Uma frase que leva à reflexão sobre as exceções

As artes são a forma mais segura de escapar do mundo;
são também a forma mais segura de se unir a ele…
Franz Liszt (1811-1886)

Estava a reler o livro mencionado no blog anterior, “La Musique – Mystère et Réalité” (1955), do musicólogo Paul Roës, e encontro uma citação que é sempre atualíssima, bem anterior à publicação da obra e que se relaciona com as excepcionalidades. Estas existem e, entre elas, há sempre uma figura única que, numa quase unanimidade, é alçada a ser o modelo absoluto na sua respectiva área de atuação. Tivemos a morte recente do denominado Rei do futebol, Pelé, assim conhecido em tantas partes do planeta. Títulos, número de gols, tantos deles com a mais grandiosa habilidade, fazem de Pelé um ser único. Dias após morreu outro jogador excepcional, não à altura de Pelé, mas um artilheiro nato que encantou o Brasil com seus gols magistrais, Roberto Dinamite, cujo apelido já diz muito sobre ele. Nas duas últimas décadas, Messi e Cristiano Ronaldo se enquadram na excepcionalidade entre seus pares, mas Pelé não perdeu a realeza. Em todas as áreas há aqueles julgados com quase absoluta unanimidade.

O notável pianista e professor Sebastian Benda (vide blog: Sebastian Benda – 1926-2003 -, 21/11/2015), suíço que viveu no Brasil durante décadas, a uma pergunta que lhe fiz nos anos 1950 sobre sua opinião a respeito de compositores, afirmou que J.S. Bach era a catedral e todos os outros extraordinários compositores, igrejas. Anos atrás, o compositor Willy Corrêa de Oliveira, repentinamente, fez-me uma pergunta: “Qual o seu compositor preferido?”. No instante do acontecido, respondi: “Jean-Philippe Rameau”. Retrucou: “É isso. É o que você sente”. Minha resposta traduzia algo em que não havia pensado antes, mas atendeu na realidade o que sinto.

Clique para ouvir de Jean-Philippe Rameau, Les Cyclopes, na interpretação de J.E.M:

https://www.youtube.com/watch?v=Hl0I3svTKnI

No livro em questão, Paul Roës insere o posicionamento do renomado músico, professor e teórico alemão Rudolf Maria Breithaupt (1873-1945), que, em pleno esplendor dos grandes intérpretes do piano – tantos deles motivaram blogs nos últimos anos -, tem comentário forte perante seus coevos, mas que traduz realidades: “De todos os seis mil pianistas que seguem a cada ano os cursos de todas as instituições, um só bom executante aparece no espaço de cinco a dez anos; desse pequeno número, um gênio a cada cinquenta anos”.

Paul Roës tece comentários a respeito: “Poderíamos acreditar numa brincadeira, mas essa não foi a intenção de Breithaupt. Essa verdadeira oração fúnebre contém por acaso uma sinistra profecia? Essa frase avassaladora não atingiria dezenas de milhares de estudantes e incontáveis profissionais que, num esforço imenso, consagram a vida, fortuna e saúde na esperança de atingir a interpretação, segundo seus ideais, das obras que eles amam intensamente?”. Roës observa a estatura de Breithaupf ao assinalar: “Breithaup foi o mais importante de todos os teóricos de seu tempo. Em sua obra, de cerca de 1.500 páginas, ele trata exclusivamente da questão dos sistemas musicais do período em que viveu e anteriores, incorporando uma espécie de síntese segundo as suas próprias ideias”.

Seria claro entender que ao se aceitar como paradigma um personagem que excede em todos os quesitos de sua atividade, casos específicos mencionados acima, Pelé e J.S.Bach, não ficariam obliterados valores em todas as áreas que ultrapassaram a normalidade de seus coetâneos. Se Vladimir Horowitz (1903-1989) foi considerado por extensa maioria como um pianista que excedeu, em tantos quesitos, qualidades de seus ilustres colegas, inúmeros foram luminares. Marta Argerich, pianista referencial que se encontra entre as raridades de sua geração, como tantos outros considera Horowitz o maior entre todos. Poderíamos considerar como época de ouro dos grandes intérpretes as décadas de atuação dos notáveis estudiosos Breithaupt e Roës.

Seria possível entender, sob outra égide, que a proliferação de Concursos Internacionais para instrumentos solistas, como piano, violino e violoncelo, coloca dezenas de instrumentistas anualmente no “mercado da música” que, para o bem e para o mal, existe. Em um primeiro ano de láureas atribuídas aos vencedores, uma série de apresentações mundo afora lhes é ofertada, mas em ano subsequente nova leva chega ao mercado e, dentre remanescentes dos concursos anteriores, um número ínfimo será ungido, sendo que para os outros repentinamente há brusca redução na agenda. Ao se distanciar das manchetes ávidas pelo novo, apesar da qualidade intrínseca, muitos deles deixam de ser notícia, caminho para o lento ocultamento. Problemas relacionados ao repertório de um jovem premiado, ainda não extenso; à índole do artista; às aspirações; à avidez do empresário na incessante busca do lucro e, a anteceder, o brilho dos holofotes aos eleitos do momento, podem encerrar precocemente carreiras que, doravante, se destinarão a poucas apresentações e ao ensino, quando não ao abandono da prática e à depressão. Quando de uma das viagens ao exterior, décadas atrás, li num periódico artigo intrigante que abordava infaustos acontecimentos a laureados pós sucessos, apontando até suicídios, sem nomear evidentemente os infortunados. Egressos dos incontáveis concursos existentes, são poucos os que continuam a atuar em alto nível e, desses, haverá na realidade raríssimos que continuarão em carreiras solidificadas. Num outro olhar, o “mercado” não consegue absorver quantidade de instrumentistas, mormente pela queda real de público para as apresentações individuais, pois o esquecimento voluntário promovido pela hoje famigerada grande mídia dos eventos eruditos de toda ordem é fato concreto.

O preceito bíblico “muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos” aplica-se a todas as áreas. Entre os raros com dons naturais evidentes, outros podem se inserir através de uma constante, mas árdua tarefa, que envolve um conjunto de procedimentos: vontade, disciplina, constância, dedicação, regularidade, concentração e afeto ao desiderato proposto. Contudo, na atualidade, a antevisão do futuro para um jovem e promissor intérprete é bem nebulosa.

Musicologists who worked in the first half of the 20th century comment on the problem of the natural selection of talented musical performers and the existence of one. in each generation who will go far beyond the usual. I believe this applies to all areas in which man acts.

 

 

Os que dela não gostam são raros

Se, de todas as artes, a música é a mais acessível,
não é pelo fato de ser mais cosmopolita,
mas sim por ser cósmica em sua natureza.
Ignaz Paderewski (1860-1941)

Ao longo da existência conheci duas pessoas que realmente não gostam de música. Não a detestam, apenas têm por ela indiferença. Foi com surpresa que, no início deste ano, ao encontrar na feira-livre que frequento desde os anos 1960 um velho amigo que não via há tempos, disse-me ele que segue assiduamente meus blogs, repassando-o aos seus conhecidos, mas nunca acessa os links que insiro com gravações diversas, muitas retiradas de meus CDs. À minha pergunta a querer saber a razão, recebi resposta tranquila, mas certeira. Disse-me que a música sempre lhe foi absolutamente indiferente e que nada lhe transmitia, seja ela a que gênero pertença, erudito ou popular.

Esse posicionamento existe e responde, em termos, às palavras de Franz Liszt (1811-1886), que, em carta à Condessa d’Agoult (1805-1876), com quem viveu durante alguns anos, tendo com ela três filhos, afirmava que “há almas que amam os sons”. Liszt não generaliza e as escassas exceções existem.

Um dos autores que se debruçou sobre o tema, o musicólogo francês Paul Roës, em seu livro “La Musique – Mystère et Realité” (Paris, Lemoine, 1955), aborda essa não apetência pelas “ondas sonoras”. Idealiza dois amigos que passeavam na praça San Marco em Veneza e que, após diálogo sobre tema espinhoso, continuaram silenciosos a caminhar, pois um abismo os separava. Roës descreve a cena em que um deles “acabara de reafirmar que era completamente desprovido de qualquer senso musical, e essa afirmação soou como uma ofensa aos ouvidos do outro, o músico. Este repetira muitas vezes que a ausência de qualquer senso musical é tão rara, que não há quem seja totalmente dele desprovido. Cansado de reiterar seus argumentos, reportou-se a Shakespeare, que, ácido, descreve em ‘O Mercador de Veneza’ a insensibilidade em relação à música quando o personagem Lorenzo responde à filha de Shylock: ‘Você diz que nunca está feliz ouvindo a doce música? E bem, o homem que não tem a música dentro dele, que não é tocado pela bela harmonia, esse homem é propenso às traições, às intrigas, às querelas e aos roubos; os impulsos de seu espírito são obscuros como a noite, suas afeições de alma, sombrias como o Erebus… desconfiemos de tal ser…’. Paul Roës divaga a seguir em sua história, a dizer que “Subitamente um sino de tom grave soou no campanário de San Marco. A pujança do som de bronze surpreendeu os dois amigos e balançou suas divergências; a brusca sonorização provocou a revoada dos pombos, que fugiram assustados da praça”. O badalar sucessivo dos outros sons em tons diversos, o ambiente, a atmosfera do verão, a progressiva extinção sonora até o silêncio incitam o não músico a afirmar: “Experimento uma sensação bem estranha, os sons dos sinos me sugeriram um recuo no tempo como se vivesse num longínquo passado, séculos e séculos atrás…”, frase seguida das considerações do músico “Estou surpreso… feliz por suas palavras e encantado pelo fato de o amigo ter descoberto aquilo que eu denomino uma profunda musicalidade”. Essa narrativa faz lembrar outra “conversão” em termos distintos, a de Paul Claudel à religiosidade no interior grandioso de Notre Dame em Paris.

Clique para ouvir o repicar dos Sinos do Campanário da Praça San Marco em Veneza:

https://www.google.com/search?q=youtube+Musica+dalle+campane+del+campanile+di+Piazza+San+Marco+a+Venezia&oq=youtube+Musica+dalle+campane+del+campanile+di+Piazza+San+Marco+a+Venezia&aqs=chrome..69i57.20319j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8#fpstate=ive&vld=cid:c82e3e84,vid:k0z8G936qjA

O pensamento de Shakespeare se insere numa peça e obedece ao contexto. Os raros que simplesmente são indiferentes à música não sofrem das desordens mentais apontadas em “O mercador de Veneza”. As únicas pessoas que conheci que são indiferentes à música não têm a mínima semelhança com a figura teatral proposta pelo imenso dramaturgo, poeta e ator inglês. Contudo, há nuances. Meu amigo acima mencionado, após minha insistência na indagação sobre gêneros musicais, mormente sendo ele brasileiro, sob forte presença dos ritmos pátrios durante quase todo o ano, ratificou que para ele não faziam diferença alguma, quaisquer músicas ou ritmos, simplesmente tudo lhe era indiferente. Não obstante a resposta incisiva, afirmou-me que gostava de poesia, ao que retruquei a dizer que, segundo o notável poeta e escritor Guerra Junqueiro (1850-1923), “a música é poesia incorpórea”.

Ao consultar sites do hemisfério norte, verifiquei que pesquisas científicas recentes (1993) têm demonstrado que essa dificuldade ou incapacidade das raras pessoas que não sentem satisfação ao ouvir música é uma condição neurológica. Mais recentemente (2011), atribuiu-se a designação “anedonia musical”. A não apreciação ou mesmo o gosto musical podem estar ausentes por completo, sem que, paradoxalmente, aquele que se insere nessa condição não possa distinguir gêneros musicais e mesmo analisá-los, mas permanecendo indiferente à escuta musical. A “anedonia musical sem danos cerebrais” não tem disfunções do cérebro e atinge de 3 a 5% da população. Entretanto, a “anedonia musical adquirida” devido a danos ou traumas cerebrais tem porcentagem ainda menor. O fato de ter conhecido até o momento apenas três pessoas nessas condições se enquadra na estatística mencionada.

Num aprazível café de nosso bairro fiz inúmeras perguntas ao amigo citado acima, quando de um “longo” curto na semana que ora finda. Queria saber mais sobre a sua condição. Perguntei-lhe sobre outras artes e também não se mostrou minimamente entusiasta. Quanto à literatura, é um devorador de livros, preferencialmente em inglês e norteados nas temáticas aventura, suspense e… poesia. Longe de ser uma pessoa expansiva, é muito inteligente e lê em vários idiomas, mas é um tanto quanto misantropo. Revela franqueza em não ter o menor apreço pela música como um todo, sendo, porém, uma pessoa que admiro pela cultura, fala impecável a preservar a língua portuguesa, hoje tão sofrida nos meios de comunicação. Em acréscimo, conduta e lhaneza que tem para com este amigo músico, sendo que a indiferença às “ondas sonoras” não interferiu minimamente no diálogo substancioso que mantivemos.

Ao nos despedirmos ainda ousei uma última pergunta. “Dos blogs que assiduamente o amigo lê, nenhum link musical deveras o interessou?”. A sorrir, sem outras intenções duvidosas, respondeu “nenhum”. Sem dúvida aprendi o elementar sobre a rara “anedonia musical”, que, confesso, desconhecia nesses termos revestidos pela ciência, pois só ultimamente tem sido estudada com profundidade.

Na consulta aos sites especializados verifiquei que pesquisadores da Northeastern University, em Boston, fizeram investigações sobre música e cérebro e ações que pudessem alterar o relacionamento social. Há possibilidades de que imagens do cérebro de um autista tenham semelhanças com aquelas dos que se enquadram entre os raros com “anedonia musical”. Outros estudos revelariam que determinados tratamentos, tendo a música como base, podem ser utilizados tanto para a “anedonia musical” como para a depressão.

I have known in the course of my existence only three people for whom music is totally indifferent. Educated, intelligent people who appreciate literature and poetry, but to whom “musical sound waves” say nothing. For three decades researchers in the northern hemisphere have been studying this subject, and more recently, in 2011, they gave a name to this brain disfunction: “musical anhedonia”.

O cosmopolitismo e seus comprometimentos

Não admitimos que a tendência à uniformidade de costumes e de gostos
tenha um efeito inelutável de um novo regime civilizatório,
que imponha a todos os países interesses solidários,
uma vida e uma história comum.
Apesar dos sintomas dessas tendências existirem,
acreditamos que não prevalecerão.
Gustave Bertrand (“Les Nationalités Musicales”, 1872)

Como nada entenderam do passado nada podem sonhar com o futuro.
Agostinho da Silva

Entre as muitas mensagens tecendo comentários sobre o último post, três enfatizam o fato de que a decadência dos costumes, moral, artes, política e tantas outras áreas é generalizada, a não poupar os países. Quanto ao nosso vasto torrão, essa degeneração é também acentuada. As mensagens me fizeram lembrar de um livro do escritor e musicólogo Gustave Bertrand “Les Nationalités musicales étudiées dans le drame lyrique” (Paris, Didier, 1872), que adquiri em sua edição original nos anos 1960 em Paris. O autor, àquela altura, já sinalizava circunstâncias que podem ser observadas 150 anos após!!!

Extraio alguns parágrafos do livro, a fim de considerações. Gustave Bertrand observa determinado resultado das célebres Exposições Universais que em Paris têm início em meados do século XIX, sendo que a mais célebre Exposição Universal, em 1889, para a celebração do centenário da Revolução Francesa de 1789, dar-se-ia 17 anos após o livro mencionado. Profeticamente, comenta que “Nessa era de Exposições que começa, a França se pertencerá cada vez menos; pois não se trata de hospitalidade: os estrangeiros marcam os encontros em nossas terras. À força de ser cosmopolita, Paris esquecerá de ser nacional. A honra é grande, sem dúvida, de ser a capital cosmopolita, mas ao invés de aproveitar, findaremos por sofrer. As opiniões são bem divididas nesse assunto. Essa situação pode parecer magnífica para aqueles que acreditam e que ficam felizes sob o aspecto da sociabilidade europeia; todavia, outros tantos veem confusão, promiscuidade de gostos, e temem que o resultado dessa bela química internacional busque finalmente apagar o que há na arte a mais característica, de extirpar uma das fontes essenciais da originalidade, de fazer com que a música seja pasteurizada em todos os países do mundo”.

A seguir, Gustave Bertrand tece comentários a respeito da necessidade de as nações e seus indivíduos guardarem suas características: “Acreditamos que os cidadãos podem se conhecer, ter negócios conjuntos, manter laços estreitos, sem abdicar minimamente dos seus caracteres, fisionomias e personalidades. Eles podem admirar e estudar qualidades alheias numa reciprocidade, assimilar alguma coisa de experiências outras, sem que por isso cessem de viver suas individualidades”. Frise-se que, em 2019, a França tinha 6,7 milhões de imigrantes, o que correspondia a 9,9% da população do país, sendo que 37% se naturalizaram e que 7,4 milhões são considerados estrangeiros, o que perfaz 4,9 milhões de pessoas. Grande parte dessa imigração é oriunda do Magreb, que compreende os países ao norte da África: Marrocos, Argélia, Tunísia, Mauritânia e Líbia (fonte: CIMADE (Comité Inter-Mouvements Auprès Des Évacués).

Essa imigração também se verifica em muitos países europeus. O esquecer de ser nacional, apregoado por Bertrand, é nos nossos dias uma consequência natural e hoje não há mais a necessidade daquelas grandiosas Exposições, pois as práticas ditadas pelos países do propalado primeiro mundo, mercê inclusive do desenvolvimento cotidiano da tecnologia, influem nessa perda do sentimento nacional que, frise-se, ressurge sempre, mormente nos grandes eventos esportivos ou em conflagrações.

Sobre o intercâmbio entre as nações, Bertrand afirma: “É possível que uma nação capte por certo tempo os ensinamentos de uma outra, sem contudo ser condenada a se alimentar da imitação, a viver por reflexo. Que um artista emigre na busca de circunstâncias favoráveis ao seu gênio, isso não se traduz em uma ordem imutável do Destino a regulamentar as coisas de um país a outro”.

Contrapondo à frase mencionada, “À força de ser cosmopolita, Paris esquecerá de ser nacional”, Bertrand observa: “Nenhuma nação é fatalmente deserdada de algumas das grandes faculdades essenciais que constituem a humanidade em si. Eu cito ao acaso: a lógica, a coragem, a atividade industrial, agrícola ou comercial, a eloquência, a fantasia, o espírito filosófico, a observação moral, a imaginação e o sentimento artístico em suas diversas formas, poesia, drama, arquitetura, pintura, música, etc…; somente, cada nação guardará, nas suas diversas aplicações, seu caráter e gosto particulares”.

Entendo bem as posições de leitores sobre a problemática das transformações por que passa a humanidade nos itens elencados no post anterior relacionados a costumes, moralidade, gostos e à nítida decadência qualitativa em áreas como a criação artística. A música de alto consumo, como exemplo, passa por constantes transformações ditadas pela mídia e seus inconfessos interesses voltados à “renovação” sempre mais apelativa. Desse gênero “musical”, determinadas vertentes vindas do hemisfério norte, que produzem barulho “sonoro” ensurdecedor (entorpecedor das mentes), gestualização transloucada (a transição visual sem tréguas), repetição incessante (hipnotismo), “música” desprezível (destruição dos padrões tradicionais), conduzem milhões à alienação. E todo esse “material” é descartado em detrimento de outras apresentações sempre mais aberrantes e ruidosas. A mutação do gosto, calculadamente planejada pela mediação de tantos agentes, anatematiza a durabilidade.

Gêneros “musicais” que levam massas humanas pelo globo ao delírio, tendo como atores figuras amplamente mediáticas, estão em conformidade com “à força de ser cosmopolita…” apregoada por Bertrand. O que se vê é a diminuição brutal dessa juventude frente à arte erudita em detrimento das manifestações mediáticas de gêneros efêmeros, majoritariamente alienígenas, como Rock in Rio ou Lollapalooza, ou então, sob outra égide bem mediática e devastadora, se considerados forem os malfadados exemplos dos reality shows.

Nem falemos sobre a atividade musical erudita, pois estou a me lembrar de que, na nossa longínqua juventude, postávamo-nos em grandes filas frente ao Teatro Municipal para obter bilhetes para as galerias quando da visita dos luminares do gênero ao Brasil. A população de São Paulo era de 3,5 milhões, hoje 12,5 milhões, o que faria supor, para a atualidade, filas intermináveis.

Se outrora jovens instrumentistas pátrios contavam com público numeroso para estimulá-los, hoje os espaços ficaram reduzidos a guetos para todos, jovens e veteranos. A atividade musical erudita, contudo, persiste. A ciência já não provou que a chama de uma vela tem um potencial inimaginável?

Readers have asked for further clarification about the “cultural homogenization” that happens today in so many areas, such as tastes, customs, morals, arts. From the book by the French musicologist Gustave Bertrand, “Les Nationalités Musicales étudiées dans le drame Lyrique” (1872), I have drawn some very interesting ideas.