O leitor diante da realidade

Esperança, ventura da desgraça.
Trecho puro de céu sorrindo às almas
Na floresta de angústias da Incerteza!

Annibal Theophilo da Silva (1873-1915)

A recepção ao blog anterior foi considerável. Os amantes da estrutura formal do Soneto são muitos, pois essa organização tem, entre outros atributos, a peculiaridade da rima, que corrobora a memorização do poema. Foram diversas as mensagens que, atendo-se ao conteúdo do Soneto, testemunham integralmente o triste fato de a nossa língua falada e escrita estar a se deteriorar numa rapidez jamais sentida. Concordam com os últimos parágrafos do blog anterior, acrescentando exemplos diários de jornais, revistas, televisão aberta e fechada, sites diversos em que a língua mater é vilipendiada, sem contar o conteúdo, ou melhor, a sua ausência. O descaso nesses veículos, como vírus, infecta os leitores e ouvintes e o erro passa a ser entendido como norma, passo essencial para a derrocada.

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH-USP, escreveu: “Foi ótima a sensação de que despertou um livro que faz sonhar. Tocou-me fundo, cultor de sonetos que sou, forma sublime porque é como a sonata musical: o conteúdo é aberto dentro do que aparentemente é uma imposição fechada. É este o caso ainda mais extremo do hai-kai. Lembrei-me de minha avó paterna, que sabia declamar de cor um rol enorme de sonetos e me acordou o gosto da poesia. Enfim, há ainda a grave advertência que o amigo lança, de estiolamento da língua pátria, dessa ‘última flor do Lácio’. A ignorância é medonha, porque ela tem o poder de crescer e tomar de assalto mesmo almas puras. Enfim, há que lutar – e viva Laudelino Freire!”.

Estou a me lembrar de meu saudoso Pai, admirador confesso do Soneto. Sabia de cor mais de três centenas de Sonetos e aos 100 anos fazia questão de memorizar um novo, português ou brasileiro, para recitá-lo numa tertúlia acadêmica paulistana nomeada “Pensão Jundiaí”, frequentada por Lygia Fagundes Telles, Paulo Bonfim, Geraldo Vidigal…. Entre os autores preferidos do meu progenitor, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, Virgínia Vitorino, esta, poetisa portuguesa cujos versos amorosos meu Pai recitava para minha também saudosa Mãe. Sob outra égide, tinha na memória a fala dos três prelados da “Ceia dos Cardeais” de Júlio Dantas, e era um prazer para aqueles que o conheceram vê-lo a declamar. Possivelmente devido à verve paterna, meu irmão Ives Gandra, mercê de raro talento poético, escreveu tantos Sonetos.  Somente para sua saudosa esposa Ruth, mais de um milhar!

Flávio Amoreira, poeta, escritor e crítico literário, teceu comentários: “Emocionado realmente visitei o blog do imenso esteta dedicado ao piano e virtuose internacional que me honra com sua amizade José Eduardo!  A arte de Petrarca em destaque pelo relance da sua estante de uma furtiva brochura revelando antologia de versos conforme a quase milenar arte de Petrarca!  Não bastassem os mestres Bilac e Bandeira, a delicadeza dum soneto do Imperador-mestre, a tragicidade do Menotti, deparo-me com o sonetista atlântico Vicente de Carvalho! meu conterrâneo a quem dedico toda minha paixão literária, de quem herdei livros pelo seu filho caçula dentre os 16 e por quem minha terra deve desde os jardins da praia até os mais belos poemas marítimos da nossa língua.  ‘Velho Tema’ que encantou Pessoa e até hoje um dos poemas mais reveladores sobre a débil condição humana….ah José Eduardo sem palavras este que vive delas e para elas…que resgate!”.

Nossa filha Maria Beatriz escreveu: “Gostei que contrapôs a beleza da criação dos sonetos à pobreza a que chegou o uso corrente da língua portuguesa nas redes sociais. E, nem causa mais espanto, encontrei um erro crasso em uma manchete de jornal de grande circulação, no domingo passado. Sim, em veículo onde anteriormente isso seria inconcebível. Talvez porque não haja mais revisores… A forma do soneto exprime uma ordem e uma beleza (não é linda a melodia ritmada que se ouve ao se recitar um soneto?) que, por sua vez, derivam de uma ordem e beleza da criação primeira, formada justamente pela Palavra: ‘No princípio era o Verbo.’ ‘Faça-se a luz… Façamos o homem à nossa imagem e semelhança…’ No entanto, pai, como você detectou no artigo, ‘com os novos rumos’ advindos do modernismo, ‘sempre in progress quanto à forma e conteúdo’, não se encontrou e não há mais freio à desconsideração desse trato das palavras. A palavra só existe porque endereçada a alguém que a receberá. A forma da mensagem será tão mais arbitrária quanto menos consideração se der ao seu receptor, hoje tão impessoal… mas resta o alento de se poder acessar belos textos com beleza e ordem próprias, ainda que escondidos na estante entre livros maiores…”. Referência que Maria Beatriz faz ao volume de dimensão diminuta da “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros”.

Tantos outros atentos leitores enviaram mensagens curtas, demonstrando preocupações com o trato do idioma, que está a evoluir mal.

Ao longo dos anos não deixo de salientar essa progressiva degeneração da linguagem, que se soma àquelas dos costumes e da moralidade. Diariamente o cidadão comum e laborioso assiste, pelos veículos de comunicação, a língua mater ser vilipendiada sem rubor algum por próceres. Erros gramaticais entre políticos proliferam e são entendidos como corretos, aparência da verdade.

Quando na vida universitária, incontáveis foram as vezes em que a leitura de projetos no âmbito da pós-graduação deixava claro que os textos estavam eivados de erros gramaticais, inviabilizando da minha parte a aceitação do candidato às titulações acadêmicas. A rápida transformação sem tréguas da internet levará à certeza do desmonte linguístico, a contrastar com a histórica lenta adequação da língua escrita e falada. Em menor grau, pode-se notar essas transformações nos idiomas inglês e francês, plenos de neologismos transitórios, mormente na área da economia e do entretenimento.

Seria possível acreditar em uma recuperação lenta, mas constante, nessa árdua luta a visar à perpetuação de estruturas básicas da linguagem. Para tanto, haveria a necessidade imperiosa de não olvidar as origens. Nesse quesito, a leitura dos autores que a História preservou seria o alento. Sem essa indispensável âncora, corre-se o risco de se pensar apenas no presente, que contamina o futuro incerto.

A música como “poesia incorpórea” na definição de Guerra Junqueiro encontra na figura do nosso maior compositor romântico, Henrique Oswald (1852-1931), o exemplo sonoro de inúmeros Sonetos selecionados por Laudelino Freire para a “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros”.

Clique para ouvir, de Henrique Oswald, “Tre Piccolli Pezzi”, na interpretação de J.E.M.:

(364) Henrique Oswald – Tre Piccoli Pezzi – José Eduardo Martins – piano – YouTube

Da “Pequena Edição…”, comentada no blog anterior, extraio um Soneto que traz uma precisa mensagem:

Filinto de Almeida (1857-1945)

“Dor Ignota”

Como eu te amei! Que santa idolatria
Na minha santa infância eu te votava!…
Se mais do que te amei, eu não te amava,
É que amar inda mais eu não podia.

Qual o martírio, pois, que te mogoava?
Qual era o espinho então que te pungia?
Que amarguranublava-te a alegria?
Que dor cruel teu peito angustiava?

Teus olhos, nunca enxutos do teu pranto,
Tinham, às vezes, o funesto brilho
De crua dor que eu nunca adivinhei

Que tinhas, pois, tu que sofreste tanto?
Responde à triste voz do triste filho,
Mãe! terna Mãe, que eu nunca mais verei!

Readers wrote with comments on the six sonnets of the previous blog. They also made brief, unanimous remarks about the current disdain for good speaking and writing skills. I have selected comments from three readers.

 

Organizada por Laudelino Freire

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como indizível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Raymundo Corrêa (1860-1911)

Livros de pequena dimensão escondem-se nas estantes por trás de outros maiores e por vezes são esquecidos. Foi o que ocorreu com a “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros” (Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1929), organizada por Laudelino Freire (1873-1937), professor, jornalista, crítico literário, político e filólogo. Em 1923 entrou para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Ruy Barbosa. Encontrei a “Pequena Edição…” adormecida, mas bem conservada em sua encadernação.

Uma primeira coletânea publicada em 1904 continha 500 Sonetos “escolhidos entre os melhores desde o primeiro soneto de Gregório de Mattos até os nossos mais jovens poetas pelo Dr. Laudelino Freire”. A mesma editora F. Briguiet ampliaria a coleção em 1913, explicando-se: “segunda edição admiravelmente ampliada e enriquecida com 500 produções e 481 retratos, lembramo-nos de, para maior vulgarização de tão notável trabalho, dela extrair a presente edição, a que intitulamos de Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros ”.

Momentos de deleite foram os que senti ao reler os 122 Sonetos criteriosamente selecionados por Laudelino Freire, embora sombrios em grande parte, contemplando o mesmo número de poetas que em suas épocas cultuaram a forma poética que obedece a determinadas regras, sendo estruturada por catorze versos distribuídos em estrofes, dois quartetos e dois tercetos. Todos os 122 Sonetos obedecem a essa formação. Quando o escritor e poeta português Guerra Junqueiro (1850-1923) define a música como “poesia incorpórea”, poderia eventualmente ter pensado na palavra Soneto, que tem origem na Itália, sonetto, ou pequeno som, devido, é possível, ao fato da aproximação verso – som. Atribui-se a Francesco Petrarca (1304-1374) a criação da forma do Soneto.

As escolhas de Laudelino Freire para essa “Pequena Edição…” abrangem uma plêiade de poetas, que se estende de Basílio da Gama (1740-1795) a Onestaldo Pennaforf (1902-1987), considerando sucessivas escolas literárias: arcadismo ou neoclassicismo, romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo, pré-modernismo, modernismo, pós-modernismo… Todavia, o autor não contempla apenas poetas renomados, pois concentra-se nos Sonetos a partir daquilo que entende por qualidade. Assim a pensar, deu espaço àqueles que, professando outra atividade, seja na diplomacia, jornalismo, magistratura ou política, escreviam sonetos.

Escolhi seis Sonetos, entre os 122 dessa “Pequena Edição…”, guardando a ortografia, as acentuações e os retratos da edição de 1929. Quanto aos espaços em determinadas pontuações, a “Pequena Edição…” utiliza as regras adotadas em França.

Pedro de Alcantara (D. PEDRO II – 1825-1891)

“Soneto”

Não maldigo o rigor de iniquia sorte,
Por mais atroz que seja e sem piedade,
Arrancando-me o throno e a majestade,
Quando a dois passos só estou da morte !

Do jogo das paixões minh’alma forte
Conhece a fundo a triste realidade,
Pois, se agora nos dá felicidade,
Amanhã tira o bem, que nos conforte.

Mas a dôr que excrucia, a que maltrata,
A dôr cruel que o animo deplora,
Que fere o coração e quase o mata,

É ver da mão fugir, à extrema hora,
A mesma boca lisonjeira e ingrata,
Que tantos beijos nella poz outr’ora !

LUIZ GUIMARÃES JUNIOR (1844-1898)

“Visita á Casa Paterna”

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo :

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O phantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, – olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala (oh! Se me lembro ! e quanto !)
Em que, da luz nocturna á claridade,
Minhas irmãs e mina Mãe… O pranto

Jorrou-me em ondas… Resistir quem há-de ?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

OLAVO BILAC (1865-1918)

“Virgens Mortas”

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velho engaste azul do firmamento,
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós quando anoitece,
Cuidado ! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu levado pelo vento…

Namorados, que andais com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

- Piedade ! – Ellas vêm tudo entre as moitas escuras
Piedade ! esse pudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras !

 

VICENTE DE CARVALHO (1866-1925)

“Velho Thema”

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz anciosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não na alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

MANUEL BANDEIRA (1886-1968)

“Inscrição”

Aqui, sob esta pedra, onde o orvalho roreja,
Repousa, embalsamado em óleos vegetais,
O alvo corpo de quem, como uma ave que adeja,
Dançava descuidosa, e hoje não dança mais…

Quem não a viu é bem provável que não veja
Outro conjunto igual de partes naturais.
Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja
E ao fita-la os varões tinham pasmos sensuais.

A morte a surpreendeu um dia que sonhava.
Ao pôr do sol, desceu entre sombras fiéis
A terra, sobre a qual tão de leve pensava…

Eram as suas mãos mais lindas sem anéis…
Tinha os olhos azuis… Era loura e dançava…
Seu destino foi curto e bom… Não a choreis

 

MENOTTI DEL PICCHIA (1892-1988)

“Soneto”

Tambem, como esse bosque eu tive, outr’ora,
Na alma, um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
Iam levando o fuste, espaço a fora.

Seriam sonhos; era uma phetora
De crenças, de desejos, de ambições…
Não havia, por todos os sertões,
Mais luxuriante e mais violenta flora

Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas !
É Agosto, é Agosto ! o fogo arde o que existe
Em fogachos sinistros e medonhos.

Ai de nós !… Somos almas desgraçadas,
Pois, na luz de um olhar languido e triste,
Também ardeu o bosque dos meus sonhos…

 

Laudelino Freire, ao selecionar número tão grande de “sonetistas”, deu a sentir ao leitor vindouro uma espécie de “prana” que pairava entre cultores do gênero poético. Tantos presentes na “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros” permaneceram na História como poetas ou escritores: Gonçalves Dias, Machado de Assis, Fagundes Varella, Castro Alves, Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade… Escreviam na excelência, pois conheciam a língua-mãe em suas entranhas. Não que as várias tendências poéticas advindas com o modernismo não cultuassem o trato das palavras. Deram novos rumos e estão sempre in progress quanto à forma e conteúdo.

A leitura desses Sonetos colhidos por Laudelino Freire evidencia, sobre outra égide, o esgarçamento que está a se acentuar relativo à nossa língua mater, no cotidiano e na escrita. Revelam esses Sonetos, num distanciamento de séculos da atualidade, o trato da língua portuguesa que não se distanciava da praticada em Portugal. Quando o bom poeta Heitor Aghá Silva (1954-), da Horta, capital da ilha Faial, uma das nove do arquipélago dos Açores, denunciou enfaticamente o perigo de contágio que era transmitido pelas novelas brasileiras em termos da vulgarização da língua mater, “… telenovelas tão pobres, tão estupidamente supérfluas, tão assustadoramente embrutecedoras…”, não previu o que adviria em nosso país (vide blogs: “A Voz e o Eco captados além mar”, 20/03/2010 e “Um trágico amalgamar”, 27/03/2010). Com o surgimento da internet, celulares e a inteligência artificial, rapidamente passou-se ao desprezo, voluntário ou não, pelos princípios linguísticos básicos. Simplificados em “formulações codificadas”, incorporaram-se aceleradamente à linguagem falada palavras e construções de frases sem a menor preocupação com o trato gramatical. Mensagens de celulares são resumidas por motivo de concisão, negligenciando o conteúdo. Textos de “importantes” periódicos e de sites estão eivados de erros gramaticais. A transição tem sido abrupta, contrariamente à natural e lenta transformação de uma língua. Quando Vargas Llosa vaticina a decadência da erudição em termos globais em “La Civilización del espectáculo”, pode-se estender essa descida a todas as ramificações da arte e da literatura. “Formulações” novas surgem e desaparecem logo após. Palavras, muitas estrangeiras, têm guarida ampla e desaparecem sucedidas por outras tantas. Neologismos vulgares nascem e morrem, deixando campo a outros com o mesmo destino. Já não mais há a fixação no tempo para que ao menos determinada tendência artística ou literária persista. Não acontece o mesmo com a tecnologia, numa aceleração que faz com que determinada conquista em pouquíssimo tempo se torne obsoleta?

“Pequena Edição de Sonetos Brasileiros”, organized by Laudelino Freire (1929 edition), contemplates 122 sonnets, a 14-line verse form. Renowned poets and sonnet cultivators, not necessarily specialists in the art of the poem-writing, have been selected by Laudelino Freire.

 


 

 

O jornalismo competente

Professor é alguém que ajuda os outros a aprender;
Mestre é, sobretudo, aquele que ajuda os outros a “desaprender”,
a desaprender conceitos errados da vida, de verdade, de sabedoria,
de Amor…
José Flórido

Desde os anos 1980 tenho precauções relacionadas a entrevistas. Voluntariamente jamais quis ter empresário e sempre me afastei dos holofotes. Trata-se de posição rigorosamente individual, que me norteia durante a existência.

Estou a me lembrar de entrevista concedida a um renomado jornal de São Paulo no segundo lustro da década de 1970, nas quais fiz observação crítica sobre Mário de Andrade e a condução da Música Brasileira, assim como indiquei uma obra para piano de Claude Debussy que, por equívoco do entrevistador, teve o nome trocado por uma outra composição, esta para orquestra. Em artigo em outro renomado periódico da cidade, músicos voltados às correntes musicais nacionalistas criticaram virulentamente minha posição a respeito de Mário de Andrade, assim como um deles observou que eu deveria saber que tal obra de Debussy não era para piano, atribuindo a mim o equívoco. Não respondi a essas críticas, pois entendi que elas visavam ao intérprete e não às suas ideias. Fossem essas conceituais, pediria direito de resposta ao periódico.

Posteriormente, quando convidado para dar entrevista, solicitava a leitura antecipada do texto a ser publicado, fato que nem sempre é de agrado de periodistas e até dos jornais ou revistas.

A premissa se faz necessária, pois exceções existem. Ter confiança absoluta em um entrevistador (a) é raro e ocorre pelo conjunto de matérias Culturais por ele (a) publicado. E chegamos à competente Leila Kiyomura do Jornal da USP.

Após trabalhar para os principais jornais de São Paulo, Leila Kiyomura desde 1993 é jornalista do Jornal da USP, especializada em temas Culturais amplos, tendo sólida formação acadêmica. Tive o grato prazer de ser por ela entrevistado no longínquo 2013, quando do lançamento do livro “José Eduardo Martins – Un pianiste brésilien” (Université Paris-Sorbonne, Série “Témoignages”, nº 4, 2012). Certamente, Leila Kiyomura, a escrever para o Jornal da Universidade de São Paulo, e Paulo Guerra, a conduzir a programação Antena2 da prestigiada RDP de Portugal, foram aqueles que mais argutamente me entrevistaram, pois preparadíssimos antes das arguições. Para Paulo Guerra foram umas dez boas e longas entrevistas, sempre quando em Lisboa para recitais e projetos realizados.

Dois fatos permitiram um novo encontro com Leila Kiyomura: a finalização de minha atividade pianística pública neste ano e a recente publicação de meu livro, “Impressões sobre a Música Portuguesa” (II), com o mesmo título do primeiro, publicado pela renomada Universidade de Coimbra fundada em 1290. Leila e a competente fotógrafa Cecília Bastos retornaram à nossa morada e, após longa conversa, dela recebi várias criteriosas perguntas para serem respondidas. O resultado foi publicado no Jornal da USP (online) no último dia 21 de Julho. Deparei-me com o título da entrevista, cujo termo inicial entendo como o mais caro da vida acadêmica, Mestre, a ter uma carga essencial que atravessa os séculos no Ocidente e no Oriente, mas que, na Academia, é o degrau a anteceder o doutorado (vide blog: “O Mestre, lembrá-lo eternamente”, 25/06/2009).

Ao final da presente entrevista, Leila Kiyomura insere um segmento, resultado da entrevista de 2013, em que, com rara sensibilidade, interpretou sensações vividas por mim em 1954.

Clique para acesso à entrevista concedida à Leila Kiyomura do Jornal da USP:

https://jornal.usp.br/cultura/o-mestre-apresenta-sua-ultima-audicao-publica/

I have reservations about interviews. There are interviewers and interviewers. Leila Kiyomura of the Jornal da USP, which focuses on cultural issues, is especially careful when interviewing, thanks to indispensable prior preparation.