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Quando o pluralismo de ideias está a ser olvidado

Cada um de nós emergirá, ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor;
ou então, absolutamente não teremos crescido,
permanecendo em completa inércia, exatamente aquilo que agora somos.
Porém, para aqueles dentre nós que sentem fervor,
o que um Novo Ano representa? Não pode ter essa significação?
Somos semelhantes a viajantes, penetrando, em nossa longa jornada,
por um país novo e desconhecido,
onde fados estranhos e estranhas aventuras nos esperam.
Nesta terra, à medida que o peregrino observador a percorre,
oportunidades se acumulam sob seus passos.
Porém, para as utilizar, necessita ser sábio e estar alerta.
Pois de uma coisa deve lembrar-se,

– que é um viajante e que o que lhe compete é, não se deter,
mas passar adiante.

Jiddu Krishnamurti (1895-1986)

A volúpia voltada ao sufrágio deverá concentrar as atenções, máxime nas sedes dos três Poderes, território das decisões. Estas se expandem pelo país em processo rápido e por vezes avassalador. Não estou a me lembrar de um período tão conturbado pré-eleições entre as tantas das quais me lembro, desde os anos 1950. As mentes dos agentes políticos e algumas das decisões tão questionáveis advindas do nosso Judiciário configuraram um clima não propenso à serenidade, termo que deveria ser chave no ano que está para nascer, já contaminado pelo embate. A serenidade leva ao bom senso, dirime excessos, pacifica mentes conturbadas pelas disputas ideológicas conduzindo-as à tranquilidade, estimula a moderação, uma das grandes qualidades, hoje basicamente negligenciada.

Rigorosamente certo é o roteiro político que se avizinha. Desgraçadamente ele impedirá o transcurso habitual de um ano. Tantos temas que afligem a população estarão esquecidos pela intensa polarização. Àqueles que têm outras preocupações, profissionais, do cotidiano salutar, da família a preponderar, as mazelas das disputas ideológicas preocupam, sem que nada individualmente possa ser feito para uma pacificação. A insistência do mandatário-mor, no sentido de que adversários jamais voltarão ao poder, evidencia uma posição, antítese da democracia. Nosso vizinho, o Chile, tem demonstrado salutarmente a alternância do poder. Infelizmente, o desinteresse, ou melhor, a certeza da impossibilidade de que roteiros sejam modificados a partir das decisões de dois Poderes bem afinados perpassa as mentes do cidadão laborioso.

31 de Dezembro, fronteira final que separa a data festejada do incógnito ano a nascer, sem que as mínimas salvaguardas da serenidade sejam cumpridas. A delicada situação econômica do país, a insegurança mercê de um nascedouro ideológico que acarinha o malfeitor, a derrocada visível dos costumes, da moralidade e a permissividade presente anunciam dias cinzentos.

Nos estertores do ano fiz uma pergunta a uma dedicada moça que trabalha no caixa de um dos supermercados que frequento, repetindo a formulação que fizera 15 anos antes a uma outra funcionária que desempenhava as mesmas funções (vide blog: “Considerações sobre a Passagem do Ano – A esperança como estímulo”, 31/12/2010). A resposta de 2010 foi precisa, e estava focada na sua família. Redigi àquela altura: “a primeira felicidade será a de ver sua filhinha sem qualquer problema; a segunda relacionava-se à segurança de seu marido que trabalha em carro forte, o que a preocupa; a terceira, ver todos que a circundam em harmonia. Propósitos transcendentais na abrangência da essência do ser humano”. Indagada nesses últimos dias, a rapariga do caixa, logo após a finalização das compras, respondeu-me que pensava em sua mãe adoentada, rezava para que não fosse assaltada ao sair bem cedo para o trabalho e que gostaria que todos vivessem em harmonia, estas, as últimas palavras que ouvi em 2010.

Busquei outros interlocutores nestas cercanias onde habitamos há mais de 60 anos, tempo necessário para se conhecer tantas pessoas amistosas. Muitos já partiram, mas a renovação estimulante é constante, o que é salutar. Há uma desesperança na maioria dessas figuras que deveras estimo. Acredito que, apesar da grave crise econômica do país, com uma dívida de vários trilhões e gastos excessivos que não dão trégua, assim como o problema insolúvel da segurança pública, o cidadão comum ao menos almejaria ter esperanças.

Após ter encerrado a atividade pianística pública em 2023, continuo a estudar e a apresentar, nos recitais privados, programas que me acompanharam ao longo das décadas, introduzindo sempre obras que não estudei anteriormente. A revisita e o descortino trazem uma surda alegria e a certeza de que a música e a dedicação ao piano ao longo da existência sofreram forte influência da leitura dos livros percorridos na juventude, graças ao meu saudoso Pai. Entre esses, “Atitude Vitoriosa” e “A Alegria de Viver”, de Orison Swett Marden (1848-1924), escritor e médico, autor de inúmeros livros a estimular a autoconfiança. Meus três irmãos seguiram o mesmo roteiro e Marden foi um dos autores mais frequentados por nós quatro durante a adolescência.

Na atualidade, o jovem pouco ou nada lê em se tratando de livros impressos. Ficam na penumbra obras essenciais que fazem parte da Cultura Humanística, hoje frequentada por uma minoria. Independentemente da invasiva disputa ideológica ad nauseam, o denominado “besteirol” domina segmento prioritário dos sites informativos, devassando intimidades dos propalados “famosos”. Busca-se uma notícia relevante e surge a imagem de um desses personagens. Até quando? Essa atualidade parece ter vindo para ficar e seus efeitos fatalmente já se apresentam irreversíveis. Milhões buscam, numa outra fonte, a telinha, as notícias que surgem sem o espírito crítico, mas pulverizadas e tendenciosas. A escrita é preferencialmente abreviada e mal redigida, pois a preocupação com a redação correta inexiste. Graves as consequências: a leitura imediata, descartável, não se fixa na memória, mas atinge algo sensível, o comportamento; a superficialidade destes textos contamina o pensar não reflexivo. O resultado só pode ser a alienação.

Clique para ouvir, de Gabriel Fauré, Nocturne op. 63 nº 6, na interpretação de J.E.M.:

Gabriel Fauré – Nocturne nª 6 Opus 63 – José Eduardo Martins – piano

Apesar da exposição sombria, auguro a todos os leitores um Ano Novo promissor.

New Year. The country, divided by differing ideologies, faces numerous fundamental problems. The media either addresses this duality or delves into topics of extreme triviality. However, there is still a faint hope that the country will find a safe path to the future.

Natal deste ano em período complexo no país

De todas as histórias que nos contava
guardei apenas uma vaga e imperfeita lembrança.
Porém, uma delas ficou tão nitidamente gravada em minha memória,
que sou capaz de repeti-la a qualquer momento
– a pequena história do nascimento de Jesus.
Selma Laferlöf (1858-1940)  Prêmio Nobel de Literatura (1909)
(“Lendas Cristãs”)

O ano conturbado que se escoa não propiciou o clima natalino de tempos passados. Vê-se inclusive num pormenor, a diminuição sensível da iluminação natalina nos prédios da cidade, apesar dos esforços da Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria de Relações Internacionais, no que concerne ao Centro Histórico da capital do Estado. Sob aspecto outro, noticiários televisivos e jornalísticos se concentram nas disputas ideológicas exacerbadas no Brasil, o relacionamento difícil entre os Poderes e, talvez, a maior chaga que acomete o país na atualidade, a insegurança do cidadão frente à violência que se instalou em todos os recantos do imenso território, sem que ações decisivas sejam tomadas.

Décadas atrás, consagrava-se majoritariamente, neste período a anteceder o Natal, noticiário à própria relevância do nascimento de Cristo e à confraternização a festejá-lo, nela contidos os presentes aos miúdos e a ceia a unir as pessoas. Ouve-se e lê-se, neste período tão caro para a cristandade, noticiário a contrapor as mazelas políticas, a contenda acentuada entre os Poderes e as posições antagônicas de jornalistas, a depender dos canais de comunicação. Está a parecer que o Natal, com toda a sua mística e significado para milhões de brasileiros, passou a ser um pormenor na mídia. Se mais acentuadamente o Natal é invocado neste exato período pelos meios de comunicação, é-o mercê do comércio, que recebe um número acentuado de compradores.  Acrescente-se que, nas comunidades religiosas, igrejas, capelas e sobretudo nos lares cristãos, a chama natalina está presente, mas o pensamento da mídia volta-se polarizado para essa disputa ideológica interminável e insana. Mormente neste Natal tem ficado transparente a opção da maioria da imprensa escrita e falada. Contenda traz audiência e a mídia atenta a tem como sustentáculo.

Sob outra égide, o quase que absoluto desaparecimento da troca de cartões de Natal assinala uma realidade. Mensagens de paz vinham acompanhadas de figuras pertencentes ao universo natalino. Tantos desses cartãoes continham votos de Natal redigidos a mão e assinados, diferentes daqueles das inúmeras empresas que também enviavam cartões, esses impessoais, com frases padronizadas e rubricadas pelas organizações. Pondere-se que a internet é uma das responsáveis pela descontinuidade dos cartões, assim como os Correios em pleno declínio.

Clique para ouvir, de J.S.Bach-Kempff, o coral “Acorde, a voz está soando”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=0nQUzeqdu4s

Independentemente dessa situação, os que professam a fé cristã nas suas diversas ramificações cultuam com intensidade o período natalino. Certamente a Praça de São Pedro, no Vaticano, estará lotada durante a célebre Missa do Galo. Catedrais, igrejas e capelas em todo o mundo cristão deverão receber os fiéis. Templos evangélicos receberão os seus seguidores, que cultuarão a data. Todavia, será no interior dos lares que, singelamente, o nascimento de Jesus será celebrado, a partir, na realidade, do que reza o versículo 20 do capítulo 18 do Evangelho segundo São Mateus: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles”. Creio ser este um dos mais expressivos versículos dos evangelhos, a dar a dimensão da presença do Cristo, do berço à maturidade, acompanhando a saga humana…

Na Catedral de Autun (séc. XII), em França, há em uma das magníficas esculturas, a representação da oferenda dos três Reis Magos à Sagrada Família, na qual São José está com a mão direita apoiada no queixo e o cotovelo sobre a perna dobrada (Saint Joseph pensif). Em 1974, encontrei, em uma feira popular em Minas Gerais, a Sagrada Família em terracota. São José está com o punho direito a sustentar o queixo. Surpreendi-me ao lembrar de Saint Joseph Pensif, quando visitei a Catedral francesa em 1959. Era a segunda e última vez que presenciava a mesma postura.

Clique para ouvir, de J.S.Bach-Myra Hess, o coral “Jesus alegria dos homens”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=flrkpW5L4KQ

The most important date in Christianity, due to the insane ideological polarisation prevailing in the country, received little coverage in the media in general. However, authentic Christians celebrate the birth of Christ with faith, intensity and hope.

 

 

 

A comunicação televisiva

A degeneração de um povo, de uma nação ou raça,
começa pelo desvirtuamento da própria língua.
Ruy Barbosa (1849-1923)

Saudaram o talento de Dori Caymmi. Alguns leitores não conheciam suas canções e foram buscá-las no Youtube. A concordância foi quase plena com a alienação de uma juventude presa ao “fascínio” dos megashows, seus decibéis elevadíssimos e o espetáculo que, sob o aspecto musical, é extremamente discutível.

Quase todos os leitores concordaram com as nossas posições, uns poucos foram benevolentes quanto a essa juventude e, outros mais, partiram para a possibilidade de novas reflexões, máxime voltadas ao sistemático empobrecimento da nossa língua mater no cotidiano e, bem mais grave, em quase todos os meios de comunicação, assim como à deterioração sensível dos costumes.

A maioria das mensagens foi curta, mas precisa. Eliane Ghigonetto Mendes, viúva do notável compositor Gilberto Mendes (1922-2016) se estende e capta com clareza a triste realidade atual: “Quando era criança eu já adorava o Dorival Caymmi, com toda a sua elegância e voz tão especial. Portanto, não é à toa que o Dori Caymmi tenha essa postura com relação à música popular. Mas, na realidade, o ser humano cada vez mais está mergulhado no vazio, obedecendo a mídia como gado que é conduzido ao matadouro da morte espiritual pela ausência total de valores maiores em contraposição a toda a pobreza de espírito e de intelectualidade tão presentes hoje em dia, em todas as áreas do convívio humano. E quanto mais mudamos nossos velhos valores mundanos, mais sensíveis nos tornamos a toda baixeza humana, da qual fizemos parte um dia, de alguma maneira, quando ainda estávamos tão fracos sujeitos à moda, aos velhos valores familiares herdados geneticamente, e aos tradicionais velhos valores materiais da sociedade. Mas, por outro lado, graças a essa compreensão nos dando uma visão mais alta da Vida, é que fazemos toda diferença, nos tornando o chamado ‘louco’ do Aleph, com a sociedade julgando como ‘loucos’ aqueles que não fazem parte da massa, assim como eles, quando, na realidade, loucos são eles.
Com muita calma, paz, paciência e misericórdia…”.

Fala-se mal, erros se acumulam e, se décadas atrás, a figura do ombudsman estava atenta aos equívocos linguísticos, televisivos e jornalísticos, verifica-se hoje que quase todos os canais de noticiários acumulam erros relativos à nossa língua portuguesa, sem que providências sejam tomadas. Alguns desses escorregões poderiam ser sanados com apenas uma observação àqueles que cometem sistematicamente os mesmos erros. Essas informalidades e abreviações penetraram decididamente na comunicação televisiva. Considere-se a avalanche dos celulares, hoje em todos os rincões abrangendo as mais variadas faixas etárias, presença hoje a simplificar para pior a escrita correta, assim como os pilares dos costumes.

“Né” e “tá” substituíram, infelizmente, “não é” e “está”; “levar ela” é largamente empregada ao invés da norma culta “levá-la”, pois repetida ad nauseam por apresentadores. Uma outra palavra tem perdido o seu sentido etimológico, pois, após entrevistarem convidado, apresentadoras diversas agradecem não mais a dizer “obrigada”, mas apenas “brigada”, que, segundo o Diccionário Moraes da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro, Lisboa, 1889), refere-se a “certo número de batalhões, ou esquadrões, dois, três, ou mais (conforme o reg. Mil.), comandados por um brigadeiro ou general de brigada: brigada de infantaria, de cavalaria”. Apresentadores dizem”brigado”, poder-se-ia acrescentar, “com quem”?

Em blog bem anterior inseri o posicionamento do poeta açoriano Heitor Aghá Silva (1954-), que escrevera artigo a respeito da contaminação que se verificava na linguagem dos Açores, mercê das telenovelas brasileiras (Vide “A Voz e o Eco” captados além mar – Quando há irmanação no pensar”, (20/03/2010). Abordei naquele post a preocupação nítida do poeta com a degradação da língua portuguesa vinda d’além mar. Durante uns poucos anos colaborei para o Suplemento Cultural “Antília” de “O Telégrafo”, da Horta, capital da Ilha Faial do Arquipélago dos Açores.

Creio que mais acentuadamente está a se viver no país um desmonte progressivo da língua portuguesa. Erros sem correções resultam em acomodação linguística e todo o mal está feito.

Quanto aos costumes, objeto igualmente de ponderações de leitores que apreciaram o blog sobre Dori Caymmi, o cenário é grave, pois atinge o cerne da formação das novas gerações. Importante site apresenta em sua página primeira, sistematicamente, pequeno quadro explicitamente pornográfico (só para assinantes). A imagem já diz tudo e o aprofundamento dependerá de o leitor ser ou não assinante. Não é um pleno sinal de decadência moral e dos costumes? O fato de persistirem significa que há anuências inconfessáveis. Estaria o Judiciário empenhado com foco preciso nessas aberrações que estão levando a sociedade brasileira a confundir valores?

Confesso que, aos 87 anos, jamais assisti a um esgarçamento tão pronunciado dos valores antes cultuados e que mereciam o respeito da sociedade. Hoje são preservados pelos que resistem a toda essa banalização. Resistência preserva, sinal tênue de esperança?

The previous post about singer-songwriter Dori Caymmi’s harsh criticism of tasteless, high-consumption music led readers to mention the progressive deterioration of the Portuguese language and decline of morals.