Navegando Posts em Música

Duas tendências básicas

A arte só beija quem por ela almeja ser beijado.
A arte exige uma liturgia, um ritual, que se prende
Com a fonte da dádiva e a aproximação do amor.
Miguel Real (1953)

A temática a envolver a interpretação musical tem inúmeras variantes. O blog do dia 17 de Agosto abordou algumas delas, inclusive o respeito à partitura, a inevitável diferença interpretativa de dois músicos que, respeitando fielmente o que reza a partitura, não são robôs. A compreensão da obra executada jamais será idêntica, assim como o ritmo da fala não é igual em todos. E mais, as impressões digitais distinguem cada indivíduo em particular, impossíveis de se repetirem em um outro humano. O mesmo se dá com a interpretação. Refiro-me àqueles que respeitam os textos, mas flexibilizam a frase musical com devidas reservas, fato que ratifica a individualidade.

Aprecio sempre as posições dos leitores. Alguns se estendem, como Gildo Magalhães dos Santos, professor titular da FFLECH-USP. Suas observações são pertinentes: “Concordo integralmente com suas justas palavras. É preciso respeitar as intenções do autor, e é uma fronteira difícil, essa entre seguir rigorosamente a escrita e o espaço de variação que acrescenta a sensibilidade do intérprete. Às vezes, mesmo quando o intérprete é o próprio compositor, há pequenas, mas sutis, variações. As definições de tempo e intensidade comportam sempre uma faixa de tolerância, porque a vida não é uniforme, nem as pessoas. Os excessos apontados por você são evidentemente daninhos, creio que os intérpretes excelentes seguem o preceito in medio stat virtus – nem a execução milimétrica nem a liberdade inconsequente. Estaria certo?”

O compositor Paulo Costa Lima, um dos mais importantes do país, considera: Quem teve o privilégio de sua parceria em diversas obras sabe bem avaliar o que está dizendo; a delicada união de natureza interpretativa entre um máximo de respeito e um máximo de liberdade. Uma experiência inesquecível”.

A professora e tradutora Aurora Bernardini sintetiza a interpretação problemática em frase basilar: “É como pintar sem conhecer as regras da perspectiva”.

Em blogs bem anteriores, por diversas vezes comentei o posicionamento do intérprete frente à partitura, fundamental para que uma composição seja assimilada, pois fornecedora dos elementos criados pelo compositor. Inúmeros intérpretes, no caso pianistas, se consagraram valendo-se unicamente da partitura e, a partir dela, idealizaram suas execuções. Não transgrediram, confiaram nas acuradas intuições. Um exemplo notável é o de Guiomar Novaes (i893-1979), que ainda adolescente obteve o primeiro lugar num concurso promovido pelo Conservatório de Paris destinado a duas vagas para jovens estrangeiros, tendo no júri Claude Debussy, Gabriel Fauré e Moritz Moskovsky. Debussy escreve, após o concurso, ao seu amigo e regente André Caplet (25/11/1909): “a ironia habitual dos acontecimentos quis que a postulante artisticamente mais dotada entre todos fosse uma brasileira de 13 anos. Ela não é bonita, mas tem os olhos ‘ébrios de música’ e esse poder de se isolar de qualquer presença, qualidade característica tão rara do artista”. Essa observação seria inerente na maneira de interpretar da nossa pianista maior ao longo da existência. Não foi Guiomar Novaes uma pesquisadora, mas, em respeitando a partitura, criou interpretações singulares admiradas no planeta (vide blog: “Guiomar Novaes”, 09/05/2020).

Clique para ouvir, de Fréderic Chopin, Noturno nº 13 em dó menor, op. 48 nº 1, na interpretação de Guiomar Novaes:

https://www.youtube.com/watch?v=gOa8Qnsii5Q

Inúmeros pianistas renomados, nascidos no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, continuam a ser admirados pela interpretação poética de extensos repertórios sem que tenham sido pesquisadores ou analistas. Anos atrás, neste espaço, homenageei inúmeros pianistas extraordinários possuidores da aura que pereniza.

Na literatura, o acesso à opera omnia de um poeta, escritor ou pensador terá maior abrangência se o leitor acompanhá-lo pelos aprofundamentos de estudiosos através dos tempos. A visão se torna mais ampla, pois parcialmente desvelada por especialistas na temática. Na realidade, na Academia o debruçamento sobre um autor, no que tange às diversas teses acadêmicas, tem de vir acompanhado de bibliografia sólida. Pelo menos é o que se espera. Ocorre esse aprofundar máxime nos vocacionados, diametralmente opostos aos carreiristas, para os quais as teses acadêmicas se tornam um enfado.

Regressando à execução pianística, intérpretes deixaram suas marcas indeléveis após longas pesquisas a fim de entender o porquê da criação de um compositor, suas buscas formais e inovações, seus cuidados com a escrita sem falhas e a inspiração. Em uma das obras impecáveis do ilustre compositor português Eurico Carrapatoso, o Credo da Missa sem Palavras – Cinco Estudos Litúrgicos”, escrevi-lhe que as musas entraram pelas janelas abertas e o inefável se instalou.

Intérpretes que buscam analisar com profundidade uma composição, antes mesmo de deixá-las vivas em suas mentes e dedos, têm no ato da execução o domínio do todo. Insignes nomes ficaram perenes e foram arautos da tradição, deixando suas marcas em estudos, análises, processos interpretativos, transmitindo aos seus coetâneos e aos pósteros ensinamentos basilares. Ferrucio Busoni (1866-1924) fê-lo com as composições de J.S.Bach; Paul-Badura Skoda (1927-2019), ao escrever sobre a interpretação de Mozart após um aprofundamento abissal, apreende os segredos da execução adequada das criações do compositor austríaco. Artur Schnabel (1882-1951) deixou escritos preciosos sobre sua vida e sua música no livro “My life and Music”, realizando ademais a magnífica edição comentada das 32 Sonatas de Beethoven. Alfred Cortot (1877-1962) legou-nos edições das obras de Chopin, Liszt e Schumann que são faróis para a melhor apreensão das composições dessas três figuras excelsas. Escreveu importante livro, “La Musique Française de Piano”, no qual acrescenta sua experiência como pianista para a compreensão de um repertório que faz parte do acervo de executantes de antanho e do presente. Para o aprimoramento técnico é autor  do  método “Principes rationnelles de la technique pianistique”.

Clique para ouvir, de Robert Schumann, Cenas Infantis op.15, na interpretação de Alfred Cortot:

https://www.youtube.com/watch?v=BausH790e9g

Sem penetrar no campo analítico, pianistas ilustres legaram, através de livros, ricas experiências, fato que corrobora o aperfeiçoamento voltado ao possível desempenho de um intérprete. Marguerite Long (1874-1966) escreveu três livros sobre Fauré, Debussy e Ravel, assim como “Le Piano”, uma síntese do aprendizado; Arthur Rubinstein (1887-1982) depositou em três livros a sua trajetória pianística, mas penetrou também em aspectos interpretativos. Heinrich Nehuaus (1888-1964), em “L’art du Piano”, insere toda a sua vasta experiência como pianista e professor;  Wilhelm Kempff (1895-1991) legou-nos “Cette note grave – les années d’aprentissage d’un musicien”; György Cziffra (1921-1994), em sua obra “Des canons et des fleurs”, narra episódios dantescos de sua vida, que acenavam para a impossibilidade total de uma carreira que se mostraria vitoriosa; Zhu Xiao Mei (1949-) deu-nos “La Rivière et son secret”. Tantos outros eminentes pianistas depositaram em livros suas experiências. Transparente a importância desses depoimentos, máxime como exemplos dignificantes que, desprovidos de análises estruturais, evidenciam caminhos que podem servir de itinerários seguros.

Intuitivos ou analíticos, ou os dois associados, são a evidência do caminho traçado por um intérprete. O intuitivo assim é desde os primórdios, o analítico se configura com o tempo. O que pareceria claro é a vocação. Só aqueles com o feu sacré atingem a essência da comunicação. O receptor, o ouvinte, quase sempre percebe os eflúvios da interpretação que se comunica. Enquadrados nessas duas possibilidades, importa a qualidade da interpretação do instrumentista, seu rigor após desvendar os segredos da partitura ou o voo da imaginação. Os exemplos acima mencionados evidenciam, através das interpretações de Guiomar Novaes e Alfred Cortot, as duas tendências. O ouvinte dificilmente fará a distinção entre as duas concepções, pois em ambos os casos as musas estiveram presentes.

Pianistic interpretation from two distinct perspectives starting from the score: intuitive or preceded by analysis and other studies.

A Música Portuguesa em relevo

Cultura não é ler muito,
Nem saber muito,
É conhecer muito.

Fernando Pessoa (1888-1935)

Completando as considerações sobre os artigos publicados na revista Glosas, hoje na formatação livro, ratifica-se o esmero da direção não só com as matérias publicadas, mas também com as imagens, que no presente número ilustram com precisão os conteúdos literários.

Alejandro Reyes-Lucero se debruça sobre o salão para audições privadas de música vocal criado por Ema Santos Fonseca (1897-1968) e que prosperou em Lisboa de 1923 a 1940. Denominado “Divulgação Musical”, primou pela apresentação de obras desconhecidas do grande público. Apreende-se, no substancioso texto de Reyes-Lucero, que Ema Santos Fonseca era igualmente escritora e cronista, relatando os inúmeros saraus por ela promovidos. Figuras da cultura eram frequentadores dos saraus onde música e palestras enriqueciam a atividade. Reyes-Lucero observa: “Do grupo de jornalistas e escritores, cabe salientar os nomes de António Sérgio, Aquilino Ribeiro, José Maria Ferreira de Castro, Bento de Jesús Caraça, João de Barros e Luís da Câmara Reis. Do universo musical, despontam os nomes de Fernando Lopes-Graça e de Luís de Freitas Branco”. Acrescento que, em França, diversos salões mantidos por artistas ou mecenas ficaram na história. O de Stéphane Mallarmé (1842-1989), sempre às terças, recebia poetas, literatos, pintores e músicos. Claude Debussy, André Gide, Oscar Wilde, Paul Claudel e tantos mais eram frequentadores. Salões aristocráticos ou da alta burguesia que pontificaram durante a IIIª República em França, como os de Marguerite de Saint-Marceaux ou de Marie-Blanche de Polignac, que praticavam música como amadoras, recebiam igualmente músicos, poetas, escritores e pintores.

Ester Tavares, no artigo “Códigos e representações musicais na pintura decorativa oitocentista”, detém-se no “Caso do salão de baile da ‘casa mais bonita do Porto’ ”. Fartamente ilustrado, o artigo se debruça sobre o Palacete Silva Monteiro no século XIX. “Este palacete reflete uma nova forma de habitar, numa lógica burguesa e cosmopolita, expressando um determinado modus vivendi e estatuto social”, escreve a autora.

 

O compositor e professor Sérgio Azevedo, na rubrica “Livros com música”, atém-se a “Ravel”, de Jean Echenoz, escritor e romancista francês. Ao ler a substanciosa resenha de Sérgio Azevedo, concordo em número, gênero e grau com a sua apreciação. Escreve Azevedo que o pequeno romance sobre o compositor francês é “…um dos retratos mais ‘verdadeiros’ de Ravel que me foi dado ler; posso afirmá-lo sem hesitação alguma, uma vez que possuo a quase totalidade das biografias e estudos sobre o compositor…”. Fiz a leitura do livro no original em francês durante um retorno de Paris para São Paulo em 2013, resenhando-o em meu blog sob o título “Personagens reais em situações reais” (14/12/2013). Não preguei os olhos no transcurso, tal foi o fascínio que o Ravel de Echenoz me proporcionou. Trata-se de um “romance” mais ”fidedigno” do que algumas biografias percorridas ao longo das décadas. Fez-me entender melhor o homem Ravel do que biografias referenciais, entre as quais as de Armand Machabey ((1947), Roland-Manuel (1948), W.-L.Landowski (1950), Vladimir Jankélévitch (1965), HH.Stuckenschmidt (1966). Dois livros escapariam dessa apreciação por serem ligados à atividade instrumental, de preferência: “Ravel et nous”, da renomada violinista Hélène Jourdan-Morhange, dedicatária da Sonata para violino e piano de Ravel, e “Au piano avec Maurice Ravel”, da legendária pianista Marguerite Long, dedicatária do Concerto em sol para piano e orquestra do Mestre Ravel.

Christine Wassermann Beirão presta justa homenagem a uma notável pianista e professora na rubrica “Nos 110 anos de Helena Sá e Costa, uma fotobiografia”. Wassermann Beirão realiza uma apreciação do livro, que tem 400 páginas com centenas de fotos, dividido em 17 capítulos e escrito por 16 autores. Pelas observações de Wassermann Beirão, depreende-se que parte essencial da vida e da atividade de Helena Sá e Costa (1913—2006) foi desvelada. O prefácio é do competente Rui Vieira Nery. Conheci a ilustre pianista quando de um recital que sua irmã, a violoncelista Madalena de Sá e Costa (1915-2022), e eu oferecemos na Delegação Regional do Norte (Porto), aos 7 de Janeiro de 1986. Os ensaios realizamos em casa de Helena, que atentamente acompanhou nossa preparação. Realmente uma artista de exceção.

Comoveu-me a última matéria de Glosas 23, concernente ao meu derradeiro recital na Europa (30/05/2023), a encerrar minha atividade pianística no continente. Na introdução, “Glosando 2023”, escreve Edward Ayres de Abreu: “Um outro acontecimento marcante de 2023 dá ordem de fecho a este número da revista Glosas: José Eduardo Martins encerrou a sua carreira como pianista com uma última digressão pela Europa, a culminar em Maio com um emocionante recital no Museu Nacional da Música. Falamos de um verdadeiro amigo do MPMP: colabora, desde há longa data, com a associação e com a revista. Nas últimas décadas, pode considerar-se o responsável primeiro pela promoção da música portuguesa de tradição erudita ocidental junto do meio cultural brasileiro. Dele temos a honra de ver aqui publicado um breve texto sobre este adeus, na certeza de que vamos continuar a lê-lo e a celebrar esta rara amizade”. Generosamente, Ayres de Abreu inseriu uma foto tirada imediatamente após meu também último recital no Brasil, aos 31 de Agosto de 2023, na Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos, no momento em que minha mulher Regina entendia o instante do acontecido, como rezava o filósofo-musicólogo Vladimir Jankélévitch.

É de se louvar o culto aos valores musicais de Portugal empreendido pela equipe do MPMP, Patrimônio Musical Vivo. Que prossigam, apesar da atualidade nebulosa.

Finalizando, acrescento que é fundamental a uma revista sobre Música erudita ter, entre seus colaboradores, articulistas voltados a qualquer dos vários caminhos da arte sonora. Glosas está sempre a renovar os seus textos nas penas de tantos músicos que, mercê de especialidades, são convidados a colaborar. Essa prática possibilita o conhecimento, a riqueza através da diversidade temática e de autores, elementos que enriquecem os artigos numa orientação que poderia se avizinhar do enciclopedismo musical. Que continue a singrar mares sempre renovados!

In this second post on Glosas 23, I cover some of the topics addressed by the classical music magazine, starting with the activity of musical salons on the borders of the 19th-20th centuries, continuing with the figure of the remarkable Portuguese pianist Helena Costa and a review of Jean Echenoz’s book, “Ravel”.

A revista portuguesa Glosas e o compromisso com a Música

O que interessa na vida não é prever os perigos das viagens;
É tê-las feito.
Agostinho da Silva
(“Parábola da mulher de Loth”)

Desde Maio de 2010, quando do primeiro número de Glosas, houve a preocupação de divulgar a atividade musical de Portugal num período difícil em que a Cultura Humanística, e dela a fazer parte a Música, está a sofrer com o avanço de inúmeras atividades ditas culturais, sem lastro e efêmeras. Glosas luta bravamente desde o início, sempre sob a direção do competente Edward Ayres de Abreu e colaboradores de mérito. Convidado pelo diretor, tive vários ensaios publicados na prestigiada revista sob a rubrica “Ecos d’Além Mar”, a abordar a música portuguesa de concerto, que sempre cultuei, e dois compositores pátrios: Henrique Oswald (1852-1931) e Gilberto Mendes (1922-2016).

Durante anos, Glosas manteve as publicações em formato de revista, hoje no formato livro. O conteúdo qualitativo se mantém e é alvissareiro o fato de Glosas permanecer um veículo basilar nesses últimos quatorze anos. Antolha-se-me que Glosas é a publicação, no gênero, mais significativa em Portugal. Glosas 23 foi editada pela 9 Musas, Lda para o MPMP Patrimônio Musical Vivo, Lisboa.

O presente número (23) é rico em temas diversificados. O roteiro se abre com preciosa entrevista que um dos mais destacados compositores da nova geração, Nuno da Rocha (1986-), concede a Edward Ayres de Abreu. Não poucas vezes nos referimos, em posts anteriores, à sensível deterioração cultural, em termos globais, a atingir países em graus diferenciados.  Na significativa entrevista, Nuno da Rocha se mostra por vezes cético nesse mister. Ayres de Abreu bem se posiciona na apresentação de Glosas: “Nuno da Rocha fala-nos mais de sombras do que de sol – e não podemos senão compreendê-lo porque, em grande medida, as nuvens de que fala são as de toda uma geração – de um país? – que se vê obrigada – que se abandona? a navegar à vista e a reduzir futuros a retóricas”. A entrevista expõe com clareza o pensamento do compositor em tantos elementos constitutivos da música, a abordar técnica, estética, recepção, máxime criação. Algumas respostas a Ayres de Abreu merecem reflexão: “Não é só a minha música, a música que se faz hoje em dia, que é muito diversa, ela por si fixa as pessoas. O problema é haver estratégias para que essas pessoas vão às salas”. Menciona duas de suas criações: “Não tenho dúvida nenhuma de que alguém que tenha ido ver o Paraíso ou o Inferno (obras do entrevistado), mesmo a mais mozartiana da vida, foi contra a parede. E mesmo que saia de lá a dizer ‘Caramba, tanta dissonância!’, aquela escuta teve impacto, e certamente abriu ali qualquer coisa…”. Ayres de Abreu questiona: “Escreverás o Purgatório? E a resposta é imediata: “Não, já estamos em cima dele”. A entrevista é bem rica, a destacar não apenas o pensamento de Nuno da Rocha, como o seu modus operandi num labor que surpreende, mercê das inúmeras composições. “Desde que tenha orquestra, aceitaria tudo” afirma Nuno da Rocha.

Edward Ayres de Abreu formula perguntas para pronta resposta, “Inquérito Fugado”, e entre elas, “Compor música: por quê?” É um grito. “Para quem?” Para mim e para ninguém (pelos vistos). “Até quando?” Até breve, creio; Ritual diário ou manifestação ocasional? Quando tenho uma encomenda é um ritual diário; “Há ‘música antiga’ na tua música?” Claro; “Ópera ou teatro?” Teatro; “Campo ou cidade?” Lisboa. “Sons insuportáveis”. Restaurantes cheios de gente. “Sonhos para concretizar enquanto compositor?” Que a minha profissão comece a ser uma profissão.

Em entrevista à Tatiana Bina, os professores Helena Rodrigues e Paulo Maria Rodrigues expõem os trabalhos da relevante Companhia de Música Teatral nos seus “25 anos reencantando o mundo”. A permanência efetiva, com tantos projetos voltados aos bebês e à infância, e outras mais aspirações condicionam a Companhia de Música Teatral como pioneira em vários caminhos. Mérito de Glosas ao evidenciar o valor dos dirigentes.

Ana Sofia Malheiro se debruça sobre a Orquestra sem Fronteiras fundada por duas figuras idealistas, Catarina Távora, coordenadora de projetos pedagógicos da orquestra, e Martim Sousa, diretor musical, e que surgiu para dar oportunidade a jovens instrumentistas que, por múltiplas razões, não encontram caminhos para se desenvolver. O projeto, que vive do mecenato, não se restringe apenas à Orquestra, mas mantém “Residências em Música de Câmara” e os “Laboratórios de Escuta Criativa”, este voltado às crianças do primeiro ciclo. Catarina Távora explica essa ação junto às crianças do primeiro ciclo, onde “se trabalha a imaginação, a atenção, a criatividade, além da empatia e da relação intra e interpessoal”. Estimulantes dois outros projetos, o “Cantar-o-Lar”, a ter como objetivo “dinamizar quatro lares na cidade de Aveiro”, e “Música no Lugar Certo”, a atender doentes com câncer de mama do IPO de Coimbra. A OSF percorre o interior, “tocando em terras onde nunca uma orquestra havia passado”. Uma frase de Martim Sousa Tavares merece atenção: “Num país que está claramente virado para o litoral, quem vive no interior sente que tem uma capital que lhes vira as costas”.

Substancioso estudo, fundamentado na obra para piano do compositor Ruy Coelho (1889-1986), foi realizado por Bernardo Santos, resultado de suas pesquisas para doutorado. Pianista de mérito, Bernardo Santos focaliza com agudeza a obra para piano solo, piano camerístico e piano e orquestra. Apresenta a lista da opera omnia de Ruy Coelho, pormenorizando inúmeros intérpretes das suas criações através das décadas. O primeiro deles a ser mencionado foi colega de Ruy Coelho quando se aperfeiçoavam na Alemanha. Trata-se de Guilherme Fontainha (1887-1970),  pianista e professor respeitado no Brasil. Morava no Rio de Janeiro, mas quando em São Paulo tive duas ou três aulas com o Mestre Fontainha. Uma das composições de Ruy Coelho, Sonatina (1933), cuja estreia se deu pela pianista Nina Marques Pereira, foi gravada pelo musicólogo e pianista Bernardo Santos.

Clique para ouvir, de Ruy Coelho, Sonatina, na interpretação de Bernardo Santos:

https://www.youtube.com/watch?v=S5Af5RjZSPM

No próximo blog comentarei a sequência de artigos da referencial Glosas.

Glosas magazine, launched in 2010 in Portugal, is now in its 23rd issue. It covers a wide range of music. Now in book format, it maintains its continuous quality over time.