Navegando Posts publicados por JEM

Um livro de síntese e esclarecedor

O futuro dos seres humanos está nas mãos dos que,
desde jovens, decidirão que nada é mais importante
do que encontrar caminhos que promovam
a justiça e o respeito do indivíduo,
sem violentar as leis biológicas eternas.

Jean Hamburguer

Meu dileto amigo Cláudio Giordano, escritor, tradutor e editor, brinda seus leitores com a tradução de “A mais bela aventura do mundo” (Biblioteca Paulo Masuti Levy, 2024), de Jean Hamburger (1909-1992), notável médico, pesquisador e escritor francês, reconhecido internacionalmente pelas conquistas obtidas no tratamento dos males renais e nos avanços dos transplantes e do rim artificial.

Admirador inconteste da avaliação crítica segura de Giordano, fui levado à curiosidade ao ler o prefácio por ele elaborado de La plus belle aventure du monde: “Leitura e releitura das mais gratificantes que já fiz. Não satisfeito, achei de traduzi-la e divulgá-la, abreviando-lhe o conteúdo, mas esforçando-me (em que pese a inevitabilidade de traduttore traditore) para não ofuscar o texto original; não que o tamanho deste me tenha parecido excessivo. Longe disso”.

Confesso ter sentido impacto ao ler o livro de 103 páginas. Veio-me a mente uma obra que adorei quando dos meus 13 anos, presente dos meus pais, “10.000 anos de Descobertas”, de Bruno Kaiser, no qual, a preceder cada aventura da História da Humanidade, havia uma gravura de Paul Boesch, despertando naquele adolescente o interesse pelo texto preciso (vide blog: “10.000 Visitantes – 10.000 Anos de Descobertas”, 18/01/2008).

“A mais bela aventura do mundo” é uma obra da mais apurada síntese, pois a erudição científica de Jean Hamburguer possibilitou-lhe questionar: “Afinal o que é a nossa vida? Como compreender nossa estranha aventura?”. Continua: “Para enxergá-la mais claramente, era preciso antes procurar saber mais sobre o início da história toda dos seres humanos. Somente após ter compreendido como chegamos ao ponto em que nos encontramos hoje é que eu teria condições de descobrir a chave do enigma”.

Jean Hamburger perpassa a vida bem antes do surgimento do ser humano sobre a Terra. Considera o desaparecimento dos dinossauros e a permanência de micróbios e mosquitos que os precedem, mas que ainda persistem, apesar de tantos avanços da medicina e dos pesticidas, respectivamente. Observa com agudeza o desaparecimento de tantos seres animados, mas também suas transformações. Não exclui o interesse na repetição infindável dos mesmos procedimentos, no caso específico das formigas em suas colônias, onde inexiste o “individualismo”.

Todo o texto de Hamburguer é didático, mas claro e objetivo. Nada foge à sua observação traduzida em síntese. Nos capítulos iniciais apreende a história “anônima” de tempos remotos, mas será a partir das grandes descobertas da ciência e da medicina, realizadas por personalidades de saber, que o autor precisa teorias que ensejaram novos aprofundamentos. Desfilam figuras consagradas como Demócrito (460-370 a.C.), Chevalier de Lamarck (1744-1829), Charles Darwin (1809-1882), Nicolas Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630), Isaac Newton (1642-1727), Lavoisier (1743-1794), Pierre Curie (1859-1906) – Marie Curie (1867-1934), Louis Pasteur (1822-1895), Alexander Fleming (1881-1955), Albert Einstein (1879-1955) e tantos outros que foram pilares absolutos quanto à pesquisa e seus resultados, máxime nos últimos tempos. Ao abordar o ser humano, o autor expõe desde o extraordinário caminho que leva à fecundação e ao elaborado desenvolvimento de todos os órgãos até o nascimento do bebê. Nada foge à sua observação traduzida em síntese. Escreve Jean Hamburguer: “A espécie à qual pertencemos, a espécie humana, é dotada de inteligência surpreendente. Mas não é a única vantagem que temos sobre os demais animais: a comunicação só pode ser feita entre animais vivos; mas os seres humanos têm meios de linguagem muito mais eficazes: mesmo depois de mortos, os seres humanos do passado podem fazer com que tiremos proveito do que eles pensaram e descobriram, graças a seus escritos”. Observa, contudo, que o ser humano “muniu-se ao mesmo tempo de armas terríveis como a bomba atômica, e de remédios maravilhosos que curam doenças outrora mortais, ou até vacina previamente para proteger contra a doença”.

Se tantas informações contidas em “A mais bela aventura do mundo” são sobejamente conhecidas, é a reunião competente de Jean Hamburger de tantas descobertas e invenções realizadas pelo ser humano, através do olhar didático e informativo do autor, desviando-se de ideologias, que torna o livro tão pleno de interesse. Uma viagem, mercê do maravilhamento diante das descobertas científicas, incluindo o ainda “modesto” desvelamento do universo.

Recomendo vivamente a leitura de “A mais bela aventura do mundo”, congratulando-me com o tradutor Claudio Giordano, uma das figuras mais marcantes não apenas como editor, mas como sereno agitador cultural.

Jean Hamburger’s book “La Plus belle aventure du monde” (The Most Beautiful Adventure in the World), translated into Portuguese by the writer, translator and editor Claudio Giordano, takes us from immemorial times to the great discoveries made by scientists in the most varied fields over the centuries.

Mensagens estimuladoras em torno do poeta

Sim, o crítico dos críticos é só ele – o tempo.
Infalível e insubornável.
As grandes obras são como as grandes montanhas.
De longe, vêm-se melhor. E as obras secundárias,
essas quanto maior for sendo a distância,
mais imperceptíveis se irão tornando.
Guerra Junqueiro (1885)

Surpreendi-me com o número de leitores que admitem ter lido muitos dos poemas do notável poeta português. Causou-me igualmente esperanças, pois é a evidência de que Guerra Junqueiro permanece presente para tantos aficionados pela poesia excelsa.

Aurora Bernardini, professora titular da FFLECH-USP, tradutora e escritora, escreve: “Grande poeta, grandes lembranças…”

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH-USP, sempre presente neste espaço, tece considerações: “Muito gostei de você relembrar Guerra Junqueiro. ‘O melro’ é poesia filosófica, considero que não é antirreligiosa, ao contrário, é contra os religiosos, que, mesmo praticantes, não têm sentimento religioso. Li na juventude e ainda tenho ‘A velhice do Padre Eterno’ numa edição da Editora Lello, de 1973, comprado em Portugal”.

Maria Stella Orsini, professora titular da FFLECH-USP, comenta: “Que prazer saber que seu pai, como o meu, admirava o grande poeta GUERRA JUNQUEIRO. Recitava suas poesias com muita propriedade. Meu pai tinha uma memória prodigiosa. Recitava poesias que tinha aprendido na escola primária. Bons tempos em que a educação era valorizada! É verdade que foi esse talento que propiciou que ele tivesse e mantivesse três profissões. Exerceu as três até a sua aposentadoria. Feliz de quem teve pais como os nossos”.

Poderia parecer saudosismo, mas era comum, para aqueles nascidos nas fronteiras do meio século anterior, o culto à Cultura Humanística. Maria Stella Orsini, colega nos tempos da ECA-USP, bem salienta “Bons tempos em que a educação era valorizada”. A poesia era ferramenta essencial no aprendizado e a Cultura Humanística fazia parte essencial dos currículos escolares. Qual não foi meu desprazer ao testemunhar, num telejornalismo, um repórter com o mapa da Itália em vermelho e, como ajuda, acrescentando que o país também era conhecido como “bota”, perguntar a estudantes adolescentes que país era aquele. Respostas desconcertantes e nenhum acertou. Um deles se esmerou e disse “África”! O que esperar, quando aqueles que deveriam dar o exemplo, mas que se tratam por “Excelências”, figuras que pululam no Poder, escorregam no vernáculo e buscam quase que exclusivamente os seus interesses políticos! A Educação, e dela a integrar a Cultura Humanística, não é preocupação da extensa maioria de “Suas Excelências”.

O compositor e professor titular da UFRJ, Ricardo Tacuchian, focaliza o blog sobre a mudança de residência, que precedeu o dedicado a Junqueiro, mas recebido por esses dias:

“Somos de uma geração que sobreviveu à mais aguda transformação da história da humanidade. Alcançamos nossas plenitudes emocional e cultural num mundo absolutamente analógico e conseguimos sobreviver num mundo cada vez mais digital. Esta foi para nós uma verdadeira mudança de moradia, permanecendo no mesmo planeta, mas numa outra atmosfera. Assim, a mudança de endereço que foi o berço de tantas conquistas fica pequena diante do novo mundo em que vivemos, novos valores, novos questionamentos. Você mudou de endereço mas não mudou de ‘casa’: porque o espaço físico ficou diferente, mas o espaço espiritual continua o mesmo e em eterna evolução. Que você seja feliz no novo endereço, junto a Regina, suas filhas, suas netas e bisnetos. E, também, seu piano divino”. Rapidamente estamos nos acostumando com a inédita realidade no apartamento.

Flávio Viegas Amoreira, poeta, escritor e crítico literário, amplia o tema direcionando-o à literatura portuguesa: “Nesta semana de 16 de março que comemoramos 200 anos do imenso romancista e poeta Camilo Castelo Branco, que alegria reler os poemas ‘Fim de Tormenta’ e ‘Regresso ao lar’ cotejando mesma temática suscitada por esse blog clássico em ‘Visita à Casa Paterna’ de Luís Guimarães Junior! Que preciosidade sua abordagem interdisciplinar abarcando múltiplos aspectos da Cultura Luso-Brasileira querido amigo José Eduardo!”.

Guerra Junqueiro permanece vivo na memória dos nascidos no período mencionado e presente em parcela menor, mas esclarecida, na mente de jovens que herdaram o culto à poesia etérea.

In this post I transcribe messages received with comments on the previous one, dedicated to the great Portuguese poet Guerra Junqueiro.

 

Mensagem que me levou à releitura precisa

Não faço versos por vaidade literária.
Faço-os pela mesma razão que o pinheiro faz resina,
a pereira, peras e a macieira, maçãs:
é uma simples fatalidade orgânica.
Os meus livros imprimo-os para o público,
mas escrevo-os para mim.
Guerra Junqueiro (1887)

Bastaram umas palavras de Flávio Amoreira, poeta, escritor e crítico literário, para que o grande poeta português aflorasse em minha mente. Escreveu-me generosamente: “aos sábados faz anos alguns rituais do saber: ler os textos de José Eduardo e reler algum poema de Guerra Junqueiro, poeta de nossa estima imorredoura!”.

A minha admiração incondicional pelo mestre nascido em Freixo de Espada à Cinta, Ligares, vem da infância, pois Guerra Junqueiro foi um dos poetas eleitos de meu Pai, que sabia de memória vários poemas do autor, inclusive um que lhe era caríssimo, “O Melro”.

No longínquo 2010 (03/07) resenhei “A Música de Junqueiro”, livro coordenado pelo professor Manuel S. Pereira da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, em que uma frase de Guerra Junqueiro marcou-me: “A música é poesia incorpórea”. Conscientemente ou não, desde os tempos juvenis os versos de Guerra Junqueiro soavam aos meus ouvidos como sonoridades. Tardiamente, essa constatação era ratificada nas palavras do escritor, ensaísta e professor de filosofia em Portugal, Miguel Real: “A liturgia que a arte exige procede por aproximações, cada uma mais amorosa que a anterior. Primeiro, ler os poemas de Junqueiro em silêncio como antecâmara de um gozo celestial; depois, lê-los em voz alta, como momento de possessão carnal do poema a entranhar-se em nós; em terceiro lugar, quando o poema já é nosso, libertá-lo, escutando-o musicado, de olhos fechados, integrando-o no nosso mapa espiritual, isto é, na nossa mente; finalmente, nosso que é, fixo no corpo e no pensamento, deixamo-lo emergir na memória – damos por nós a cantá-lo, involuntariamente, a propósito de tudo e de nada”. Em outro post (03/08/2014) sobre Guerra Junqueiro abordei o importante prefácio à segunda edição de “A Velhice do Padre Eterno” (1887).

Três obras me foram caras e permanecem entre meus livros do gênero: “A Velhice do Padre Eterno” (1885), “Os Simples” (1892) e “Pátria” (1896). Alguns versos, guardo-os na memória desde os anos 1950, mercê certamente da influência paterna.

“A velhice do Padre Eterno”, contendo forte dose crítica à Igreja, aos dogmas e aos ritos do catolicismo, é um conjunto exemplar da poesia de Guerra Junqueiro. Bem tardiamente se arrependeria de tê-lo escrito, pois se reconcilia com a religião e tece críticas àquela que é considerada uma das obras primas da poesia portuguesa. Escreveria em “Prosas Dispersas” (1921): “Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. ‘A Velhice do Padre Eterno’ é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos. Animou-me e ditou-me o meu espírito cristão, mas cheio ainda de um racionalismo desvairado, um racionalismo de ignorância, estreito e superficial”. No peristilo da morte, Guerra Junqueiro professaria o catolicismo e a um seu pedido o funeral foi cristão. Dois outros notáveis escritores igualmente em determinado momento da existência se converteram: Vitorino Nemésio, nascido nos Açores (1901-1978), autor de “Mau Tempo no Canal”, obra-prima, e Paul Claudel (1868-1955), poeta, dramaturgo e diplomata francês, ateu, e cuja conversão se deu ao ouvir o coro da Catedral de Notre Dame de Paris.

A releitura atual de alguns poemas de Guerra Junqueiro, “poeta de nossa estima imorredoura”, como bem afirma Flávio Amoreira, ratificou meu apreço pelo autor de “A Velhice do Padre Eterno”.  Impele-me a sugerir aos leitores a visita à obra literária do imenso poeta, que prima por um trato singular e “musical” da nossa língua mãe.

A message from a friend mentioning the Portuguese poet Guerra Junqueiro made me revisit his book ‘A Velhice do Padre Eterno’, one that has been among my favorites since adolescence.