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Criações de Jorge Peixinho para piano

No meu caso, tendo para a liberdade e tendo para o rigor.
Pretendo que essa liberdade, a liberdade da criação,
as opções que a cada momento se me põem [...]
estejam sempre temperadas por um princípio de rigor muito forte.
Um rigor que pode ser um rigor “a priori”,
um rigor pré-determinado, o qual existe por vezes na minha obra,
mas que devo confessar,
nasce na maior parte dos casos um pouco depois.
Jorge Peixinho (1940-1995)
(in “A caminho de novos portos”)

Jorge Peixinho (1940-1995), nascido em Montijo, Portugal, foi um dos grandes nomes da música portuguesa e mundial na segunda metade do século XX. Mente curiosa e inventiva, agregou à composição inúmeros processos criativos que enriqueceram a linguagem musical e se apresentam como estimulantes desafios para os intérpretes.

Oportuno e providencial o aprofundamento a que se dedica a pianista e professora Ana Cláudia de Assis, que, após criteriosas pesquisas, brilhantemente tem divulgado a música contemporânea. “A caminho de novos portos: o piano de Jorge Peixinho no intercâmbio musical entre Brasil e Portugal (1970-1990)”, (Lisboa, CESEM – Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, NOVA FCSH, 2023) é resultado de um segundo pós-doutoramento junto ao CESEM/Universidade NOVA de Lisboa, supervisionado pelo notável musicólogo Mário Vieira de Carvalho. O prefácio preciso é assinado pelo musicólogo e compositor Manuel Pedro Ferreira. Louvem-se os relevantes trabalhos acadêmicos da pianista sobre César Guerra-Peixe (1914-1993) e o inquestionável Fernando Lopes-Graça (1906-1994). Com ampla atuação no Exterior, nessa busca incessante de divulgar a criação contemporânea tem de maneira sistemática corroborado as ligações da música composta em Portugal e no Brasil.

A autora traz a público a importância fulcral do compositor, pianista e professor Jorge Peixinho e a sua relação com o Brasil. Conhecedor profundo das tendências composicionais vigentes e emergentes da Europa, criou um estilo muito pessoal. Seus contatos com músicos brasileiros foram férteis, principalmente aqueles mantidos com alguns compositores que participavam do Festival Música Nova, criado por Gilberto Mendes (1922-2016) na cidade de Santos e que acontecia todos os anos.

Para que “A caminho de novos portos” tivesse a amplitude necessária quanto ao conhecimento de Jorge Peixinho, suas aspirações, sua atividade musical, seus contatos com músicos brasileiros, Ana Cláudia preliminarmente se muniu de farto material, a abranger os programas apresentados por Peixinho, a recepção crítica ou não e as missivas tão bem elaboradas pelo compositor.

“A caminho de novos portos” desvela parte sensível das inquietações de Jorge Peixinho, compositor que estava, à maneira de um vulcão, em constante erupção criativa. Segui-lo através do histórico das composições para piano, estas acompanhadas por criteriosas análises da autora, corrobora o necessário entendimento de tantos porquês, até então ocultos, virem a público com competência. Reproduz, com imagens, programas, cartas e explicações de Peixinho, as  intenções do compositor para a exata interpretação de sua música.

A interação Portugal-Brasil, que evidencia o fascínio de Jorge Peixinho pelos trópicos, sempre à busca de uma integração plena entre compositores portugueses e brasileiros, assim como tantos da América Latina, está documentada em cartas de Peixinho a vários interlocutores, mormente a Gilberto Mendes, seu amigo-irmão na música e em tantos outros temas, material esse valiosíssimo colhido por Ana Cláudia de Assis em inúmeras fontes, entre as quais a de Eliane Mendes, viúva de Gilberto. Essa intensa troca de missivas entre os dois mestres, se de um lado tratava de assuntos protocolares a envolver as expectativas da travessia atlântica, voltava-se às tantas apresentações de Peixinho no Brasil, aos temas do cotidiano, a revelar igualmente alguns processos criativos tão presentes na escrita de ambos.

A primeira carta de Peixinho a Gilberto Mendes (25/01/1964) prenuncia uma relação que se estreitaria e que se estenderia até a morte do compositor português aos 30 de Junho de 1995: “E preparemo-nos para um intercâmbio futuro!”. Esse estreitamento, que se aprofundaria a partir do primeiro encontro pessoal em 1968, nos Ferienkurse für Neue Musik em Darmstadt, Alemanha, ficaria indelével a testemunhar uma amizade singular.

A autora, ao elencar as turnês de Jorge Peixinho pelo Brasil, ao longo das onze vezes em que viajou pelo país como pianista, compositor, palestrante e professor (1970-1994), dimensiona as afeições. De todas as cidades, Santos seria seu porto seguro, graças fundamentalmente à amizade profunda que manteve com Gilberto Mendes e Eliane.

De importância, o turbilhão de ideias que povoava a mente de Jorge Peixinho. Ana Cláudia se debruça sobre as buscas por novos processos que porventura pudessem proporcionar a Peixinho uma apreensão sonora inusual. O piano como laboratório de sons inusitados.

Se essa atitude era corrente na composição de outros autores, máxime na segunda metade do século XX, frise-se o cuidado de Jorge Peixinho para que procedimentos não resultassem no impacto pelo impacto junto ao público. Antolha-se-me que a ele importaria extrair os recursos possíveis do instrumento não aleatoriamente, mas a seguir sua mente privilegiada. Por esse motivo anexou, na apresentação de tantas partituras, grafismos que orientam o intérprete sobre suas intenções para a performance mais exata possível de suas obras. Jacques Février (1900-1979), o ilustre pianista e professor francês, apregoava: “há mil maneiras de se tocar uma obra, uma só é equivocada, trair o pensamento do autor”. As prévias explicações de Peixinho se tornam uma garantia para a boa interpretação. Desconhecê-las pode distanciar o intérprete de uma execução fiel.

Após a morte de Jorge Peixinho, Gilberto Mendes, a meu pedido, compõe o “Estudo, Ex-tudo, Eis tudo pois” (1997), in memoriam Jorge Peixinho, criação que apresentei em première no Mosteiro da Orada em Monsaraz, no Alentejo (17/07/1997), com a presença do Exmo. Presidente de Portugal, Dr. Jorge Sampaio. Mendes lembra-se do amigo através de tratamentos da escrita professados por Peixinho, assim como do gosto pessoal pelo cotidiano ou outro gênero musical, elementos que pontificam no magnífico tributo gilbertiano.

Clique para ouvir, de Gilberto Mendes, “Estudo, Ex-tudo, Eis tudo pois”, in memoriam Jorge Peixinho (1997), na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=eXy69fjF-Yw

No próximo blog comentarei a obra para piano de Jorge Peixinho (18 peças), mormente os cinco Estudos, pormenorizando, entre esses, o “Étude V Die Reihe-Courante” e sua trajetória. Ana Cláudia com agudeza pormenoriza no precioso livro os caminhos diferenciados empreendidos por Peixinho na elaboração de seus Estudos. É justamente o “laboratório mental” do compositor que o impediu de compô-los num curto período, como habitualmente assim procederam seus antecessores privilegiando aspectos técnico-pianísticos e reunindo-os em coletâneas: Chopin, Liszt, Scriabine, Rachmaninov assim agiram. Jorge Peixinho estava a buscar “novos portos”, daí a distância temporal entre os Estudos.

Ana Cláudia de Assis, pianist, teacher and musicologist, in researching the piano work of the notable Portuguese composer Jorge Peixinho makes a significant contribution  not only to the analysis of his creations, but also highlighting the composer’s love affair with the Portugal-Brazil bridge. He has visited Brazil 11 times for concerts, lectures and classes, preferably playing Portuguese music.

 

Respondendo aos incentivos recebidos

A música torna um homem sábio?
Só há sabedoria se associada à perenidade e serenidade:
A sabedoria não só é coextensiva com toda a vida,
como também nos traz calma e reduz a nossa inquietude.
Parece, no entanto, que a música nunca nos dá uma sabedoria total, mas apenas uma meia-sabedoria:
quando os seus efeitos são duradouros, são avassaladores;
e quando é tranquilizadora,
a serenidade que lhe devemos é geralmente efêmera.
Vladimir Jankélévitch

Agradeço aos leitores pelas inúmeras mensagens “provocadoras” posicionando-se a favor da continuidade das apresentações pianísticas públicas. Mencionam tantos retornos, após a definição de encerramento de ilustres figuras das artes ou de destacados esportistas, decisões essas que poderiam me levar a considerar resolução consciente tomada. Comove-me essa preciosa atenção.

Não tivesse havido um outro recente findar, referindo-me às gravações, cujo término se deu em 2019, igualmente voluntário e sem quaisquer sequelas, o término presente poderia estar sujeito à mudança de atitude. Anteriormente já mencionara que o período pandêmico, entre males e precauções, serviu para reflexões sobre a existência e finitudes, mercê de tantos que se foram, não poucas figuras conhecidas, inclusive uma querida cunhada. A incerteza quanto à vida levou-me à certeza da precisa finitude que se avizinhava, o encerramento da atividade pianística pública. “Qual a sua razão de não empregar a palavra carreira”, questiona um leitor. Jamais utilizei o termo, este destinado àqueles que se apresentam sistematicamente dezenas de vezes ao ano. Apesar de ter repertório tradicional, que poderia proporcionar quantidade de recitais e consequente repetição repertorial, tinha a convicção de que obras do passado criadas por notáveis compositores, mas pouco ou nada frequentadas, assim como determinadas tendências da composição contemporânea que me encantam, ajudaram-me a descortinar o desconhecido, revelando soluções incríveis que, ao longo dos séculos, grandes mestres têm depositado nas partituras. Farol que me permitiu singrar a via musical sempre amorosamente. Reza a história que o grande público gosta de ouvir as obras consagradas, repetitivamente apresentadas, necessidade que a ele se impõe de manter referências.

Clique para ouvir, de Alexandre Scriabin, Feuillet d’Album Op. 45, nº 1, na interpretação de J.E.M:

https://www.youtube.com/watch?v=ug7MD8jWo4M&t=61s

Ao longo de dezesseis anos e meio de blogs ininterruptos não deixo de salientar compromisso com a música. A finalização da apresentação pública não significa a interrupção abrupta. Continuarei a perpassar quantidade expressiva de obras que me ajudaram a entender o potencial da música sobre o homem. Irei apresentá-las em reuniões reservadas, precedidas de comentários sobre a criação musical. Aprofundamentos estão em andamento a respeito de algumas composições eleitas ou a redescobrir.

Um dos meus autores preferidos, o filósofo-musicólogo Vladimir Jankélévich (1903-1985), tantas foram as suas obras que percorri desde os anos 1970, tem uma passagem basilar em um de seus livros essenciais: “La Musique et l’Ineffable” (Paris, Éditions du Seuil, 1983). Escreve: “Há na música uma dupla complicação, geradora de problemas metafísicos e morais, feita para distrair nossa perplexidade. De fato, a música é por sua vez expressiva e inexpressiva, séria e frívola, profunda e superficial; ela tem e não tem uma razão. Seria a música uma diversão sem limite? Ou talvez se trate de uma linguagem cifrada e como o hieróglifo de um mistério? Ou talvez os dois juntos?”.

Marcelo, um amigo várias vezes mencionado nos blogs, fez-me anos atrás a pergunta descontraída e que está, coincidentemente, explícita no texto de Jankélévich. Seria a música entretenimento e diversão ou algo mais? Respondi-lhe na ocasião que, fosse ela diversão ou simples entretenimento, não estaria eu a dedicar a existência cultuando-a. Jankélévich insere palavras fulcrais: “séria e frívola, profunda e superficial”. Séria teria toda relação com profunda, razão e conhecimento se aplicam à música clássica, culta, erudita ou de concerto. Frívola e superficial inserem-se no “codinome” efêmero. Os séculos apenas ratificam a imanência da música de concerto. Apesar da desproporção gigantesca entre a música permanente e a efêmera, é esta última que tem aumentado assombrosamente a divulgação frente às multidões que acorrem aos espetáculos, majoritariamente em amplos espaços. Para o gênero frívolo, a mutação constante e o esquecimento do que foi apresentado no espetáculo anterior norteiam aqueles que a ele se dedicam, promovem e arregimentam numeroso público, geralmente mais jovem. A mutabilidade do efêmero torna-o motivo de anseio para milhões de adeptos em busca de ídolos, incensados no ato, substituídos rapidamente por outros.

 

Não sou insensível à música não pertencente à denominada clássica. Admirei alguns “clássicos” da música popular e a lista é longa: o jazz band norte-americano sob a condução de Benny Goodman, Tommy Dorsey, cantores como Ella Fitzgerald, Bing Crosby, Frank Sinatra, Charles Aznavour e os nossos Lupicínio Rodrigues, Ataulfo Alves, Dorival Caymi, Tom Jobim e tantos outros. Suas criações, que perduraram durante décadas, basicamente estiolaram-se com o emergir frenético de tendências outras em mutação impactante e musicalmente duvidosas e descartáveis.

Essas divagações apenas ratificam algo que entendo como dádiva, a de continuar a cultuar a música denominada clássica. O repertório é imenso. O pianista teria de viver gerações para conhecer parte do legado deixado por mestres que escreveram para cravo, pianoforte e piano.

Finda a apresentação pública, abre-se um caminho novo que me entusiasma, o intimismo diante de amigos fiéis. Precedida de uma explanação sobre determinado tema, interpretarei periodicamente algumas obras referenciais. Regina participará executando criações que a História preservou. Se as sonoridades estarão presentes, dois livros começam a ganhar forma em minha mente.

Acredito ter respondido aos inúmeros leitores que generosamente me pedem para prosseguir. Nestes próximos meses outras gravações, constantes nos meus CDs, serão introduzidas no Youtube. Bem hajam.

Clique para ouvir, de Jean-Philippe Rameau, “Les Niais de Soligne”, na interpretação de J.E.M:

https://www.youtube.com/watch?v=xdKjHjNx700&t=299s

I have received many messages encouraging me to continue with the public performances. I’d like to make a few comments on the subject and thank the readers for their kindness.

Trinta e tais anos após

Quer-me parecer que um compositor deve ser,
antes de mais, um homem de cultura
que saiba traçar grandes linhas de força sobre o tempo.

Eurico Carrapatoso

Surpreendi-me ao receber e-mail de uma ex-aluna dos anos 1980 que esteve sob minha orientação na universidade. Jovem, aplicada, após a conclusão de seus estudos nunca mais tivemos contato. Ao ler a entrevista publicada pelo Jornal da USP (vide blog “Entrevistas e entrevistas”, 23/07/2023), obteve meu endereço eletrônico e escreveu.

A razão do contato foi motivada pelos estudos pianísticos que sua filha, hoje com 17 anos, está a realizar. Tem ela imensas dúvidas quanto ao repertório para piano, escolhas a serem feitas, níveis de dificuldade das obras e penetração junto ao público. Esses questionamentos revelam inicialmente um aspecto que considero fulcral, a curiosidade, senda que leva à vontade de saber, independentemente das palavras do seu orientador.

Prometi à minha antiga aluna que escreveria oportunamente um blog sobre o tema, que serviria mais como sugestão, dado o fato de o repertório para piano ter dimensão oceânica. Não obstante, há obras para cravo que se perenizaram, compostas a partir do século XVII, penetrando com ênfase o séc. XVIII, mas que são interpretadas ao piano e que hoje fazem parte do seu imenso repertório. Entre os meus 25 CDs gravados no Exterior, cinco foram dedicados a compositores daquele período glorioso, Johann Kuhnau (1660-1722), Jean-Philippe Rameau (1683-1764) e Carlos Seixas (1704-1742). Considere-se também as criações da segunda metade do século XVIII ao império do piano no século XIX a avançar pelo século XX, períodos em que o piano reinou entre todos os instrumentos. Apesar da imensidão do repertório para piano, parte substancial qualitativa a ele destinada está submersa, poucas vezes ou nunca visitada e fatores claros mostram-se presentes.

Teria a considerar que há basicamente três caminhos quanto à escolha repertorial. Uma, tradicional, em que o intérprete se fixará, e que corresponde ao grandioso repertório exaustivamente visitado. A maioria dos pianistas a ele se dedica. O notável compositor Gilberto Mendes (1922-2016) é incisivo ao criticar “…parte dos pianistas rotineiros, que já se tornaram como que mecânicos datilógrafos de um repertório burocrático”. Estes o fazem em detrimento de uma infinidade de outras criações dos luminares da composição, mas que, por motivos tantas vezes desconhecidos, não alcançam a graça do intérprete, seja por desconhecimento, pela própria exigência do mercado que prefere as obras já sedimentadas no gosto do público e pelo empresário que, na opinião do ilustre musicólogo argentino Juan Carlos Paz (1897-1972), só visa ao lucro. No que concerne aos concursos para piano que proliferam pelo planeta, a repetição ad nauseam das mesmíssimas, mas extraordinárias obras, diga-se, serve de efeito comparativo entre os concorrentes e desfaz seus prováveis interesses pelo desconhecido ou novo repertório. Administradores desses concursos, empresários, professores, patrocinadores e o jovem executante se satisfazem com essa engrenagem. Findas essas etapas de concursos, uma extensa maioria de concorrentes persistirá, durante a existência, a reverenciar em público o mesmo repertório hiperdivulgado.

Uma segunda escolha, sem desprezar o repertório tradicionalmente oferecido, embrenha-se na criação do passado que permanece oculta. Diria que se tem nesse compartimento a parte submersa de um iceberg. Nele, composições extraordinárias dos grandes compositores, possivelmente o volume maior de suas criações, lá se insere pelo fato de não ter havido, no momento histórico preciso, a divulgação necessária. Partituras depositadas em arquivos ou publicadas em edições urtext, aguardam a redescoberta. Somam-se, às criações sepultas de compositores bem aceitos, outras, de músicos qualitativos que jamais tiveram desvelamentos por motivos os mais diversos. Apenas a curiosidade que conduz ao aprofundamento motiva essa opção.

Uma terceira alternativa seria a da música contemporânea. Nesse item há de se ter cautela, mas se o aluno for bem orientado, encontrará criações excelsas. Necessária a prospecção e, a depender da orientação, o repertório contemporâneo pode ser uma opção de grande interesse. A proliferação de compositores das mais variadas tendências na atualidade exige do intérprete atento um espírito seletivo. O notável compositor francês Serge Nigg (1924-2008) afirmaria que “Quando um Festival especializado anuncia, como exemplo, ’80 criações mundiais’, tem-se frio na espinha”.

Antolha-se-me que, desde jovem, o intérprete deve saber ouvir as interpretações relevantes que, mercê da tecnologia, estão à inteira disposição através dos aplicativos. A escuta dos grandes mestres do teclado enriquece o gosto, aperfeiçoa o estilo e desperta o espírito crítico, pois quase todas as obras basilares compostas para piano têm várias gravações à disposição.

Se as três opções básicas mencionadas evidenciam vasto repertório e possibilidade de aprofundamentos, imperioso se faz, inicialmente, a dedicação ao repertório tradicional. Dele se extrairão as bases seguras para a visita às duas outras alternativas elencadas neste espaço e a escolha de um caminho. Todavia, de suma importância a atenção à Cultura Geral, como apregoa o autor da epígrafe, o notável compositor português Eurico Carrapatoso (1962-).

O questionamento de minha ex-aluna direcionava-se ao repertório. Contudo, consideraria ainda que, durante a formação, iniciada para muitos ainda na idade edipiana, há a imperiosa necessidade da formação daquilo que se considera como “técnica do piano”. Dezenas e dezenas de métodos, que partem da técnica mais elementar às formulações arrojadas, existem há mais de dois séculos. Não obstante, o jovem, tão logo tenha o domínio do teclado, deve ater-se às formulações técnico-pianísticas que se apresentam nas obras do repertório. Jean Doyen, um dos meus grandes mestres e inefável pianista (1907-1982, http://www.musimem.com/Doyen_Jean.htm), dizia que as fórmulas que foram essenciais no aprendizado, perpassando tantas vezes todas as tonalidades com a utilização do mesmo dedilhado, não serão empregadas durante a existência, mas sim cada desafio técnico exposto nas composições estudadas.

Disciplina, perseverança, dedicação, concentração e amor à Música são elementos basilares para que a evolução nos estudos se concretize de maneira harmoniosa.

Meus sinceros votos à minha ex-aluna e à sua filha que está a escolher uma atividade plena de sacrifícios, mas que traz resultados extraordinários não apenas musicais. Considero uma dádiva ser músico.

A former student writes to me asking for repertoire advice for her 17-year-old daughter. I consider three basic categories possibilities concerning the solo piano repertoire.