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Presidente da República Portuguesa

O que impede de saber
não são nem o tempo nem a inteligência,
mas somente a falta de curiosidade.

Agostinho da Silva
(“Pensamento em Farmácia de Província”)

A morte recente de Jorge Sampaio, Presidente de Portugal por dois mandatos (1996-2006), fez-me rememorar momentos em presença do ilustre homem público.

Jorge Sampaio foi advogado atuante e desde a mocidade teve inclinação para a atividade política, participando de lutas estudantis, sendo que futuramente entraria nos quadros do Partido Socialista com participação intensa na vida política portuguesa. Parlamentar, teve ação vigorosa até se candidatar à Presidência da República Portuguesa, vencendo as eleições em 1996 e sendo reeleito em 2001. Após os dois mandatos, foi nomeado em 2007 pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, como Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, permanecendo nas funções até 2013.

Em 1997, convidado pela Fundação Convento da Orada para o recital de abertura do “Orada Hansa Artística 1997”, propus programa luso-brasileiro: Francisco Mignone, Francisco de Lacerda, Almeida Prado, com duas primeiras audições mundiais, “Estudo, Ex-tudo, Eis tudo pois” in memoriam Jorge Peixinho, de Gilberto Mendes, e “Vassourinhas – Estudo/frevo”, de Paulo Costa Lima, incluindo ao final os “Quadros de uma Exposição”, de Moussorgsky, pois a mostra privilegiava música e artes plásticas e vários artistas estiveram presentes ao evento. O Convento da Orada se situa ao pé de Monsaraz, no Alentejo, e remonta ao século XVII. Em 1997 estava a ser inaugurada uma de suas restaurações.

O Presidente Jorge Sampaio compareceu com comitiva para a abertura da mostra e, após o recital, dediquei como encores ao chefe do governo português duas Sonatas de Carlos Seixas (1704-1742), nºs 8 e 71.

Após o recital e visita à exposição de pintura e gravuras houve um banquete, oferecido pela Fundação presidida pelo arquiteto João Rosado Correia (1939-2002). A pedido do Dr. Jorge Sampaio, tive o privilégio de sentar-me ao seu lado. Relato dados interessantes que surgiram durante o jantar. Em dado momento o Presidente agradeceu a interpretação das peças de Carlos Seixas a ele dedicadas, mas asseverou que preferiu a Sonata em lá menor (71) àquela em Dó Maior (8). Surpreso, perguntei-lhe o porquê. Acrescentou: “a em lá menor modula na segunda secção para maior”. Mais surpreso fiquei e o Presidente continuou afirmando que estudou piano durante um bom tempo no Conservatório Peabody nos Estados Unidos, país em que viveu enquanto seu pai concluía mestrado na Universidade John Hopkins, em Baltimore. Chegou inclusive, nas provas finais, a apresentar duas peças de Schumann.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, a Sonata em lá menor (nº 71) na interpretação de J.S.M. Gravação ao vivo no Convento Nª Senhora dos Remédios, em Évora (11/11/2011):

https://www.youtube.com/watch?v=BP3Aic2bvac

Nossa conversa abordaria literatura de nossos países. Sabedor ainda em São Paulo de sua presença, levei-lhe um livro de meu Pai, “Sabedoria e Felicidade”, a dizer-lhe que, português nascido no Minho em 1898, era ele o decano da comunidade portuguesa em nossa cidade nos seus 99 anos. Como visitaria o Brasil proximamente, indagou-me se eu lá estaria, respondendo-lhe que à altura tinha gravação da integral para teclado de Jean-Philippe Rameau em Sofia, Bulgária. Um fato curioso se deu. Em certo momento o Presidente falou que adorava os locutores de futebol brasileiros, sempre entusiasmados nos seus prolongamentos por ocasião dos gooooo00ls… Torcedor fanático do Sporting de Lisboa, perguntou-me se havia algum jogador em especial que eu poderia sugerir. Torcedor da minha infortunada Portuguesa, indiquei Rodrigo Fabri, que estava em ótima fase num período alvissareiro de meu time eleito desde a infância.

Findo o banquete o Presidente, sua comitiva e eu também nos recolhemos aos aposentos do Convento da Orada, não sem antes os artistas plásticos e eu termos veladamente ouvido do arquiteto Rosado Correia para que estivéssemos presentes às sete da manhã, horário em que o Presidente tomaria seu desjejum antes do retorno à Lisboa. Tal aconteceu e, logo após o pequeno almoço, à soleira da porta, o Presidente tirou um caderninho do bolso e uma caneta e me chamou. Fui até ele e também surpreso ouvi “qual é mesmo o nome do jogador?”.

Meses após, estando eu na Bulgária, meu pai recebeu um telefonema da Embaixada de Portugal no Brasil, convidando-o para estar ao lado de Jorge Sampaio durante o jantar que seria oferecido na Casa de Portugal em São Paulo. Nos estertores da existência, para meu Pai, que faleceria nos pórticos dos 102 anos, aquele ato presidencial foi uma alegria sempre rememorada.

Poucos anos depois daquela visita ao Brasil, o Presidente Jorge Sampaio esteve em São Paulo e fomos convidados à recepção que se deu nos salões da Casa de Portugal. Regina e eu, nossa filha Maria Beatriz e nosso saudoso genro José Rinaldo estivemos presentes. Durante a recepção, concorridíssima, o Presidente percorreu lentamente o salão cercado por seguranças, saudando os presentes. Quase ao final nos viu, abriu os braços e disse: “Meu pianista”. Bela lembrança.

Nesse modesto tributo ao ilustre Presidente Jorge Sampaio, fica uma pergunta. Qual Presidente de nossas terras percorreria de automóvel duzentos quilômetros (Lisboa a Monsaraz) para assistir a uma exposição com renomados artistas plásticos e um recital de música erudita ou clássica? Como não transmitir aos leitores este relato que demonstra um atributo tão ausente na esmagadora maioria de nossos homens públicos, a cultura humanística. Fundamental, a sua presença evitaria tantos desvios de conduta! Lamentavelmente, creio irreversível essa postura neste Brasil a clamar por homens dignos. A lanterna de Diógenes…

The recent death of Jorge Sampaio, President of Portugal for two recent terms (1996-2006) and a classical music lover, reminded me of moments in the presence of the illustrious public man.

 

 

Entrevista a J.E.M.

Deus não se afirma nem se nega:
Deus É, mesmo quando não é, numa plena manifestação da sua extrema liberdade.
Agostinho da Silva (1906-1994)
(“Do Previsível e do Imprevisível”)

Sugeri ao meu irmão, Ives Gandra Martins, notável jurista, uma entrevista para o blog semanal. Motivos vários levaram-me à ideia. Primeiramente pelo fato de que Ives sofreu recentemente uma quarta cirurgia do Divertículo de Zenker (processo endoscópico), que resultaria, mercê de consequências imprevisíveis, em uma série de adversidades ao longo de prolongada hospitalização no referencial Hospital Sírio-Libanês. Restabelecia-se das vicissitudes quando contraiu o Covid-19. Apenas como referência, acrescentaria que em 2018 fui também operado do Divertículo de Zenker por endoscopia, intervenção relativamente simples, mas que imprevisivelmente provocou uma pneumonia, a me reter durante uma semana em UTI no ótimo Hospital Santa Catarina.

J.E. – Em algum momento antes da cirurgia, devido à sua faixa etária, alertaram-no sobre decorrências?

Ives – Não houve qualquer alerta, creio que pela simplicidade da operação. Os médicos esperavam que pudesse até sair à tarde.

J.E. – Naqueles angustiantes dias em que sequencialmente o seu organismo não reagia, seu genro e eu, sempre em contato, temíamos pela sua vida. Que força interior o levou a acreditar numa recuperação e em algum momento o irmão temeu a morte? É de conhecimento público sua religiosidade. Em que dimensão a situa?

Ives – Após o procedimento endoscópico tive, algumas horas depois, uma isquemia, sendo levado de imediato para uma unidade cardiológica. Na sequência, houve uma septicemia que me deixou em coma por seis dias. O estado inconsciente leva, todavia, em alguns momentos, o paciente a delirar. No meu caso, quando saía do estado comatoso, distinguia alguns elementos da família, mas voltava rapidamente a participar do delírio, revivendo fatos históricos (2ª Guerra Mundial, independência do Brasil, a guerra de secessão, etc), que desapareciam sempre que abria os olhos. Quando saí da inconsciência, contaram-me que ficara seis dias entubado e em coma. Assim que me livrei do entubamento e fui da UTI para a Semi-UTI e depois para quarto, peguei o corona vírus, ficando mais 11 dias no Hospital Sírio Libanês. Ao todo 38 dias. Nestes momentos, o importante é não desanimar, manter o espírito aberto – sempre brinquei com a enfermagem – e manter-se a par do que estava acontecendo no Brasil e no mundo. Foi o que fiz. Estou, todavia, convencido de que as orações de todos e as minhas também – assistia às missas diárias na TV quando fui liberado – levaram o médico divino a curar-me.

J.E. – Ao visitá-lo por duas vezes, não entrei no espaço em que o irmão estava na UTI, pois não me ofereceram máscara, jaleco ou avental descartável. Vi familiares e visitantes que entraram no seu espaço da UTI sem qualquer proteção. Seria uma das causas dos problemas até a contaminação pelo Covid-19?

Ives – Não creio. O mais possível é que dois dos médicos que me tratavam e que tiveram o corona, tenham-me passado.

J.E. – Durante os 38 dias hospitalizado o irmão acompanhou o início da evolução do Covid-19 no Brasil, temendo-o?

Ives – Quando peguei o novo corona vírus fiquei um pouco preocupado, mas nos 11 dias isolado não tive falta de ar, nem precisei de respirador.

J.E. – Qual a sua reação, em pleno processo de recuperação pós-operatória, ao saber da contaminação pelo Covid-19?

Ives – Não foi agradável, pois já estava internado há 27 dias, mas enfrentei, com tranquilidade, pois não havia outra alternativa.

J.E. – Tenho acompanhado as pesquisas internacionais a envolver medicamentos como Hidroxicloroquina + Azitromicina e Plaquenil. Em França, resultados concretos a partir da Hidroxicloroquina + Azitromicina têm sido reais, mormente a partir do protocolo do Dr. Didier Raoult, de Marselha. Correntes do governo francês contrariam as pesquisas alvissareiras do Dr. Raoult. O medicamento não é caro, mas precisa ser indicado por médicos, pois arbitrariamente consumido pode até levar a óbito. Dado o seu estado de saúde pré-Covid-19, esse medicamento foi-lhe administrado? Teria sido igualmente prescrito à Ângela, sua filha na foto, que contraiu o Covid-19 e já está curada?

Ives – Por lutar há 30 anos contra a artrite, tomei Plaquenil e Plaquenol durante muitos anos, que são remédios à base de Quinino. Talvez tenha havido alguma proteção pelo depósito de Quinino no corpo. No hospital, todavia, não tomei o remédio.

J.E. – Não teriam os três Poderes de se debruçar bem mais sensivelmente sobre áreas como saúde, educação, saneamento básico? O SUS, sustentáculo tênue nessa avalanche de infectados que a todo momento acorre aos seus postos, tem sofrido retração constante das verbas. Os índices estratosféricos do Covid-19 nos Estados Unidos não seriam bem inferiores tivesse o país um modelo público, tipo SUS? Não mereceria doravante o SUS uma atenção plena do governo, mormente pelo crescimento excessivo, pós-Covid-19, das classes menos favorecidas?

Ives – Passo-lhe artigo por mim escrito que saiu no Migalhas [vide link abaixo], entendendo que a união entre as três esferas da Federação seria fundamental para combater a Covid-19. Nenhum país do mundo estava preparado para enfrentar a pandemia, com “escolhas de Sofia” sendo feitas em países desenvolvidos como Itália e Espanha. No caso brasileiro, a não obediência ao confinamento tem dificultado ainda mais o combate a sua disseminação.

J.E. – Sobre a problemática confinamento-economia, quais suas perspectivas?

Ives – “É difícil dizer. Os governos estão gastando mais e recebendo menos. Se forem para um aumento da carga tributária para compensar a perda, esgotarão a sociedade e atrasarão a recuperação. Se pretenderem emitir moeda para se autofinanciar gerarão, no tempo, inflação.

A única forma seria, visto que 35% aproximadamente da carga brasileira é destinada aos servidores públicos de todas as entidades federativas e poderes, que houvesse um gesto de redução temporária de seus vencimentos, visto que está havendo redução de salários no setor privado e desemprego. Neste sentido, passo-lhe o texto de meu artigo “A omissão burocrática” publicado no “Estadão” [vide link abaixo]. O certo é que o mundo terá que repensar em nível de solidariedade e soluções econômicas e sociais a partir de agora. No Brasil, só com a redução da esclerosada máquina burocrática teremos condições de sair da crise.
Há 50 anos faço o melhor negócio do mundo: dou meia hora do meu dia assistindo uma missa e mais algum tempo entre oração, terço e poucas devoções, e recebo mais de 21h de Deus para gozar daquele dia. Nenhum banco pagou juros tão generosos, em qualquer momento da história da humanidade.

J.E. Ives enviou-me as respostas no dia 19 de Maio. Há exatamente 20 anos morria nosso saudosíssimo pai, figura emblemática na nossa formação, dias antes de completar 102 anos e um ano após nossa querida mãe. Hospitalizado, ouvi, uma hora antes do desenlace, as batidas aceleradas de um coração que batera sem cessar de 1898 ao ano 2000. Dois dias após, ouvia em uma maternidade o coraçãozinho acelerado da neta Valentina, que está a completar 20 anos. Mistérios insondáveis!

Finda a entrevista, Ives pediu-me para inserir Dumka de Tchaikowski, peça que interpretei em 1962 no Conservatório P.I.Tchaikowsky, Moscou, durante o II Concurso Internacional Tchaikovsky. Agradeço ao dileto amigo Elson Otake que atende à solicitação do irmão, introduzindo a composição no Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=S1IQtIpZCJA

“O combate ao coronavírus”

https://migalhas.com.br/depeso/326553/o-combate-ao-coronavirus

“A omissão burocrática”

https://gandramartins.adv.br/artigo/a-omissao-burocratica/

Today I publish a “conversation” with my brother, the eminent lawyer Ives Gandra Martins, who has recently been admitted to hospital for a simple and quick surgery, expecting to be discharged on the same day. However, a series of unexpected post-surgery complications including a six-day comma and later an infection by coronavirus kept him in hospital for 38 days. The family feared for his life, but fortunately he is already at home in a good general state. In this interview for my blog, Ives talks about his days in hospital and how his strong faith contributed to a positive attitude towards his health. As an expert tax lawyer, he also gives his views on the predicted economic and human chaos after Covid-19, stating that in Brazil, only with the reduction of its sclerotic bureaucracy the country will be able to get out of the crisis.


Permanecerá na história

A vida é muito curta para ser pequena.
É para os outros,
pelo esforço contínuo incansável que podemos engrandecê-la.
Disraeli

Nesse trágico período, confinado com minha mulher Regina desde meados de Março, fiquei a pensar se temas culturais devem continuar seu fluxo. Tão desprestigiada tem sido a cultura erudita que nela fixar-se não poderia soar elitismo, mormente escrevendo “protegido” do mal que aflige a humanidade? A quase absoluta atenção da mídia para com o COVID-19 e o espaço restante por ela reservado aos despropósitos das correntes políticas antagônicas – prioritariamente a tomar partido – fazem-me crer que os cerca de 5.000 acessos semanais aos meus escritos – migalhas frente a blogs de entretenimento de toda espécie – encorajam-me a prosseguir.

Tendo abordado uma série de grandes pianistas do passado, após recepção entusiasta por parte de leitores prosseguirei a fazê-lo. Essas excelsas figuras continuarão a desfilar neste espaço como um bálsamo para tantos confinados como nós.

Fixar-me-ei em Marguerite Long, pianista e professora francesa, hoje tratada como lendária por legião de intérpretes e outros músicos. Quando esteve em São Paulo, no segundo lustro da década de 1950, tocou, sob a regência do notável pianista e maestro João de Souza Lima (1898-1982), o Concerto para piano e orquestra  em sol maior de Ravel. No dizer do maestro em seu livro “Moto Perpétuo – a visão poética da vida através da música” (São Paulo, Ibrasa, 1982), “naquela noitada a grande artista executou de maneira incomparável o ‘Concerto em sol maior’ de Ravel, que aliás lhe é dedicado”. Mme Long ofereceu na oportunidade curso sobre técnica e interpretação pianística, tendo eu participado. Após a obtenção de prêmio no 1º Concurso Nacional da Bahia, em 1958, recebi bolsa do governo francês e, tão logo ciente da bolsa, meu saudoso Prof. José Kliass entrou em contato com Souza Lima, mercê de seu amplo trânsito com a pianista francesa. O maestro Souza Lima, ex-aluno de Mme Long, comenta no livro citado: “… José Eduardo Martins, para o qual levei o convite para desfrutar de uma bolsa de estudos na Europa, vindo da grande Marguerite Long e que faz uma arte séria, digna e autêntica”.  Em Paris, foram inúmeras as aulas em sua morada na Avenue de la Grande Armée, nº 16, e outras tantas apresentações nos cursos públicos, às terças-feiras, na Académie Marguerite Long.

Da legião enorme de pianistas que atravessaram basicamente dois séculos, número restrito de excelsos pianistas permaneceram, sobretudo após o invento da gravação no início do século XX. O ilustre compositor e saudoso amigo Francisco Mignone (1897-1986) já observava que “há algo de interessante no concertista; quando ele desaparece, automaticamente desaparece o trabalho que ele fez neste efêmero período de tempo. O concertista muito raramente é lembrado, ao passo que o compositor é diferente na medida em que ele deixa uma obra. É um patrimônio eterno que ele deixa para a Pátria” (São Paulo, Revista Interview, Maio, 1982). Razões tem Mignone e o YouTube, como exemplo, traz a evidência de diferenças claras de acessos aos luminares de antanho se comparados com alguns intérpretes bem mediáticos, estes, por vezes, com quantidade de acessos próxima aos da música pop.

Dos pianistas que são lembrados na história da interpretação, alguns desenvolveram atividades afins, como composição, edições comentadas, livros de conteúdo musical ou autobiográfico. Ferrucio Busoni, Arthur Schnabel, Arthur Rubinstein, Alfred Cortot, Georgy Cziffra, Andór Foldes e outros mais são exemplos.

O caso Marguerite Long é singular. Como pianista, seu nome já estaria entre os notáveis intérpretes franceses do século XX, muitos deles eméritos professores.

Clique para ouvir a Arabesque nº 1 de Debussy na interpretação de Marguerite Long. Gravação de 1930:

https://www.youtube.com/watch?v=VzhaPbVlZGQ

 

A singularidade de Marguerite Long vem dos contatos intensos com os maiores compositores franceses do último século e meio, Saint-Saens, Gabriel Fauré, Claude Debussy e Maurice Ravel, mormente com os três últimos. Ter privado em alto nível da amizade desses luminares da música e ter sido dedicatária do 4º Impromptu de Fauré, do Concerto em sol maior de Ravel — apresentou-o em primeira audição mundial aos 14 de Janeiro de 1932 sob a regência do autor —, de Études de Roger Ducasse -, de Navarra, do compositor espanhol Isaac Albéniz, colocam-na em posição especial no panteão dos grandes intérpretes. Em primeira audição, entre outras obras de Debussy que, em carta a seu editor Jacques Durand, escrevia “…Madame Long qui joue si bien du piano” (1917), apresentaria os Études pour les cinc doigts e pour les arpèges composés, 1º e 11º, respectivamente. Quanto à Fantaisie para piano e orquestra, esta foi apresentada pela pianista 18 dias após a première oferecida por Alfred Cortot em 1919, pouco mais de um ano após a morte do compositor. Em 1917, no Chalet Habas em ST-Jean-de-Luz, durante dois meses teve aconselhamentos esparsos de Debussy relacionados aos seus 12 Études e aos dois cadernos de Images. Estrearia Le Tombeau de Couperin para piano solo de Ravel, coletânea constituída por seis peças, sendo a última, Toccata, dedicada ao marido de Marguerite Long de Marliave, capitão Joseph de Marliave, abatido na batalha de Spincourt em 1914, início da 1ª Grande Guerra. Faria a estreia da Ballade de Fauré em 1907 — versão para piano e orquestra – com D.H. Inghelbrecht na regência. Tive o privilégio de assistir à última apresentação pública da Marguerite Long, que se deu aos 3 de Fevereiro de 1959, tendo como regente o próprio Inghelbrecht. Ao findar a execução da Ballade de Fauré, milhares de pétalas de rosas foram jogadas no palco vindas das galerias do Théatre des Champs-Elysées.

Clique para ouvir o Impromptu nº 2 op. 31 de Fauré na interpretação de Marguerite Long:

https://www.youtube.com/watch?v=bz7TREqNiFs

Neste espaço, há anos comento a respeito da tradição. É ela o fio condutor que norteia diretrizes interpretativas através dos tempos. Ter estudado com Marguerite Long algumas obras essenciais de seu acervo pianístico, com anotações da mestra em minhas partituras, serviu-me de guia seguro do repertório francês a que se dedicou, mercê de ter ela presenciado o day after da criação dos três nomes maiores da composição da França no período, assim como de outros compositores do período. Seria lógico supor que, mesmo já idosa, o que teria certamente alterado determinadas recordações, a estrutura básica dessa apreensão das 0bras de Fauré, Debussy e Ravel manteve-se eficaz.

No próximo post abordarei os três livros de Marguerite Long consagrados à tríade de compositores, assim como seu método “Le Piano”.

In this post I write about Marguerite Long, French pianist and teacher, a legend in her own time. She was one of the most important pianists in France in the first half of the 20th century, but her rather unique position comes from intense contacts with gigantic French composers like Saint-Saens, Fauré, Debussy and Ravel. Fauré, Ravel, Albéniz and Ducasse dedicated works to her. Thanks to a scholarship granted by the French government, I have been lucky to study during three years with her, a sure guide to learn and respect the French classical piano tradition.