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O jurista Ives Gandra da Silva Martins e a revelação para poucos

Só podes ser tu se fores de tudo ou de nada.
Agostinho da Silva
(“Espólio”)

Exclusivamente, portanto,
Para familiares, amigos e alunos,
foram escritas estas reminiscências.
Ives Gandra Martins

Poderia avocar suspeição ao redigir um post laudatório às lembranças que têm marcado a vida de um jurista, mormente sendo meu irmão. É que Ives, como jurista ímpar neste país atormentado, pautou sua existência na probidade absoluta, na batalha sem tréguas contra as mazelas que assolam há décadas nosso país. Recentemente comoveu-me ouvir de alguns dos mais importantes jornalistas brasileiros, como Augusto Nunes, Alexandre Garcia, José Maria Trindade, Guilherme Fiuza e tantos outros, menções ao meu irmão, inclusive um deles a proclamar que Ives é a figura basilar entre os juristas e que, na plena obediência ao que reza a nossa Constituição, tem a autoridade moral e jurídica para tecer críticas ao descumprimento, por parte do STF, de preceitos da Carta Magna. Ives, aos 87 anos, entende que excessos têm sido cometidos pelo Supremo Tribunal em quantidade inusitada e em uma só direção, procedimento jamais visto na história do judiciário brasileiro.

Após a morte de sua amada Ruth, vítima da Covid, com quem esteve casado durante 62 anos, Ives resolveu registrar instigantes lembranças que percorrem quase um século. Não quis ele a grande tiragem, a preferir uma edição limitada para familiares e amigos, entregando os manuscritos ao seu fidelíssimo e competente editor Cláudio Giordano.

Para um irmão que conviveu durante quase duas décadas na mesma morada de nossos pais, as qualidades humanísticas de Ives já se mostravam insofismáveis. No quarto lustro, o orador infalível já se revelava, pois após a leitura de segmento da excelsa literatura portuguesa, Sá de Miranda (1481-1558), Camões (c. 1524-1580), Padre Vieira (1608-1697), Padre Manuel Bernardes (1644-1710)…, o jovem Ives interpretava textos lidos para os nossos Pais após o jantar. Saliento que nosso Pai privilegiava a leitura dos clássicos portugueses. Nosso irmão João Carlos e eu, a seguir, tocávamos obras que faziam parte de nossos estudos pianísticos. Quanto ao José Paulo, estudou violino por pouco tempo, mas era exímio na gaita de boca, tendo ganho concurso em rádio paulistana. Dedicou-se com brilho à atividade comercial, seguindo basicamente a atividade de nosso Pai, ampliando-a. Minha convicção plena é de que a gestação do grande jurista que se tornaria Ives deu-se naqueles anos, nessas “tertúlias” em família. Impressionava-me, àquela altura, seu espírito de síntese, pois Ives conseguia traduzir em apotegmas conceituações extensas dos grandes autores.

Suas reminiscências daqueles anos inesquecíveis fazem-me pensar na leitura individual que cada um dos quatro irmãos teceu naquelas primeiras e decisivas décadas. Tardiamente elas se revelam basicamente similares, apesar de interpretações individuais diferenciadas devido às estruturas mentais distintas do quarteto. Essa assertiva só dimensiona nossos Pais, que se empenharam com sacrifícios na edificação cultural de seus filhos. Estou a me lembrar das palavras do ilustre Professor Catedrático de Direito de Família da Universidade do Minho, António Cândido, ditas em Braga, após um recital de piano que apresentei no salão nobre da Reitoria. Conhecedor da numerosa imigração de portugueses do Minho para o Brasil nas décadas fronteiriças dos século XIX e XX, entendia que meu Pai se agigantava como única figura (no singular) daquela precípua diáspora com um projeto cultural para seus futuros descendentes.

Antolha-se-me que o longo e substancioso capítulo “Reminiscências”, que aborda inicialmente os anos da infância, adolescência e juventude, faz entender todo o caminhar de Ives. Ao se casar com Ruth, em 1958, uma indissolúvel união em todos os planos se estabeleceu. Foram colegas no curso de Direito da USP. Tiveram seis filhos, dos quais três seguem com brilhantismo os caminhos fundamentados no Direito. O casal cresceu na fé católica e, com o passar dos anos, Ives deu provas dessa integral e irreversível religiosidade. Pertencer ao Opus Dei foi consequência. Insofismável a sua extraordinária carreira como jurista, professor e autor de uma centena de livros, a grande maioria versando sobre Direito Tributário, Constitucional e Administrativo, bibliografia que dimensiona ainda mais o significado de seus anos primevos. A verve poética o acompanha desde os primórdios, e os mais de mil poemas à sua saudosa Ruth o colocariam como recordista de poemas dedicados a uma só mulher em toda a história da poesia, creio eu. Apesar de ter partido há mais de um ano, Ruth continua a povoar escritos e poemas que lhe são dedicados. “Quando assim ajo, sinto-a próxima”, afirmou-me.

Em “Reminiscências de um cidadão comum” todas as recordações são autênticas e verídicas, a não ser, a meu ver, o título, pois Ives jamais foi uma pessoa comum. Todos conhecemos as qualidades que o tornaram uma das vozes mais respeitadas do Brasil.

Ives perpassa a existência no alto de sua sabedoria. Nas “Reminiscências de um Cidadão Comum” o trajeto é descrito sem traumas, sempre na ascensão. Como chegar aos 87 anos cultuado pelos letrados, políticos – mesmo aqueles que não comungam com suas convicções – e também pelo “cidadão comum”, sem jamais ter tido um ato que o desabonasse. Após a morte de nosso saudoso Pai no ano 2000, Ives é a nossa referência.

As reminiscências não excluem a menção às dezenas de homenagens que recebeu de instituições públicas e privadas ao longo da carreira, assim como a sua participação como docente no Brasil e alhures.

Ives insere quatro decálogos de sua lavra nas “Reminiscências…”: Decálogo do Advogado, Decálogo do Não, Decálogo da Convivência, Decálogo do Trabalho Ordinário. Do primeiro, extraio um parágrafo: “O Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois sem ele não há organização social. O advogado é seu primeiro intérprete. Se não considerares a tua como a mais nobre profissão sobre a terra, abandona-a porque não és advogado”. Frases que deveriam ser o norte para a maioria dos advogados.

O meu clã visitou-o dias atrás. Uma alegria. Apesar das limitações físicas, Ives continua a ser um dos faróis a iluminar o agitadíssimo oceano que nos cerca.

Dedico-lhe, pois, uma gravação que é um devaneio na Via Láctea. Se a sua Ruth paira nas esferas, abrigada pelo Poder Maior, o sensível passeio pela Via Láctea diz tanta coisa… O ilustre compositor francês François Servenière compôs uma lírica peça a partir de “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry. As “Reminiscências” retornam…

Clique para ouvir, de François Servenière, “Promenade sur La Voie Lactée”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=JQDkWn1HcpQ

In his book “Reminiscences of an ordinary citizen”, the illustrious jurist Ives Gandra Martins reveals key events lived since childhood that have been fundamental in his development. At 87, respected by intellectuals, politicians and ordinary people, he has been a beacon for our family since the death of my father in 2000.

Uma sensível mensagem de François Servenière

É ciência subir os Himalaias
E criar matemática sem fim
Mas é cultura vê-la poesia
E ter os Himalaias dentro em mim.

Agostinho da Silva

Há tempos longe deste espaço, o ilustre compositor francês François Servenière soube tardiamente da morte de meu amigo-irmão, o notável musicólogo português José Maria Pedrosa Cardoso (vide blogs: “José Maria Pedrosa Cardoso”, 11 e 18/12/2021).

Admirador incondicional dos trabalhos “arqueológico-musicais” de Pedrosa Cardoso e amigo do pesquisador, escreveu uma mensagem à viúva Maria Manuela, enviando-me no ato uma cópia. Após a autorização de ambos, repasso aos leitores, pois a carta revela o apreço e a sensibilidade do músico Servenière.

“Minha estimada Manuela,

Soube nesta semana pelo José Eduardo do desaparecimento, no dia 8 de Dezembro de 2021, de nosso querido José Maria. Só apreendi essa triste notícia em fins de Janeiro, pois uma pane no meu site bloqueou a recepção de mensagens. Devido a esse percalço não recebi, durante meses, os artigos do José Eduardo, inclusive aquele em que menciona o infausto acontecimento.

Assim como José Eduardo, demorei um tempo para assimilar a notícia. Estava entre meus projetos ir a Portugal e visitar meus amigos… Soube que os grandes sinos da Universidade de Coimbra soaram longamente no dia de sua partida. Que sublime atenção para um espírito que voava naquele momento em direção ao Nirvana! Sim, José Maria e eu não éramos tão próximos, mas as relações que tivemos foram parêntesis luminosos, sinceros e crísticos, se considerarmos nossa conjuntura tão sombria. José Maria era a centelha mesmo da vida, estruturada numa espiritualidade fundamentada e senhor de uma cultura musical fenomenal, um farol para seu ser e sua obra transparecendo através de sua alegria de viver, tão evidente no fervor de seu olhar. José Eduardo me falou um pouco a respeito de sua resignação nos derradeiros tempos face à cruel prova a que a doença o obrigou. Nosso amigo brasileiro disse-me ainda que, mesmo nos estertores da vida, José Maria se preocupava com uma justa homenagem que Portugal deveria prestar ao seu pai, nascido no Minho. Prometida, essa homenagem deverá se realizar, acredito.

Reiteradas vezes meu olhar recai sobre o livro, que me foi enviado gentilmente pelo José Maria, sobre as tradições vocais em Guimarães durante a Idade Média (vide blog: “Passionário Polifônico de Guimarães”, 23/11/2013). Ele trona no meu estúdio como obra de referência, motivo de apetite e de curiosidade de todos os meus visitantes, família e colegas. Começarei em Abril os trabalhos de meu novo estúdio, magnífico projeto para o último terço de minha vida, assim espero. Findo o trabalho, colocarei o livro do José Maria em evidência na minha biblioteca, como é feito ao se expor uma obra única, mercê de um presente único… (trata-se de obra investigativa, mas de arte também, graças à publicação integral do manuscrito em cores e à dimensão do Passionário… Nota: J.E.M.). Ao mesmo tempo, como prometera a José Eduardo em e-mail anterior sobre o infausto acontecimento, devo enquadrar em patchwork numerosas fotos escolhidas entre aquelas que tenho de meus amigos do Brasil e de Portugal, José Maria, Manuela, Idalete Giga, Eurico Carrapatoso, Luca Vitali, Regina e, logicamente, José Eduardo. Os seus sorrisos do sul serão faróis para a minha criação e me indicarão o nascer do sol e seu ocaso, a estrela polar e o farol à noite, em resumo, direcionando meu espírito para a escrita musical, gravação e mixagem de minhas obras.

Clique para ouvir Natal de Elvas, canção alentejana (harmonização: Idalete Giga). Coro Capela Gregoriana Laus Deo, sob a direção de Idalete Giga:

https://www.youtube.com/watch?v=l5YnExjckwU

Externo esta minha posição, lembrando à Manuela que figuras como o notável e saudoso pintor Luca Vitali e o iluminado José Maria me foram essenciais para compreender o essencial da arte e nossos caminhos artísticos sinuosos por vezes, pois a vida é necessariamente sinuosa e não é raro explorarmos caminhos como em estado de cegueira quando em densa neblina.

Na França, o cerebral domina o coração da música. Durante nossa longa formação da escrita musical, com sólidas bases no passado, constatamos sempre a mistura incessante e não justificada com as teorias de matemáticos (tantas vezes cientistas), adeptos dos algoritmos evanescentes como única lógica da música e, mais globalmente, da arte dita ‘moderna’ ou ‘contemporânea’. Eurico Carrapatoso, por sua vez, proclama como um exorcista: ‘Darmstadt, saia do meu corpo’. Estando longe dessas preocupações, por obrigação profissional meus estudos superiores me obrigaram a trabalhar essas tendências, sem contudo aderir a nenhuma delas. Na França o ambiente intelectual está sempre voltado à Revolução, à guilhotina! E o satanismo niilista não está suficientemente distante…

Clique para ouvir, de Eurico Carrapatoso, Ó, meu Menino – Magnificat em Talha Dourada, na interpretação do Canticorum sob a direção de Rui Teixeira:

https://www.youtube.com/watch?v=2V5pwjbGpKA

Cansado das admoestações elitistas como único caminho para trabalhar a música dita ‘séria’, contatei José Eduardo em 2007, após a escuta excepcional de ‘Il Neige’, de Henrique Oswald, publicado no web. Responde-me no dia… Desde lá nós nos correspondemos semanalmente e entrei no círculo de seus amigos que ele me apresentou. Os portugueses Eurico Carrapatoso e suas sublimes músicas, que voam em direção às estrelas… Idalete Giga e seus sublimes cantos gregorianos descendo dos céus… José Maria e suas sublimes inspirações vindo do além… o também brasileiro Luca Vitali e suas visões galácticas…

Clique para ouvir, de François Servenière, o Étude Cosmique nº 4, Níquel, a partir de pintura em acrílico de Luca Vitali. Interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=6twd8WP_9js

Por trás desses personagens notáveis havia uma constante. Todos estão sob a égide da beleza e do amor, únicos estimulantes.

Apesar de já ter quantidade de obras no meu catálogo, o início desse novo paradigma de vida coincidiu com uma nova porta em minha vida. Por ela entrei em um novo mundo, cujo endereço situava-se no Novo Mundo, da mesma maneira que um explorador coloca um novo país de coração na lista de suas peregrinações e de seus anseios, sempre a continuar sua incessante busca em direção ao horizonte fugidio. Seguindo a lógica, esse período resultou em novas obras magníficas, interpretadas sublimemente ao piano por José Eduardo.

Em 2020, José Maria presenteou-nos com uma crítica elogiosa do CD ‘Retour à l’Enfance’, produzido por José Eduardo, Johan Kennivé e por mim. Releio por vezes aquelas palavras escolhidas e algumas frases como se estivesse a observar as pegadas históricas de um musicólogo eminente que se debruça sobre nosso laborioso trabalho. José Maria permanecerá ao longo do tempo.

Querida Manuela, queria me desculpar por não tê-la contatado antes, fato a me deixar consternado. Aceite, eu lhe peço, minhas sinceras condolências pelo desaparecimento de José Maria. Tanto a Manuela como José Maria me perdoarão, talvez.

Com a minha amizade e minha tristeza, mas também com minha alegria, pois a vida é fonte de alegria.

François”. (tradução: J.E.M.).

Clique para ouvir, de François Servenière, Promenade sur la Voie Lactée, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=JQDkWn1HcpQ

I publish in this blog a belated and sensitive message from the French composer François Servenière to the widow of the noted musicologist and friend José Maria Pedrosa Cardoso, with authorization from both. Touching words that testify to the dimension of his affection.

Um dos nomes referenciais na história da musicologia portuguesa

Nenhuma vida tem qualquer significado ou qualquer valor
se não for por uma contínua batalha contra o que nos afasta da perfeição,
que é o nosso único dever.
Agostinho da Silva
(“As Aproximações”)

Meu amigo-irmão, José Maria Pedrosa Cardoso, partiu no dia 8, quinta-feira, após prolongada doença. Perda inestimável. O desenlace já aguardado por José Maria, na serenidade daqueles imbuídos da fé cristã, fê-lo inclusive dias antes selecionar as músicas de seu velório. Seguimos deste lado do Atlântico toda a lenta evolução do irremediável. A emoção que estou a sentir me impede de escrever de imediato sobre o amigo-irmão. Meu dileto amigo, ilustre medievalista João Gouveia Monteiro, Professor da Universidade de Coimbra, escreveu-me a dizer que apreendeu a morte de Pedrosa Cardoso “quando ouvi os sinos a repicar na cabra da Torre da UC”, em homenagem ao ex-professor Pedrosa Cardoso. Na mensagem, o Professor Gouveia Monteiro anexou um texto significativo publicado no ato pelo também ilustre Professor Catedrático jubilado da UC, da área de Arqueologia, grande especialista em Epigrafia, José d’Encarnação. Obtive a  autorização para publicá-lo. Transmito-o para que o prezado leitor conheça a abrangência da atuação de meu querido amigo-irmão, sendo que ao final, sua dedicada esposa Manuela tece pungente testemunho sobre a partida.

“Faleceu ontem, dia 8, pelas 22 horas, na Casa de Saúde de Idanha – Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, em Belas, onde estava internado, o Dr. José Maria Pedrosa Cardoso, Professor aposentadao da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Natural de Guimarães (28 de Março de 1942), Pedrosa Cardoso formou-se em Filosofia e Teologia, em Valladolid e Munique (1962-1969); estudou Pedagogia e Didáctica Musical com Edgar Willems e Jos Wuytack, Direcção Coral com Michel Corboz e Pierre Salzmann; fez o curso geral de Piano pelo Conservatório de Música do Porto; foi dos primeiros licenciados em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa.

A partir de Janeiro de 1987 e até 1989, acumulou a docência na Universidade Nova de Lisboa e no Conservatório Nacional com o cargo de assessor de João de Freitas Branco na direcção artística e de produção do Teatro Nacional de S. Carlos.

Entrou para a  Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1992, como assistente estagiário, para leccionar a cadeira de História da Música. Aí passou a exercer prioritariamente a docência, mais tarde alargada ao Mestrado em Ciências Musicais e ao Curso de Estudos Artísticos, que veio a dirigir na área da. Doutorou-se em Ciências Musicais Históricas e fez a agregação na mesma área científica. Integrou, como investigador, o Centro de Estudos Clássicos da sua Faculdade de Letras. Música até à sua aposentação, em 2009.

Conferencista convidado em Portugal e no estrangeiro, falava sobretudo da sua especialidade: a música sacra e a música histórica portuguesa.

Embora com incursões na música contemporânea, com estudos sobre Luiz de Freitas Branco, António Fragoso e Fernando Lopes Graça, a sua pesquisa musicológica seguiu prioritariamente a pista aberta por Mestre Santiago Kastner, um músico estrangeiro consagrado em Portugal que chamou várias vezes a atenção para uma verdadeira especificidade da música portuguesa dentro do quadro europeu. Tem pautado a sua investigação pela busca da singularidade da música histórica portuguesa, um caminho aberto na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e percorrido em todos os principais arquivos nacionais e estrangeiros.

Entre as iniciativas que tomou no âmbito musical, podem citar-se: a fundação,  em 1976, do Grupo Coral de Lagos, que dirigiu até 1981, com o qual desenvolveu vasta acção cultural através de todo o Algarve, com digressões pelo país e gravações para a RTP e RDP; a fundação, em 1977, da Escola de Música do Grupo Coral de Lagos, que dirigiu até 1981; a criação, também  em 1977, com o Coral de Lagos e com o Coral Ossónoba de Faro, do Festival de Coros do Algarve que se mantém até ao presente; a criação, em 1979, os Cursos Musicais de Férias de Lagos, com a colaboração de alguns dos melhores professores portugueses, com os quais se estabeleceu na cidade de Lagos uma dinâmica concertística rara durante seis semanas de Verão, Cursos que dirigiu até 1983.

Escreveu as seguintes obras:

  • O Teatro Nacional de S. Carlos – Guia de Visita, APEM, 1991;
  • Fundo Musical da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, 1995;
  • Obra Litúrgica I e II (Gulbenkian – Serviço de Música, 12-2000);
  • História da Música – Manual do Aluno do 2º Ano (Sebenta, 04-2003);
  • Carlos Seixas, de Coimbra (Imprensa da Universidade de Coimbra, 12-2004) (coord. e autor);
  • Ano Seixas. Exposição Documental. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2004;
  • O Canto da Paixão nos Séculos XVI e XVII: A Singularidade Portuguesa (Imprensa da Universidade de Coimbra, 12-2006);
  • Cerimonial da Capela Real - Um manual litúrgico de D. Maria de Portugal (1538-1577) Princesa de Parma (INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda / Fundação Calouste Gulbenkian, 05-2008);
  • História da Música I (Sebenta, 03-2008);
  • História Breve da Música Ocidental. Coimbra: Imprensa da Universidade, 06-2010;
  • O Passionário Polifónico de Guimarães. Guimarães: SMS, 2013.

E, nesse aspecto, merece  grande realce uma obra, bilingue, que particularmente lhe agradou publicar: O Grande ‘Te Deum’ Setecentista Português, de 363 páginas, editado pelo CESEM e pela Biblioteca Nacional de Portugal, em cujo Auditório decorreu, a 9 de janeiro de 2020, a apresentação, a cargo de Manuel Pedro Ferreira e de David Cranmer. A sessão contou ainda com a demonstração musical de um trecho dos Grandes Te Deum, a cargo de David Cranmer e de Manuel Rebelo.

Continuou muito activo, mesmo após a sua aposentação. Recentemente programou, por exemplo, e foi director artístico do Festival de Música Religiosa de Guimarães, realizado no período da Semana Santa.

Foi homenageado pela Câmara Municipal de Lagos, tendo recebido a Medalha de Mérito Municipal, grau ouro, pelos serviços prestados à cidade, no âmbito da cultura musical, durante 40 anos.

Estava casado com a Professora Manuela Pedrosa Cardoso, a quem endereçamos – bem como à demais família – os nossos mais sentidos pêsames. Foi, sem dúvida, exemplar o seu acompanhamento ao marido. A 14 de Novembro escrevia ao grupo que se formara para ir sabendo da evolução do doente, então já na Unidade de Cuidados Paliativos de Idanha (Sintra): «Não pode receber visitas, apenas eu o posso ver. Está sereno, sem dores, muitíssimo cansado. Preparado para a viagem onde será recebido pela PAI CELESTIAL. Ontem escrevi a seu pedido as músicas que se vão ouvir na sua partida, no velório. Pediu que fosse feito silêncio e nada de LÁGRIMAS. […] Fiquem tranquilos, porque a PAZ está connosco. Darei notícias».

Bem haja, Dra. Manuela, por este testemunho de… vida!

Que descanse em paz quem, na verdade, logrou, ao longo de toda a sua existência, combater o bom combate!”

No menu do blog, no item “Livros – Resenhas e Comentários (lista)”, o leitor encontrará a relação dos livros de Pedrosa Cardoso resenhados ao longo em meus posts semanais. Escreverei um segundo post no próximo dia 18, a narrar nosso entendimento pleno sobre tantos planos culturais, projetos conjuntos e, a preponderar, a amizade ilimitada. Apresentarei várias fotos desse transcurso.

The recent death of the illustrious retired professor José Maria Pedrosa Cardoso from the University of Coimbra, a reference name of musicology in Portugal, has caused me a strong commotion. Pedrosa Cardoso leaves an extraordinary legacy, through an extensive literary-musical production based on the competent interpretation of musical sources since the 16th century in Portugal. I include in this post a substantial text by José d’Encarnação, retired professor from the University of Coimbra.