Por unanimidade, nome referencial do piano no século XX
Eu tenho os meus conceitos, outros têm os deles;
e não devem ser comparados.
Depois de tudo, música é música.
Eu toco música não porque quero ser comparada,
mas porque a adoro.
Alicia de Larrocha
Nascida em Barcelona, na Catalunha, Alicia de Larrocha, descendente de família de pianistas, foi um talento precoce e aos cinco anos se apresentou durante a Exposição Internacional em Barcelona. Essa precocidade levou-a a outras significativas apresentações, inclusive com orquestra, em vários continentes.
A carreira da Alicia de Larrocha foi uma das mais sólidas durante décadas. Intérprete irretocável de tantos autores, Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin, Liszt, Schumann, Brahms… Foi talvez sua dedicação aos compositores pátrios, Antonio Soler, Enrique Granados, Isaac Albéniz e Manuel de Falla, que a tornaria a mais ilustre pianista na execução desse rico repertório. Vladimir Horowitz não hesita ao dizer que ninguém tocava os espanhóis como de Larrocha. Aliás, a pianista tem uma visão precisa a respeito desses autores: “Não acredito que haja um ‘melhor’ de nada nesta vida. Eu diria, porém, que Granados foi um dos grandes compositores espanhóis, e na minha opinião foi o único que capturou o verdadeiro sabor romântico. O seu estilo era aristocrático, elegante e poético, completamente diferente de Falla e Albéniz. Para mim, cada um deles é um mundo diferente. Falla foi o único que realmente capturou o espírito da música cigana. E Albéniz, penso que era mais internacional do que os outros. Embora sua música seja espanhola no sabor, seu estilo é completamente impressionista”.
Clique para ouvir, de Antonio Soler, a Sonata em Ré bemol, R. 88, na interpretação de Alicia de Larrocha:
https://www.youtube.com/watch?v=m2r4Ty9FKb4
Tivemos, Regina e eu, o privilégio de estar entre os poucos presentes (!!!) ao recital em que Alicia de Larrocha apresentou no MASP os quatro cadernos de Iberia, de Isaac Albéniz, em interpretação a não se esquecer, brindando o público, ao final, com Navarra, que poderia ser considerada a 13ª da magnífica coletânea. Navarra foi dedicada à ilustre pianista e professora Marguerite Long, que, em seu célebre Le Piano, escreve que o pianista que critica suas mãos é indigno da arte. Alicia de Larrocha realizava proezas com suas pequenas mãos, mas com alguns atributos: o quinto dedo era longo e a abertura entre o polegar e o indicador, ampla, permitindo-lhe as façanhas que realizava. Afirmaria: “Quem me dera ter uma extensão naturalmente ampla, mas não tenho. Não me importaria com dedos mais longos, apenas com uma mão mais espalhada. Mas com treino e trabalho árduo, consegui ultrapassar essa limitação”.
Se pianista consagrada, Alicia de Larrocha também teve proeminência como professora. A acuidade, decorrente desse olhar o desenvolvimento de gerações de pianistas, fê-la, quando em entrevistas ou simples testemunhos, deixar claras as suas deduções a respeito da arte pianística, repertório, psicologia voltada à execução. Quando instada a comentar a respeito de concursos internacionais de piano, ela, que não participara dessas competições, é bem crítica em sua avaliação: “Penso que todo o sistema está errado, completamente errado. Não tem nada a ver com a música do artista. É como uma olimpíada artificial e mecânica. É apenas trabalho, trabalho, trabalho para a competição, mas e depois? Se os pianistas são bons, não precisam de uma competição. Além disso, se ganharem, apenas recebem um prêmio e uma série de concertos que, por vezes, os transformam em meras máquinas. Isso não é música, nem é arte. A grande publicidade tem algum efeito. Divulga o nome, mas quer seja um bom músico ou não, não conta muito”.
Clique para ouvir, de Schumann, Carnaval de Viena op. 26, na interpretação de Alicia de Larrocha:
https://www.youtube.com/watch?v=DaUoIcItGnE
Quanto à preparação e escolha de repertório, comenta: “Posso ser considerada principalmente como uma pianista bastante egoísta porque toco para mim mesma. E, quando partir, meu único desejo é que as pessoas tenham tido algum prazer com o meu trabalho e não pensem que eu fui uma pessoa desagradável! Eu também não olho para trás, mas teria sido uma alegria conhecer Beethoven, Bach e Schumann porque eles eram grandes artistas”.
Sob o plano voltado ao estudo pianístico, Alicia de Larrocha comenta que o dedilhado lhe era fundamental e que sempre dele se servia a fim de buscar um toque particular. Afirmaria que a mudança de dedilhado às vésperas de uma apresentação poderia ser tardia, perigosa. “É melhor ter uma dedilhação prática trabalhada com antecedência, especialmente para mim, porque a dedilhação é a base da segurança, penso eu”.
Liszt dizia que se sabe bem uma obra se conseguimos tocá-la lentamente e melhor se mais lentamente ainda… Alicia de Larrocha considera que “por vezes, também tenho de tocar uma peça muito lentamente para solidificar a memorização”.
Clique para ouvir, de Liszt, La Campanella, na interpretação de Alicia de Larrocha:
https://www.youtube.com/watch?v=R0wmi0y1Geg
Num apanhado histórico, observa: “Cada período da história da música tem mostrado gostos, modos e técnicas diferentes. Em qualquer época havia um grupo de artistas de excelência que trabalhava no mais alto nível até que pouco a pouco novos estilos e maneiras foram desgastando as suas posições e novos grandes artistas os substituíram. Ouvimos dizer que o período Romântico, por exemplo, foi o período do virtuosismo, da ênfase na técnica. Os pianos de Liszt e Chopin eram tão leves ao toque que bastava soprar sobre as teclas para produzir o som. Todavia, o som era menor e assim deveria ser porque as salas de concerto acomodavam apenas algumas centenas de pessoas, e muitos recitais eram dados em casas particulares ou em salões da moda. Mas se Liszt e Chopin tivessem de tocar num piano moderno, ninguém sabe como se comportariam”.
Clique para ouvir, de Isaac Albéniz, Triana na magistral interpretação de Alicia de Larrocha:
https://www.youtube.com/watch?v=WjvkXoNXBqw
Corroborando as palavras de Vladimir Horowitz, só poderemos endossar a magnificente interpretação da música espanhola pela excelsa pianista. Imbatível nesse repertório e extraordinárias as suas leituras de Mozart, Schumann, Liszt… Não há arestas em suas interpretações. Elas configuram uma unidade sonora raríssima. Ouvi-la, através de gravações que estão disponíveis, é motivo de raro prazer estético.
Tendo encerrado a carreira em 2003, após uma trajetória que se estendeu por 76 anos, pois iniciada ainda quando criança, pouco tempo após sofre queda e fratura o quadril, vindo a falecer em 2009 em sua cidade natal, Barcelona.
Clique para ouvir, de Enrique Granados, Dança Espanhola nº 7, na interpretação de Alicia de Larrocha;
https://www.youtube.com/watch?v=ejVPK7cEwLU
Alicia de Larrocha was one of the biggest names in piano playing in the 20th century. An eclectic interpreter, her performances of Spanish composers, according to Vladimir Horowitz, are unsurpassed. I believe some of her opinions, expressed in interviews throughout her career, are worth reading.
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