Quantos ouvirão sua posição corajosa?
La musique c’est le langage du coeur.
Jean-Philippe Rameau (1683-1764)
Não quero que ninguém me siga.
Só aqueles que gostam da minha música.
Dori Caymmi
Tardiamente, mercê de posts agendados previamente, comento a entrevista de Dori Caymmi (1943-) ao jornalista Cláudio Leal, da Folha de São Paulo (12/10/2025), texto que leva à reflexão, máxime pela autenticidade do violonista e compositor, filho de uma figura basilar do nosso cancioneiro, Dorival Caymmi (1914-2008).
Ao longo desses 18 anos e meio abordei, em diversos posts, a decadência da música atual de alto consumo que, progressiva e irremediavelmente, direciona-se ao impasse. A entrevista de Dori Caymmi, que certamente desde a infância se familiarizou com a qualidade musical do gênero praticado por seu pai, músico que se tornaria lendário como criador e cantor, revela o peso do DNA, estendido à sua irmã, Nana Caymmi (1941-2025).
Estou a me lembrar de que, ao ganhar bolsa de estudos para curso em Paris, mercê de prêmio em importante concurso de piano em Salvador, na Bahia (1958), permaneci estudando durante três anos com mestres pianistas extraordinários. Em meu quarto havia um toca-discos e ouvia à noite LPs gravados por notáveis instrumentistas, assim como orquestras e corais. Todavia, levei de São Paulo dois LPs de música popular brasileira, um de Dorival Caymmi e outro de Elizeth Cardoso. Reiteradas vezes, naqueles anos fulcrais, fazia-me bem ouvi-los.
Clique para ouvir Saudade de Itapoã, na interpretação de Dorival Caymmi:
Dorival Caymmi – Saudade De Itapoã (1954)
Creio que, se por um lado a música de alto consumo tem-se transformado em êxitos fulminantes quanto à divulgação, apresentações por vezes faraônicas, mas consequente efemeridade, mercê do conteúdo rigorosamente descartável, somada a uma engrenagem unicamente preocupada com o lucro, por outro lado aprofunda-se a derrocada musical, com consequências visíveis camufladas em megashows a aglutinar público imenso.
Dori Caymmi observa que, após a morte de seus pais, houve um grande hiato na sua própria criação de melodias: “Apagou a vontade em mim. A música de mau gosto do entorno contribuiu para minha decisão”.
A atualidade tem sido cruel quanto à perenidade. Na esfera da música denominada popular, Dori Caymmi comenta que o Brasil atravessa “um momento de mau gosto e vazio artístico. A música brasileira está doente. Virou uma coisa de ser famoso, de fazer sucesso. O sucesso normalmente vem com algo fácil de entender e de cantar”. Impressiona o número de influencers “cantores”, sem o menor talento para o canto, que vociferam letras enquanto percorrem o palco com gestos extremos e, por vezes, roupas sumárias, para gáudio de um público enfeitiçado.
Ouvindo-se as canções de Dori Caymmi, nitidamente se verifica a tradição e o cultivo do acabamento bem realizado, tanto na criação musical, onde a harmonização está sempre bem apurada, como na execução cuidadosa do fraseado, a evidenciar que a herança paterna pode sofrer determinadas alterações, o que é benéfico, mas a sua preservação tem tudo para acontecer.
Dori Caymmi aborda a realidade existente nesse confuso ambiente onde funk, rap, sertanejo descaracterizado ocupam espaços, atraem multidões e são incensados pela mídia que, visando a essas audiências, naturalmente conhece os caminhos que levam aos patrocínios. Toda uma engrenagem na qual a qualidade musical é o que menos importa, mercê de outros atrativos. Com propriedade, comenta: “Eu não posso botar roupa brilhante e chamar 12 bailarinos para dançar comigo. Isso não sou eu”. Acrescente-se os megashows vindos do hemisfério norte, anunciados meses antes, atraindo a presença de uma juventude que, por vezes, permanece semanas acampada à espera da abertura da venda dos polpudos ingressos. Parafernália no seu amplo sentido. Os meios de comunicação alardeiam o futuro espetáculo, estimulando uma afluência ainda maior. Esses espetáculos sazonais maciçamente divulgados pela imprensa, com nomes famosos de “cantores” ou “cantoras”, máxime vindos do Exterior, acompanhados por grande estrutura, músicos, dançarinos e especialistas em cenários e iluminação, levam multidões de jovens ao êxtase. Findas as turnês pelo mundo, essas trupes já estão em pleno trabalho para uma próxima turnê, renovando toda a engrenagem. Estilo não se sedimenta nessa mutabilidade constante. A “música” e sua “letra”, apresentadas em altos decibéis, inebriam a juventude que idolatra os “ídolos”, estes mais preocupados com o gestual, os deslocamentos pelo palco com os figurantes e a reação do público. O fraseado da música apresentada sucumbe aos massacrantes decibéis, fato sem importância para o alucinado público. Finda a apresentação, a trupe viaja com os polpudos ganhos, e essa juventude ensurdecida, sem opções culturais de valor, fica a espera do próximo megashow.
Sem a “riqueza” cenográfica dessas apresentações vindas do hemisfério norte, os shows brasileiros, seja de qual categoria for, funk, rap, sertanejo descaracterizado e outros gêneros, promovem “cantores” que, tantos deles sem a mais elementar formação musical, são também idolatrados pela onda juvenil. Apresentam-se “cantando” músicas de qualidade rigorosamente discutível, e tantas vezes com letras de fazer corar o incauto. O que se poderia esperar? A atualidade, a dar guarida à “música de mau gosto”, segundo Dori Caymmi é desoladora e, infelizmente, o cenário só tende a piorar.
Dori Caymmi comenta: “Toda a música que eu faço é utópica. Num momento tão antimusical, meu disco não tem a menor possibilidade de uma divulgação decente”. Caymmi não se preocupa. Tem consciência da realidade brasileira: “Há uma ambição muito grande de estar no palco. Agora está pior”. Ambição sem sólida formação resulta no que se vê diuturnamente nos shows.
Presas à engrenagem voltada ao lucro, as novas gerações não estão abertas à decorrência essencial da música, a feitura interpretativa. Ignora-se quase que por completo a condução da frase musical, axioma fundamental da música denominada erudita ou de concerto, mas que sempre esteve presente na boa música entendida como popular. Como preservar diretrizes de salvaguarda se os princípios são outros?
Frank Sinatra, ao se apresentar no Maracanã, precisou de uns poucos músicos de talento e do seu microfone. Charles Aznavour encantou numeroso público sem necessitar do extramusical. Quantos cantores estrangeiros ou pátrios não ficaram indelevelmente retidos nas mentes dos que os ouviram?
Esses dados são pertinentes, se considerarmos a interpretação de Dori Caymmi, Zé Renato e Renato Braz na bela canção Desenredo. Músico acompanhante, Sizão Machado (baixo). A interpretação revela o respeito à música, a devoção em transmitir o conteúdo essencial e o acabamento da frase musical sem quaisquer artifícios:
Clique para ouvir Desenredo, gravação realizada no programa Sr.Brasil do saudoso comunicador Rolando Boldrin (1936-2022):
Zé Renato – Desenredo (Dori Caymmi / Paulo Cesar Pinheiro)
Não sendo a minha área de atuação musical, voltada desde a infância aos séculos XVIII, XIX e XX, identifiquei-me com o belo trabalho de Dori Caymmi, decorrente da leitura da entrevista em pauta e do acesso a um bom número de gravações existentes na internet. Convido o leitor a visitá-las.
The interview of composer and singer Dori Caymmi to the newspaper Folha de São Paulo (12/10/2025) is worth reading. The musician addresses the serious problems that are exacerbated by mass-market music, the mechanisms that allow it to prevail, and his personal position in writing songs with meaningful content and careful interpretation.







Testemunhos calorosos expuseram as muitas facetas de Ives Gandra Martins. Destacaria algumas das inúmeras abordagens: o Cardeal Dom Odilo Scherer se pronunciou sobre “Ives, Católico”; o Ex-Presidente Michel Temer a respeito do “Ives, Jurista”; o Governador do Estado, Tarcísio de Freitas, evidenciou o “Ives Humanista”; o Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, expôs as muitas qualidades do homenageado; Gilberto Kassab fez relato preciso de outras tantas qualidades de Ives Gandra; Ângela Gandra, Secretária Municipal de Assuntos Internacionais e filha do renomado jurista, relembrou episódios voltados à sua formação sob os olhares de seu pai em “Ives, Homem de Família”; o Maestro Júlio Medaglia encontrou na poesia uma das qualidades do “Ives, Poeta”; o jurista Luiz Flávio D’Urso traçou, com pormenores, “Ives, Advogado”; Julio Casares, Presidente do São Paulo, desenvolveu uma das paixões do “Ives, São-Paulino”; Wilson Victorio Rodrigues abordou “Ives, Amigo”. Outros depoimentos marcantes de personalidades enriqueceram a sessão, que sensibilizou os presentes com a justa homenagem ao Dr. Ives Gandra Martins. A cantora lírica Carmen Monarcha abrilhantou o evento com canções do seu repertório, acompanhada ao piano e pelo coral da FAC.
