitrais de capelas e catedrais e pelas pinturas da Idade Média ao romantismo. Escolhemos aquelas que melhor pudessem  exemplificar a carga emotiva de cada situação bíblica proposta por Kuhnau, geralmente com títulos das cenas indicados pelos próprios artistas.

A ausência de imagens artísticas mais recentes se deu, mercê de direitos autorais que poderiam estar inseridos. Inviabilizou-nos, pois, o emprego de magníficas telas ou gravuras bíblicas de Marc Chagall (1887-1985), como exemplo. Sob aspecto outro, inúmeras gravuras extremamente bem cuidadas e retratando “fielmente” a ação bíblica e existentes em inúmeras bíblias, livros ou folhetos cristãos, mormente publicados nos Estados Unidos, poderiam estar incluídas nessa inviabilidade graças aos possíveis direitos autorais. Diga-se, tantas dessas gravuras cairiam como uma “luva”, ilustrando frases precisas propostas por Johann Kuhnau.

Os artistas que, desde a Idade Média, souberam criar pinturas para dar um sentido às narrativas do Velho e Novo Testamentos nem sempre foram precisos ao se confrontar com a tradição judaico-cristã. São inúmeras as situações típicas de cada Testamento evidenciando interpretações análogas. Personagens com vetustas barbas e anjos em tantas outras situações possibilitam leituras diversas. Nesse sentido, buscamos sempre a intenção da frase literária a desaguar no discurso musical. Para a “Suonata Sesta”, quando da frase “pensano alle consequenze di questa morte”, fixamos a imagem do quadro de Vincent van Gogh, “Sorrowing old man” (“At Eternity’s gate”), que traduz o total desalento. Nessa sonata, a epígrafe a induzir “la sepoltura d’ Israele, ed il lamento dolorosissimo fatto da gli assistenti”, pinturas de Rembrandt (1606-1669), Nicolaes Maes (1634-1693) e Antoon van Dyck (1599-1641) induzem-nos ao sentimento da oração, essencial nessa tradição judaico-cristã. Para fugas dos inimigos de Israel  na “Suonata Prima”  e na “Suonata quinta”,  após derrotas a eles infringidas, telas representativas de batalhas  de Pandolfo Reschi (1643-1699) e Nicolas Poussin (1594-1665), respectivamente, ou mesmo iluminuras medievais da Bíblia Maciejowski ou Bíblia dos Cruzados (século XIII) e a de Étienne Harding (século XII) ilustram frases de Kuhnau nessa busca da aproximação música e imagem. Todavia, majoritariamente, as ilustrações dos renomados mestres da pintura estão acompanhadas de títulos precisos desses pintores e referentes à ação bíblica que inspiraria o compositor.

A inclusão no YouTube da integral das “Sonatas Bíblicas” de Johan Kuhnau para teclado traduz musicalmente a primeira gravação realizada ao piano da coletânea fundamental para o conhecimento de rico período da música na Alemanha. Gravei-a em 2007 na mágica capela Sint-Hilarius em Mullem, Bélgica, sob os cuidados de um dos mais destacados engenheiros de som do planeta: Johan Kennivé.

Clique para o acesso às seis “Sonatas Bíblicas” de Johann Kuhnau. Piano: J.E.M.

  1. Suonata prima – Il Combattimento trà David e Goliath
  2. Suonata seconda – Saul malinconico e trastullato per mezzo della Musica
  3. Suonata terza – Il Maritaggio di Giacomo
  4. Suonata quarta – Hiskias agonizzante e risanato
  5. Suonata quinta – Gideon Salvadore del Populo d’Israel
  6. Suonata sesta – La Tomba di Giacob

Desde os blogs iniciais (2007) devo aos diletos amigos Regina Pitta (revisão e abstracts) e Magnus Bardela (suporte técnico) a continuidade dos textos. Deles recebo parte essencial da tranquilidade, pois tenho a certeza de que não falham, mercê de qualidades intransferíveis, generosidade e paciência com o velho músico. Em 2009 conheci Elson Otake nos treinos semanais pelas redondezas de minha cidade-bairro. Maratonista ranqueado, deu-me conselhos fundamentais para o treinamento e para as corridas. Seguindo sua trajetória profissional, hoje mora em Sumaré e trabalha para importante multinacional. Não obstante o distanciamento geográfico, encontramo-nos em muitas corridas de rua. Desde 2010 Elson aconselhou-me a inserir no YouTube algumas gravações. Já são mais de 70. Após profícuo diálogo, decidimos colocar as “Sonatas Bíblicas” de Johann Kuhnau. Fiquei responsável pela escolha das imagens e Elson, pela inserção. Selecionadas as ilustrações e indicadas as cronometragens, Elson, em Sumaré, realizou o sensível trabalho da montagem e, como um artífice, esteve sempre atento. Fica neste espaço meu agradecimento aos três grandes amigos. A foto, tirada recentemente na corrida do Shopping SP Market, apresenta Elson Otake e seu amigo em plena ação.

This week’s post resumes the “Biblical Sonatas” of Johann Kuhnau. Now the complete series of sonatas (six) can be found on YouTube. Kuhnau relies on words taken from the Old Testament, summing up the stories with subtitles in Italian. My videos posted to YouTube are illustrated with works of painters from the Middle Ages to Romanticism, including the Flemish school of painting, medieval illuminations and stained glass windows. My friend Elson Otake was responsible for the video editing.