Pioneiro mundial como método voltado ao cravo

Como há uma grande distância entre a Gramática e a Declamação,
igualmente existe uma infinita entre a Partitura e o tocar bem.

François Couperin (1668-1733)
(“L’Art de toucher le Clavecin”)

O blog anterior teve guarida atenta. Para aqueles conhecedores da temática, a lembrança dos mestres franceses essenciais que escreveram para o clavecin, ou cravo, na tradução portuguesa, foi de interesse. Para outros sem familiaridade com as excelsas criações dos clavecinistes français, uma grata revelação. Fica o meu agradecimento aos leitores do post anterior.

Um deles, Pedro Maurício, sugeriu-me um blog dedicado à “L’Art de toucher le clavecin”, de François Couperin (1668-1733), mencionado no blog anterior. Faço-o prazerosamente pelo post semanal, pois a obra é pioneira no gênero e realmente extraordinária pelas tantas observações nela contidas (“L’Art de Toucher le Clavecin”, édition originale de Bercy et du Plessy, Wiesbaden, Breitkopf & Härtel, 1961).

François Couperin, descendente de família de músicos renomados, desde antanho tem “Le Grand” acrescido ao seu nome. No referencial método em apreço, há um objetivo prático ao abordar princípios válidos até o presente no que tange ao intérprete frente ao instrumento, tanto no sentido técnico como psicológico. Diferentemente de Jean-Philippe Rameau (1683-1764), cujos tratados são preferencialmente teóricos, “L’Art de toucher le clavecin” respira até uma certa leveza no sentido da orientação, tratando-se de um método voltado aos cravistas ou iniciantes. “Asseguro a todos que os princípios são absolutamente necessários para a boa execução de minhas peças”, afirma no prefácio e esclarece que o seu método é único.

Inicialmente, Couperin estabelece um plano e insere aspectos essenciais: posição do corpo, das mãos, a ornamentação e exercícios preliminares não desprovidos de dedilhados. Para tanto, oito Préludes originais, que não fazem parte das 254 peças que integram as 27 “Ordres” tratadas no blog anterior, são anexados com muitas indicações voltadas à parte técnica e interpretativa. Acredita que o Método corroboraria a compreensão dos seus dois primeiros livros de “Ordres” para cravo. Com critério, o Autor enfatiza os trechos mais complexos para a execução, esclarecendo-os.

A experiência o faz opinar sobre a melhor idade para o aprendizado, seis a sete anos, não excluindo outras faixas etárias, sinalizando que a precocidade amolda as mãos e, a corroborar, enfatiza a posição do corpo: “Para estar bem sentado na altura certa necessário se faz ter no mesmo nível a parte inferior do cotovelo, os pulsos e os dedos, assim como a utilização de uma cadeira que atenda a essa postura”. Couperin observa outros aspectos que atravessarão os séculos, não apenas no que concerne aos cravistas, mas também, como numa antevisão futura, aos pianistas. Distância do teclado, posição dos joelhos, atenção às expressões faciais “colocando um espelho ao lado da partitura”.

Após essas considerações iniciais de ordem prática, Couperin pondera: “É melhor e mais confortável não marcar o compasso com a Testa, corpo ou pés. É necessário ter um ar descontraído diante do cravo: sem fixar muito o olhar sobre algum objeto, nem ter esse olhar vago. Enfim, olhar o público, se houver, evidenciando total naturalidade”. Recomenda aos miúdos que o toque não seja seco, mas delicado, tendo os dedos bem próximos do teclado (lembro que a pressão sobre a tecla de um cravo é bem distinta daquela do piano, este mais pesado, pois os mecanismos são distintos). Nesse início, aconselha ao mestre ter a chave do instrumento, a fim de que o iniciante, após a aula, não dissipe os ensinamentos.

Pelo fato do excesso de ornamentação no período, Couperin segue método cartesiano. À medida que o aluno avança, ornamentos mais complexos são ensinados e, a partir daí, transpostos para outras tonalidades. Para os alunos mais “velhos”, recomenda exercícios com a ajuda de alguém, no sentido de que sejam relaxadas as articulações. Como os miúdos preferem realizar os ornamentos com os dedos mais “fáceis” para isso (polegar, indicador e dedo médio), aconselha-os a exercitarem o anelar e o dedo mínimo. Considera que os “mediocremente hábeis” preferem as peças com poucos ornamentos.

Couperin considera que as mãos femininas são mais propícias para a prática cravista. Afirma: “Já disse que a leveza contribui muito mais na execução do que a força”. Consideremos que a pressão do toque sobre o teclado do cravo é bem mais leve do que a do piano moderno, pois os mecanismos são bem diferentes e que não é a força que determinará o som mais ou menos forte no cravo. Couperin esclarece: “Os sons do cravo estão estabelecidos; não podendo ser encorpados nem diminuídos. Parece quase insustentável, até o presente, que possamos dar alma a este instrumento. Todavia, pelas pesquisas que eu realizei, com o pouco do natural que o céu me deu, vou tentar explicar quais as razões de ter sentido a alegria de emocionar as pessoas de gosto que me deram a honra de me ouvir; e de formar alunos que talvez me ultrapassem”. Observa, a corroborar a finitude expressa do som do cravo: “Os instrumentos de corda amplificam os sons, a suspensão destes no cravo parece (por efeito contrário) apenas evocar a coisa desejada”. Afirma que as peças lentas não devem ser tocadas ainda mais lentas no cravo, dado o fato da pouca duração dos sons. Recomenda que “os pais das crianças ou os responsáveis por elas tenham menos impaciência e mais confiança naquele que ensina (seguros de terem feito uma boa escolha)”.

Algo importante Couperin salienta em relação às indicações através de palavras exprimindo algum sentimento no início de uma peça, como Tendrement, Vivement, etc. “Espero que alguém tenha o cuidado de traduzi-las para proveito dos estrangeiros, que terão assim meios para julgar a excelência da nossa música instrumental”. O correr das décadas uniformizou um vocabulário referente a andamentos, sua flutuação e até expressividade, prioritariamente na língua italiana.

Jocosamente, observa: “É necessário ter os instrumentos bem cuidados. Sei que há pessoas para as quais esse aspecto é indiferente, pois tocam mal em qualquer instrumento”.

Em “L’Art de toucher le Clavecin”, o Autor teve o cuidado de pormenorizar-se sobre os dedilhados e exercícios preliminares: “Como até agora não apareceu um método que trata da boa execução, acredito ter o dever de nada omitir”.

François Couperin, em seu método, expõe inicialmente uma Allemande, mas oito Préludes são incorporados com as explicações devidas: “Os quatro primeiros Prelúdios podem servir a todas as idades, exceção que, para as crianças, deve-se dispensar manter todas as notas dos acordes extensos. Aos professores a escolha”.

Clique para ouvir, de François Couperin, os oito Prelúdios de “L’Art de toucher le Clavecin”, na interpretação do cravista norueguês Ketil Haugsand:

https://www.youtube.com/watch?v=5FV-UctnFZc&t=3s

Ketil Haugsand e eu nos apresentamos no Colóquio “Carlos Seixas de Coimbra” (2004), respectivamente em recitais de cravo e piano realizados na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra durante as comemorações do tricentenário do notável compositor conimbricense.

Pioneiro, “L’Art de toucher le Clavecin” suscitaria no futuro em França tratados e métodos que serviram a gerações de pianistas. Mencionaria, entre outros, de Blanche Selva (1884-1925), os vários volumes do “L’enseignement de la Technique du Piano” (1916-1925) ; de Alfred Cortot (1877-1962), “Principes rationnels de la technique du piano” (1928) ; de Marguerite Long (1874-1966), “Le Piano” (1956).

On François Couperin’s “The Art of Playing the Harpsichord”, a didactic treatise written to guide harpsichord students performance practice. First published in 1716, the method in question addresses principles that are valid to this day with regard to the performer’s approach to the instrument, both in a technical and psychological sense.

O iluminado século XVIII

La vrai musique est le langage du coeur.
Jean-Philippe Rameau (1683-1764)
(“Code de Musique Pratique”, 1760)

Após encerrar minhas atividades pianísticas públicas em 2023, não deixei de continuar meus estudos diários. No final do ano que passou houve um Primeiro Encontro privé, unicamente com transcrições de obras para cravo ou órgão de J.S.Bach realizadas por grandes mestres do piano: Liszt, Busoni, Siloti, Dame Myra Hess e Wilhelm Kempff. Concentrei-me, para este Segundo Encontro, nas criações de excelsos compositores, os célebres clavecinistes français. Os mais puristas entendem que apenas ao cravo essas composições deveriam ser apresentadas. Valho-me da opinião do notável musicólogo francês François Lesure (1923-2001), Diretor do Departamento de Música da Bibliothèque Nationale em Paris, que, ao prefaciar os meus CDs com a integral para cravo de Jean-Philippe Rameau interpretada ao piano, escreveu: “O tempo do Barroco integrista passou. A utilização de instrumentos de época deixou de ser um dogma ao qual os músicos são obrigados a aderir sob pena de serem tratados de heréticos”.

A era cravista, máxime no século XVIII, foi pródiga na produção de composições que perduram através dos séculos e advindas de diversos países. Compositores seguiram formalmente linhas próximas, mas as configurações estiveram sujeitas ao abstrato ou ao descritivo, a depender das origens pátrias de seus mestres.

Entendendo-se a organização da Suite, constituída por diversas danças, verifica-se que a sua estrutura básica é formada por quatro peças, Alemande, Courante, Sarabanda, Giga e outras mais, acrescidas a critério do compositor. Na criação germânica, J.S.Bach (1685-1750) e G.F.Haendel (1685-1759) mantiveram preferencialmente cada peça com seu nome tradicional, sendo que a primeira poderia ser um Praeambulum, Prelude ou termo outro a designar a abertura. Apesar de Johan Kuhnau (1660-1722), na Alemanha, já ter dado um sinal outro à descrição nas suas seis “Sonatas Bíblicas” – música programática – (no Youtube há a gravação da integral que realizei na Bélgica e lançada em CD pelo selo De Rode Pomp), fundamentalmente J.S.Bach é o compositor maior, pleno de suas convicções luteranas. Essa posição poderia, quiçá, ter sido uma das razões para que a imensa criação descritiva francesa não o cativasse. Bach conheceu as “Ordres” de Couperin, tendo inclusive trocado correspondência com o mestre francês.

Em França, François Couperin (1668-1733) nomeia “Ordres” as 27 estensas Suítes  que integram os quatro livros (1713, 1717, 1722, 1730) com 254 peças, sendo que a primeira e a última de cada “Ordre mantêm a mesma tonalidade, fato que comprova um princípio básico da Suíte. Para a larga maioria das peças Couperin foge dos títulos tradicionais. Tantos outros clavecinistes français também assim procederam no culto à descrição. François Couperin legou grande produção, não apenas para cravo, mas igualmente escreveu para outras organizações, órgão, música de câmara e música vocal. Seu referencial método para cravo, “L’Art de toucher le clavecin” (1716-1717) é pioneiro no gênero.

Clique para ouvir, na extraordinária interpretação da insigne Marcelle Meyer, Le Tic-Toc-Choc de François Couperin:

https://www.youtube.com/watch?v=6cuEoA6dxpI&t=37s

Jean-Philippe Rameau (1683-1764) compõe pouco mais de 50 peças para cravo e transcreve pequenos quadros de suas óperas para o instrumento. Das cinco Suítes distribuídas em três livros (1706, 1724 e 1728), apenas na primeira (1706), o compositor mantêm os títulos tradicionais, sendo que nas outras as titulações são majoritariamente descritivas. Os títulos em Couperin e Rameau são consequências do observar a natureza e a fauna não agressiva, máxime os pássaros. Cultuam igualmente os sentimentos e a figura feminina, entre outras temáticas. O olhar e o sentir influenciando a imaginação, esta, traduzida no resultado sonoro.  A opera omnia de Rameau é extensa, salientando-se as suas óperas, tragédias líricas e o gênero ópera-ballet. Imenso teórico, seu “Traité de l’harmonie réduite à ses principes naturels” (1722) e a posterior “Génération Harmonique” (1737), são obras absolutas na História da Música.

Curiosamente, há inúmeros títulos da criação cravística utilizados por mais de um compositor. No recital privé menciono La Joyeuse, nome utilizado por Louis Daquin (1694-1772) e Rameau; Les Tourbillons, por Jean-François Dandrieu (1682-1738) e Rameau. Passarinhos e pássaros frequentam as criações dos clavecinistas. Rameau escreve Le Rappel des oiseaux e La Poule. Couperin saúda vários pássaros, Le Roussignol-en amour, La linotte-éfarouchée, Les Fauvettes plaintives, Le roussignol-vainqueur, Le coucou. Louis Daquin comporia a célebre Le coucou.

Clique para ouvir, de Louis Daquin, Le coucou, na interpretação do notável Gëorgy Czifra:

https://www.youtube.com/watch?v=Av_ypwPynxQ

 

Clique para ouvir, de Jean-François Dandrieu e de Jean-Philippe Rameau, Les Tourbillons – pois ambos se valeram do mesmo título -, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=begt8k6ErRY&t=3s

Nomes de figuras femininas são amplamente mencionados, mormente por Couperin. Rameau escreveria L’Agaçante, L’Indifférente, La Timide e La Dauphine, esta em homenagem à esposa do Delfim Louis, por ocasião do casamento real em Versailles em 1747, data da última peça para cravo do compositor. La Dauphine, Marie-Josèphe de Saxe, foi a mãe de Louis XVI.

Clique para ouvir, de Jean-Philippe Rameau, La Dauphine, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=MATL8LHQoB0

Profusamente os clavecinistes franceses se utilizaram da ornamentação. O insigne musicólogo espanhol Adolfo Salazar (1890-1958) bem define os porquês: “Em geral, as limitações do próprio instrumento ditaram o caráter de arabesco que, em seu mais estrito sentido, está presente nessas criações. Trinados, grupetos, mordentes, floreados, toda a quinquilharia derivada do alaúde e semelhantes no cravo tenderiam, entre outras razões, a uma peculiaridade material: a necessidade de proporcionar um fundo harmônico obtido pela repetição das notas, pois que a sua duração era impossível de outra maneira” (“Forma y expression en la musica”, 1941).

Jean-Philippe Rameau estabelece uma tabela a indicar ao intérprete exatamente a maneira de executar cada ornamento, assinalado criteriosamente na partitura. Nas cinco suítes e nas poucas peças avulsas há milhares de ornamentos. A abundante ornamentação existente na música para cravo em França fez com que considerações pululassem no transcorrer dos séculos, entendendo-a como superficial, pois nas obras dos germânicos Bach e Haendel, D.Scarlatti (na Itália) ou Carlos Seixas (em Portugal) a ornamentação é sensivelmente mais econômica devido a muitos fatores, mormente à tradição nesses territórios.

Clique para ouvir, de J-P. Rameau, L’Egyptienne, plena de ornamentos, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=26HhGRAg_Tg&t=30s

Creio que as palavras do ilustre compositor francês Georges Migot (1891-1876) sobre Jean-Philippe Rameau, que na realidade podem ser estendidas à magnificente escola dos clavecinistes français, bem traduzem uma verdade absoluta: “Enquanto Jean-Philippe Rameau, entre os maiores, não ocupar o lugar a que tem direito, a história da Música do século XVIII e através dos séculos não terá a sua total orientação”.

A second private piano recital looks at the magnificent creation of the French clavecinists, whose work has endured for centuries due to the unparalleled quality of the composers. A repertoire that has fascinated me since I was a teenager.

Patrimônio Mundial da Humanidade

Toda a grande obra supõe um sacrifício;
e no próprio sacrifício se encontra a mais bela e a mais valiosa das recompensas.
Agostinho da Silva
(“Considerações”)

Neste segundo post a respeito do magnífico livro “Cinco Joias de Coimbra”, os capítulos finais se detêm sobre três outras joias que integram o ambiente singular de uma cidade que apresenta a Universidade de Coimbra como símbolo maior.

“O Órgão da Capela de São Miguel”, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – A Casa Verde da Univers(c)idade”, “Museu Nacional de Machado de Castro – Da herança patrimonial aos desafios do futuro” completam a pormenorizada abordagem das joias conimbricenses em seus textos redigidos por respeitados especialistas: Paulo Bernardino, Ana Cristina Tavares e Maria de Lurdes Craveiro, respectivamente. Preciosa documentação iconográfica ilustra os ensaios.

Paulo Bernardino, organista titular da Capela de São Miguel, Paço das Escolas da Universidade de Coimbra, Especialista em Música Sacra e Doutorado em Direção (Coral e de Orquestra), assina sucinto e rico texto sobre o singular órgão da Capela de São Miguel da UC.

Uma primeira referência em Portugal sobre o instrumento órgão data de 1453. Uma das características do denominado órgão ibérico era a presença de um só teclado, apesar de não muitas outras diferenças em relação aos órgãos de outros centros europeus. Paulo Bernardino pormenoriza, com arguto conhecimento, as características evolutivas do órgão. Chama a atenção um dado relevante expresso por Bernardino: “Um dos desenvolvimentos mais significativos e idiossincráticos do órgão ibérico, datado da segunda metade do século XVII, consistiu na introdução de registros de palheta em tubos colocados horizontalmente na fachada do órgão, na posição dita de chamada”.

Bernardino insere conteúdo histórico de interesse: “A subida ao trono de D.João V, em 1706, correspondeu a uma profunda alteração na história da música portuguesa. No âmbito da sua ação política, este monarca impôs a importação dos modelos litúrgicos e musicais de Roma. Tal não deixou de ter consequências na própria organaria, levando a uma reaproximação da organaria portuguesa aos modelos musicais italianos, sem, contudo, perder o seu caráter”. A seguir, elenca os materiais constitutivos do magnífico órgão da Universidade de Coimbra.

Logo após, Paulo Bernardino tece comentário breve sobre a escolha do repertório adequado ao instrumento, mas a possibilitar outras opções. Entusiasta, almeja um destaque maior para o magnífico órgão da Capela de São Miguel e observa: “Na verdade, apesar da conjugação de muitas vontades e iniciativas – tanto internas como externas à universidade – o Órgão da Capela da Universidade, apesar de um ex libris da organaria ibérica a nível mundial, permanece um desconhecido para a cidade”. O Professor João Gouveia Monteiro, no prefácio das “Cinco Joias de Coimbra”, comenta: “É muito sedutora a hipóteses avançada, em 2004, pelo saudoso Doutor José Maria Pedrosa Cardoso (docente da Universidade de Coimbra), que sugere que pode muito bem ter sido Carlos Seixas (1704-1742) a estrear em (1738?) o ‘colossal instrumento’ na provável cerimônia pública de inauguração da preciosidade à guarda do arcanjo São Miguel”.

Clique para ouvir, de J.S.Bach, Prelúdio e Fuga em Sol Maior do 2º volume do Cravo bem Temperado, na interpretação de Paulo Bernardino, frente ao órgão da Capela de São Miguel da UC:

Prelúdio e Fuga em Sol M – 2.º Vol. do Cravo Bem Temperado – J. S. Bach (youtube.com)

Ana Cristina Tavares assina a contribuição “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – A Casa Verde da Univers(c)idade”. Entre outras titulações, a Professora é Doutora em Biologias (Fisiologia das plantas) pelo Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra. Foi Diretora-Adjunta do Jardim Botânico de Coimbra (2019-2021).

As palavras do ilustre prefaciador, Professor João Gouveia Monteiro, servem de peristilo ao ensaio de Ana Cristina Tavares: “Numa palavra, é um lugar de sonho, situado no coração da Alta coimbrã e com nada menos de treze hectares de área, dos quais nove correspondem ao arboreto da mata e os restantes aos socalcos do jardim clássico”. Lá estive, quanta verdade nas palavras de Gouveia Monteiro!

A autora define a missão do JBUC: “Cumprindo o objetivo da sua fundação no séc. XVIII, o de proporcionar aos alunos da disciplina de História Natural o conhecimento prático e direto, em contexto natural, das plantas aromáticas e medicinais (Henriques 1876), o JBUC mantém a preocupação da interpretação do espaço e a ligação à docência e à investigação in situ”.

Ana Cristina Tavares narra a rica história da JBUC e aprende-se a presença de figuras decisivas no transcorrer. Assinatura do Marquês de Pombal (1699-1782) nos Estatutos da Universidade, a resultar no consequente “Horto Botânico” aos 28 de Agosto de 1772;  a nomeação do primeiro diretor, o notável naturalista italiano Domenico Vandelli (1735-1816), no mesmo ano. O pleno didatismo da Autora faz-nos conhecer as personalidades que marcaram a história da JBUC, que há pouco comemorou os 250 anos, as muitas coleções de espécies de árvores e plantas – só nas estufas tem-se 1500 espécies diferentes!

Escreve Ana Cristina Tavares sobre a riqueza que se descortina ao se visitar o Jardim Botânico: “Ao percorrer o JBUC sentimos um ambiente marcante e diferenciado, quer pelas duas áreas distintas, o jardim clássico e o arboreto, quer pela variedade das coleções, algumas nativas e a grande maioria delas exóticas, fruto do propósito da sua fundação. As plantas, cultivadas no exterior e/ou em viveiros e estufas, muitas delas caducifólias (isto é, de folha caduca) e por isso nem sempre visíveis no seu máximo esplendor, conferem pluralidade ao Jardim, sempre rico e diferente em cada mês”.

De alto significado o subcapítulo “A Educação no Jardim: veículo de interpretação e de conhecimento”, no qual a rica diversidade do JBUC enseja um debruçamento pleno nos programas educacionais afins.

A leitura do capítulo em pauta leva o leitor à certeza de que, sem uma relação amorosa com a área escolhida, lacunas se apresentam. Ana Cristina Tavares possui esse dom imanente, o de afeto com o todo do JBUC.

O último capítulo, “Museu Nacional de Machado de Castro – Da herança patrimonial aos desafios do futuro”, tem a autoria de Maria de Lurdes Craveiro, Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Investigadora de Centros de Estudos da UC e Diretora do Museu Nacional de Machado de Castro.

Acresça-se que desde 2019 o MNMC integra a lista do patrimônio de Coimbra classificado pela UNESCO.

Preliminarmente, o estudo da Professora Maria de Lurdes Craveiro poderia bem integrar uma Aula Magna, mercê do imenso levantamento histórico e da inserção do acervo do MNMC. Mencionar o introito do texto abrangente se faz necessário: “Fundado em 1911 e tendo aberto ao público em 1913, o MNMC herdou as estruturas edificadas do Paço Episcopal e do antigo criptopórtico romano de Aeminium;  foi sobre elas que se viria a implantar todo o seu percurso nobilitado, que se compreende, em simultâneo, pela grandeza do assentamento, pelo diálogo constante com o território de poder envolvente e pela natureza específica das suas coleções”

Nos significativos subcapítulos, a Autora remonta ao século I e “Mais do que uma História Milenar” conduz o leitor “à construção do fórum romano em que a cidade de Aeminium assentou a sua autoridade religiosa, social, econômica, política e administrativa”.

A seguir, Maria de Lurdes Craveiro pormenoriza cada etapa histórica do espaço, mencionando resultados e a série de personagens, tantos notáveis, até chegar ao “O século XX e a musealização do espaço”, quando da fundação do MNMC. Reparações profundas foram feitas, máxime a do arquiteto Gonçalo Byrne (1999), mercê de deterioramentos acentuados. A importância de MNMC atraiu peças importantes provenientes de outros edifícios históricos que foram incorporadas ao seu precioso acervo, a resultar na honrosa classificação em 2019, doravante Patrimônio Mundial.

Ao dedicar um subcapítulo aos “Diretores”, a Autora rende justo tributo às figuras que conduziram o MNMC ao pleno reconhecimento internacional.

Um último e precioso subcapítulo se estende às “Coleções”. Impõem-se pela grandeza e qualidade artística. Escultura em barro cozido, escultura em madeira, ourivesaria, pintura, desenho, cerâmica e têxteis. Determinadas obras-primas do MNMC, fotografadas por Maria de Lurdes Craveiro, dão uma ideia da grandiosidade do acervo.

Demonstrando o essencial para que uma produtiva ação diretiva realize intentos, a Autora insere nas conclusões: “Cumprindo a sua vocação centenária, o que o Museu Nacional de Machado de Castro suscita é, assim, mais ciência, mais investigação, mais meios técnicos e humanos, mais articulação comunitária e institucional (nacional e internacional), mais na construção dos afetos exteriores”.

“Cinco Joias de Coimbra” não é apenas um livro grande, mas um grande livro. Impecável coordenação do Professor Catedrático João Gouveia Monteiro e da investigadora Maria Leonor Cruz Pontes, tendo a preciosa colaboração da Associação RUAS.

Aos 3 de Novembro de 2012 apresentei um recital no Museu de Machado de Castro com obras de Francisco de Lacerda (1869-1934) e de dois relevantes compositores que criaram obras em homenagem ao notável músico açoriano, François Servenière (1961-) e Eurico Carrapatoso (1962-), por ocasião do meu primeiro livro publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, “Impressões sobre a Música Portuguesa”.

Clique para ouvir, do extraordinário compositor conimbricense Carlos Seixas, Sonata nº68 em lá menor, na interpretação de J.E.M.

Carlos Seixas – Sonata nº 68 in A minor – José Eduardo Martins – piano (youtube.com)

Three other chapters conclude the substantial book “Five Jewels of Coimbra”. Signed by renowned experts, it is a must-read for those who wish to learn more about the riches that emanate from the University of Coimbra, founded in 1290.