Navegando Posts publicados em novembro, 2009

Ayrton Senna Racing Day

Viviane Senna e seis integrantes da TA LENTOS. Clique para ampliar.

Amor à vida no tempo
corra bem ou corra mal…

Agostinho da Silva

No post anterior escrevia que chegara bem tarde da noite de minha semana musical em Goiânia. Às seis e meia da manhã do dia seguinte já estava no autódromo de Interlagos. Participar pela segunda vez da Maratona de Revezamento Ayrton Senna Racing Day em sua 6ª edição foi uma grande alegria. Nossa equipe TA LENTOS foi pouco a pouco chegando, pois cada integrante já era conhecedor de sua posição no revezamento. Competia a cada corredor da TA LENTOS dar uma volta no lendário circuito. Fui o segundo a sair após receber a braçadeira de Franco, bem mais jovem e mais rápido do que eu, o Matusalém do grupo. Para esta prova Regina e Cristina não puderam correr e foram substituídas à altura por Paulo e Fernando. Curvas, descidas e subidas, entre as quais aquela temível que leva à reta dos boxes e que é mostrada em uma das ilustrações, constituem o belo traçado do autódromo. Assim mesmo baixei meu tempo em quase dois minutos em relação ao ano passado nesse percurso de 5.275 metros, distância para cada integrante das equipes de oito corredores. Em post anterior descrevia a sensação realmente intensa de percorrer o circuito de Interlagos (vide TA LENTOS – Sinônimo de equipe solidária 29/11/08).
O congraçamento nessas provas de revezamento é grande. Todos imbuídos de uma intenção única, a de participar e conviver durante aquelas prazerosas horas.
Novamente nossa equipe recebeu a simpática recepção de Viviane Senna, irmã do grande tricampeão mundial de Fórmula 1 e dedicada organizadora do evento.

Edson Dantas, Ezequiel Costa e J.E.M. Interlagos 08/11/09. Clique para ampliar.

Um fato chamou-me a atenção. Durante o aquecimento passava por mim um corredor amputado da perna esquerda pouco abaixo do joelho. Exercitava-se desenvolto e notava-se tratar-se de alguém experiente. Continuava meu aquecimento quando, ao cruzarmos o caminho uma outra vez, indaguei-lhe a respeito. Disse-me que perdera parte do membro em acidente e que corria com prótese há alguns anos. Quis saber mais, mas o nosso atleta prometeu continuar o diálogo, pois estava a exercitar-se em várias velocidades. Chegou o meu momento, fiz o percurso e passei a braçadeira para Américo, colega de equipe. Como em prova transpira-se muito, há a necessidade de alongamento após a corrida e ingestão de líquidos. Preferencialmente trocamos de camisa uma ou mais vezes após o término. Lá pelas tantas chegou o atleta amputado, que ainda deveria participar. Fazia-se acompanhar daquele que o precederia, Ezequiel Costa, também amputado, de um braço. Continuamos o diálogo interrompido. Soube tratar-se de Edson Dantas, excepcional corredor. Atencioso e modesto, disse-me que era bi-campeão na categoria amputados da concorrida Maratona de Nova York. Estava feliz, pois regressara a poucos dias dos Estados Unidos com o tempo para os 42.200 metros percorridos em 3hs16’. Tem 43 anos e invulgar disposição. Na categoria, é tricampeão da São Silvestre e ostenta prêmios em lugares os mais diversos. Utiliza-se de uma prótese alemã especialmente elaborada para ele. Apreendi que a tal prótese é constituída de fibra de carbono, a conter várias especificações ultramodernas, proporcionando ao atleta uma impulsão superior nas passadas. Como os dois teriam ainda de participar, pedi ao Américo para tirar uma foto. Sérgio Yuji disse-nos mais tarde que Edson Dantas passou por ele como uma flecha. Pudera, estava o amigo diante de um dos melhores atletas paraolímpicos da atualidade e especialista também nos 5 e 10kms. É surpreendente e emocionante verificar essa disciplina que leva à grande superação.

Subida em direção aos boxes. No pulso esquerdo a braçadeira do revezamento. Foto Webrun. Clique para ampliar.

Pouco a pouco os oito de nossa equipe foram cruzando a linha. Findava-se o revezamento. Fomos um pouco mais rápidos do que no ano anterior. Isso para nós não tem a menor importância. Estou a me lembrar da frase de Sérgio Yuji Yokoyama quando da nossa Maratona em 2008: “O melhor resultado não é da equipe que consegue o melhor tempo; o melhor resultado é daquela que consegue desfrutar da alegria, do prazer, da satisfação de estar entre amigos e fazer perdurar isso pelo maior tempo possível…”. Não apenas Sérgio, mas Sato, Ademir, Américo, Franco, Paulo e Fernando partilham da mesma opinião. Alguns de nossa equipe correrão a São Silvestre em seus 15km. Américo e Sérgio, certamente. Já fixamos o encontro em frente ao metrô Brigadeiro no próximo 31 de Dezembro. Sairemos lá atrás, mas o importante será a permanência irmanada durante o longo trajeto, apesar de nossos ritmos diferenciados.

TA LENTOS completa e o capacete do ídolo Ayrton Senna. Clique para ampliar.

Findava este post, horas após ter dado o recital de lançamento do álbum duplo de CDs contendo a integral de Jean-Philippe Rameau interpretada ao piano. (vide Jean-Philippe Rameau – Origem de Fascinante Envolvimento, 14/11/09). Qual não foi minha alegria ao ver a TA LENTOS completa a assistir ao recital. Na fala que precedeu à apresentação, mencionei o fato de tê-los presentes. Se as mensagens musicais serviram para uma outra categoria de congraçamento, comprovaram aos queridos amigos da equipe que os meus dedos correm bem mais velozes do que as septuagenárias pernas. Sob outro aspecto, Luca Vitali, atento, conversou com integrantes da TA LENTOS após o recital. O artista, jocosamente acaba de me enviar sua interpretação do grupo nipo-brasileiro. Uma só alegria.

TA LENTOS no desenho pleno de humor de Luca Vitali. 25/11/09. Clique para ampliar.

Once again I participated in the relay marathon held yearly in São Paulo at the Interlagos circuit, the venue of the F1 Brazilian Grand Prix. I was one of the eight members of the “TA LENTOS” team. This time I had the chance to meet a man of exception, the amputee runner Edson Dantas, who has twice won the New York City Marathon and three times the local Saint Silvester Road Race for athletes with physical disabilities, proving that determination can push us to new limits. “TA LENTOS” didn’t win the race, but we had a great time together. Some of us have already arranged to meet at the Brigadeiro subway station on 31 December to run the 15 km course of the Saint Silvester competition through the hilly streets of São Paulo.

Cidade que Cultua a Música

Clique para ampliar.

Goiânia nasceu para ser capital,
nasceu sem infância histórica,
sem adolescência interior,
madura demais para tão pouco tempo de criação.

Nasr Fayad Chaul

Há mais de duas décadas visito Goiânia, não com a frequência que desejaria, mas sempre com imensa alegria. Rever amigos e sentir em pleno Planalto Central uma cidade pujante em seus 76 anos de existência. Realmente uma urbe agradável. Seus belos parques causam forte impressão. Dei muitos recitais ao longo dos anos. Cursos de piano, conferências e participação em bancas integraram-me ao convívio singular goianiense. A cidade faz parte de meu universo de afeto. Muitos foram os músicos de qualidade que conheci em Goiânia e que estão a batalhar pela causa. Mencionaria, como baluarte da sólida escola pianística goianiense, a saudosa amiga Belkiss Carneiro de Mendonça, formadora de gerações de bons pianistas e professores, entre os quais Glacy Antunes de Oliveira, que se destaca com produção relevante.
Fui convidado pela dedicada Professora Gyovana Carneiro, da Universidade Federal de Goiás e uma das organizadoras da série Concertos na Cidade. Juntamente com Ana Flávia Frazão, outra competente Professora da mesma Instituição, também da nova geração, tem conduzido uma bela programação, a contar com as parcerias da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG e do Centro Educacional SESC Cidadania. Recital, conferência e também participação como membro de júri de Concurso de Jovens Talentos da EMAC 2009 preencheram minha semana no começo de Novembro.
O recital se deu no ótimo Auditório do SESC com um público entusiasta, o que contagiou o intérprete. A conferência, no Auditório da EMAC-UFG, impressionou-me pela qualidade das perguntas de professores e alunos, quando dos debates. O Concurso fez-me pensar. Só aceitei participar como jurado por saber que não haveria qualquer pressão, tão comum em outros certames do eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Fiquei deveras feliz ao ouvir jovens talentosos e dedicados buscando realização através da música de concerto. Juventude sadia, estudiosa. Ouvimos belas vocações. Fui incumbido de dar os resultados. Conversei em público com os candidatos. Frisei com veemência que todos eram vencedores, pois subir em um palco diante de júri e realizar provas a contento requerem não apenas esforço, como amor, dedicação, disciplina e coragem. Não há vencidos. O resultado, infelizmente, tem de proclamar os mais acurados desempenhos.
Aproveitei umas poucas horas de uma tarde que intercalava calor e chuva para correr 7,5km no exterior do belíssimo parque Areião, percurso a contemplar longas descidas e subidas. Uma felicidade. Tinha de me preparar para a Maratona de Revezamento em São Paulo.
Dois importantes jornais da cidade entrevistaram-me: Diário da Manhã (Aline Mil) e O Popular (Edson Wander). As matérias foram publicadas nos dias 3 e 4 de Novembro, respectivamente. Pedi a autorização, que me foi concedida gentilmente pelos órgãos de imprensa, e reproduzo nesse post as entrevistas na íntegra.

Clique para ampliar.

Diário da Manhã (3 de Novembro de 2009)

Pergunta: O projeto Concertos da Cidade é voltado para um público que não tem o costume de apreciar a música clássica ou nunca entrou em contato com esse nicho da arte. Como você enxerga essa inserção da música clássica no dia-a-dia do brasileiro? Nós caminhamos para uma maior difusão desse tipo de trabalho no país ou estamos cada vez mais longe disso? Resposta: É fundamental (a inserção da música erudita no dia-a-dia do brasileiro). Há um decréscimo progressivo da música clássica, dita de concerto, junto às massas. Fatores múltiplos como elitismo, propagação desmesurada da música de alto consumo, como rock e seus derivantes, sertaneja em todos os níveis e muitas outras manifestações. Diria que a música erudita, clássica ou de concerto tem a magia da perenidade – quando qualitativa – e, por não ser descartável, pode proporcionar ao homem a reflexão e a apreciação do belo, que tem tantas outras ligações com o aperfeiçoamento individual.

P:Você já viajou bastante, estudou fora e se apresentou em vários lugares. Como funciona essa difusão da música clássica lá fora? R: Há lá fora e lá fora. A gradação depende do lugar onde há a apresentação. Creio que o respeito que se tem ao cidadão em todos os níveis, desde o cuidado dos governos quanto à saúde, à educação e à segurança, tenha influência decisiva. Faz parte dos costumes de muitos países cultuar o passado, seja através da conservação dos museus e dos logradouros históricos, seja na preservação das culturas. Para a música, o intérprete é o elo que transporta a criação do compositor ao público. Divulga-se e preserva-se a tradição em tantos países. Ir a um concerto tem essa feliz rotina que se encontra em outras ações, como ir à missa, a um passeio, conviver com a família e com os amigos. Faz parte dos costumes e isso é salutar.

P: Dos visitados e conhecidos, em qual país o senhor mais admirou o tratamento e a valorização dada à música erudita. R: Todos nós elegemos nossas cidades e países. Faz parte da natureza humana. Tenho especial afeto por Portugal, Bélgica, França, Bulgária, Romênia… Diria que já visitei dezenas de vezes Portugal, sempre para recitais ou conferências. Sou um admirador incondicional da música erudita portuguesa, do barroco à contemporaneidade. Tantas outras vezes estive na Bélgica para apresentações e gravações, todas realizadas na mágica capela de São Hilário em Mullem, no coração da região flamenga. Data do século XI e, dos 20 CDs que gravei no Exterior, 15 foram naquela bela capela. A França está enraizada através de minha formação com grandes mestres. Mantenho relação profunda com Paris, mercê de meu trabalho relacionado a Claude Debussy e a Jean-Philippe Rameau, compositores extraordinários.

P: Onde o sr. se sente mais a vontade, nos grandes palcos ou nas apresentações mais reservadas e com produção mais tranquila, como essa que vai ser feita em Goiânia? R: Desde meados dos anos 90 estou mais ligado às gravações. Prefiro-as à apresentação pública. É um ledo engano pensar que microfones não captam a alma do intérprete. Tudo está lá. Aos 71 anos dirijo-me à idade da síntese e a gravação tem a magia de registrar o que realmente sinto e penso. Sim, o palco é importante, mas pode tantas vezes representar o culto ao holofote. Sob outro aspecto, desde os anos 80 me apresento em Goiânia. Faz parte de meu universo de afeto.

O Popular (4 de Novembro de 2009)

Pergunta: O que pesa mais na hora de escolher o repertório de seus concertos? Resposta: Habitualmente, o intérprete herda repertório sacralizado. Se considerarmos o amplo leque a abranger as salas de concerto em países que acatam a música denominada clássica ou erudita, verificamos que uma parte do repertório, bem menor do que a ponta de um iceberg, é apresentada em público. Ousaria dizer que não ultrapassa um dígito o percentual do qualitativo apresentado para as platéias ávidas por ouvir sempre as mesmas obras e, de preferência, os mesmos intérpretes. Até os 30 e tais anos aprendi e toquei muito o repertório super tradicional, importantíssimo para a formação de todo pianista. Mas, a uma certa altura, parei de tocar por três anos. Ao retornar, em fins dos anos 60, a escolha estava feita. Só estudaria aquilo de que gostasse e um imenso universo se abriu.

P: Há uma crítica frequente de que nossas escolas pouco estudam e executam os compositores brasileiros. O senhor comunga dessa visão? R: Não é bem assim. Toca-se sempre as mesmas obras, de Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri e tantos outros. Mas toca-se. Não há a vontade por parte de tantos professores de sondar o inusitado, e ele existe. Estou a me lembrar de Henrique Oswald, o nosso grande compositor romântico. Quando iniciei os meus estudos relativos à sua obra e à sua vida em 1978, tocava-se dele para piano duas ou três peças apenas. Isso é fato. Minha tese de doutorado foi sobre Oswald, no longínquo 1988. Gravei cinco LPs no Brasil e três CDs no Exterior contendo expressiva parcela de sua obra de câmara e para piano solo. Presentemente, mais de uma dezena de teses e gravações esparsas estão a apontar para um caminho que deu certo.

P: O senhor se aposentou na USP, mas há ainda alguma relação extemporânea com a universidade ou outras universidades? R: Tenho ainda um orientando, que defenderá sua dissertação de mestrado, e três alunos de graduação. Por motivos pessoais, após a compulsória dou as aulas em minha casa e no fim do semestre repasso as notas à secretaria. Brevemente estarei totalmente sem relação com a Universidade de São Paulo. Convites recebo, como o presente, mas raríssimos. No Exterior não houve a menor descontinuidade, e continuo a tocar e dar palestras em Universidades como em Évora, Coimbra, Minho em Portugal, Sorbonne em França e outras salas de concerto da Europa. Se tenho artigos a escrever para o Exterior para revistas e livros arbitrados, sinto-me, sob outro aspecto, liberto das amarras, tantas vezes inócuas, do jargão acadêmico. Meu blog semanal, ininterruptamente escrito desde Março de 2007, é prova.

P: Seu site é uma iniciativa que destoa da relação que os artistas do meio erudito têm com a tecnologia, não? R: Estava na antecâmara da aposentadoria. Hoje, como a música, o blog tem sido respiração. Curiosamente, os temas e desenvolvimentos surgem quando corro pelas ruas três vezes por semana. Já participei de dez provas oficiais, inclusive da São Silvestre. Deverei chegar em São Paulo no sábado à noite e já às seis da manhã estarei em Interlagos para a Maratona de Revezamento. Nossa equipe tem o sugestivo nome TA LENTOS. Já estou inscrito para a próxima São Silvestre em seu percurso de 15km.

P: O senhor mantém ainda seu programa de rádio? R: De 1993 até 2004 fui o coordenador de Tempo de Concerto, da Rádio USP-FM. Quando acometido de um câncer com prognósticos sombrios passei a coordenação ao grande violonista e professor Edelton Gloeden, dileto e fiel amigo. Continuei a apresentar contudo meu programa. Meses atrás, sentimos pressões quanto à programação, que apresentou não apenas infindável coleção de CDs inéditos como entrevistas extraordinárias durante 16 anos. Pedimos o desligamento. Foi tudo. Havia sim interação e o público escrevia-nos, o que resultava em forte estímulo. Mas há os tempos do Eclesiastes. Quanto ao público, está a haver diminuição. Diria natural, devido à estrondosa ascensão de outras manifestações “musicais”.

P: Acha que o impacto das novas tecnologias (o MP3 em especial) sobre o consumo da música de concerto é igual ao da música popular? R: Diria, outro tipo de impacto. Ajudará contudo a divulgação maior da música de concerto.

P: Em seu blog, o senhor citou o pianista Oscar Levant, dizendo que na guerra das vaidades do meio gostava mais de ser considerado segundo melhor pianista que o melhor. Quem o senhor acha o melhor “segundo pianista” brasileiro hoje? R: O drama é o holofote. Na medida que ele se torna o epicentro, nada a fazer. Pode o intérprete ser hábil virtuose, o público incensar, mas e a música, onde ficaria em sua mente? Acredito que desde que apenas o compositor a ser interpretado seja a essência, o pianista, no caso, deixa de preocupar-se com ser ou não “o melhor”. A arte pianística não pode ser julgada objetivamente, como no caso do atletismo. A mídia e os empresários podem induzir o público a entender quais os melhores. Todavia, se não houver a plena identificação com a profundidade musical, haverá sempre uma lacuna, mesmo que salas fiquem repletas e luzes iluminem mais acentuadamente determinados músicos. Sinceridade e fidelidade relacionadas à música. Poderia acrescentar que, fora desses parâmetros, vive-se na ilusão. E a ilusão é a aparência da verdade.

P: E os novos projetos? há novas gravações em vista? concertos fora do país, publicações etc.? R: Jean Philippe Rameau é um imenso compositor. Gravei na Bulgária a sua obra completa para teclado, que foi lançada em duplo CD na Bélgica, pelo selo De Rode Pomp. Dentro de alguns dias haverá o lançamento desse álbum em São Paulo pela Clássicos Editorial. Dias após será a vez de meu segundo livro de textos publicados no blog: Crônicas de um Observador (II). Até 2012 tenho apresentações, gravações e atividades musicais na Bélgica, Portugal e em França. Os projetos surgem. Aos 71 anos, tenho sempre esperanças.

The city of Goiânia, in the Central-West of Brazil, is the capital of the state of Goiás. It is only 76 years old, with plenty of green areas and intense musical life. I’ve been playing regularly in Goiânia for the last 20 years and have strong bonds of affection with the city. In this post I give an account of my last visit two weeks ago for a recital, a talk to students of the Universidade Federal de Goiás (UFG) and to take part, as member of the jury, of the New Talents Competition – 2009 of EMAC (School of Music and Performing Arts of UFG). I also transcribe the interviews I gave for two of the major newspapers of Goiânia.

Origem de Fascinante Envolvimento

Clique para ampliar.

Enquanto Rameau
não ocupar o lugar ao qual tem direito
entre os maiores mestres,
a história da Música do século XVIII e
através dos séculos não terá sua total orientação.

Georges Migot

Ao mencionarmos Rameau a muitos frequentadores de concertos em nossa cidade, a grande maioria sabe de sua existência e pode até lembrar-se de uma única peça para teclado, Tambourin, que ainda é dedilhada em conservatórios. Não se produz Rameau em nossas salas. E de pensar que sua importância para a ópera tem a dimensão daqueles grandes compositores do século XIX eternamente interpretados. Sempre os mesmos. O autor da epígrafe, compositor de méritos, observaria, referindo-se ao teatro sinfônico e lírico dos séculos XVIII, XIX e XX: “O inovador foi incontestavelmente Rameau ao renovar a concepção da harmonia, mas a obedecer à mais perfeita organização dos segmentos”. O Traité de L’Harmonie Réduite à ses Principes Naturels, magistral livro em que o teórico Rameau fixa as bases da harmonia, teria influência decisiva sobre as estruturas musicais até o alvorecer do século XX. Claude Debussy, admirador incondicional do compositor, escreveria: “Rameau mostra o caminho pelo qual passará toda a harmonia moderna; e falhou, talvez, ao escrever suas teorias antes de compor as óperas, pois seus contemporâneos acharam ocasião para concluir a inexistência de toda a emoção em sua música”. E nesse ponto preciso reside toda a apreciação pública que persiste, ainda, em entendê-lo preferencialmente como teórico. Debruçar-se sobre o extenso catálogo de Rameau revelará um dos mais líricos mestres da história da Música. Mas, necessário se faz ouvir suas obras, apresentá-las nos teatros e nas salas de concerto. Estaria propenso o Sistema a mudar conceitos?
No post anterior mencionei o descortino que se abriu à pianista chinesa Zhu Xiao-Mei ao conhecer as Variações Goldberg, de J.S.Bach: “foi o encontro musical de minha vida.” Esse “estalo”, lembrando-me do Padre Antônio Vieira, acontece e, quando com ele nos defrontamos, a revelação se dá.
Em 1967 completava três anos sem me aproximar do piano por decisão pessoal, a buscar entender o possível sentido da música em minha existência. Ao regressar da França após anos a estudar em Paris, sentia que os programas das temporadas musicais se apresentavam tradicionais sob o aspecto repertorial e os primeiros passos da música na universidade eram ainda tênues. Casei-me e, para a sobrevivência digna, dediquei-me a outra área, comercial, onde permaneci longos anos. Ao visitar minha saudosa prima Lourdes Gandra em Ribeirão Preto durante o sepulcral silêncio sonoro que perdurava por três anos, encontrei-a a preparar o jantar. Após congraçamento sensível pediu-me para que fosse até seu estúdio, a fim de verificar alterações que fizera. Lourdes era dedicada professora de piano. Em sua biblioteca havia uma quantidade de pocket books contendo partituras fundamentais. Peguei com curiosidade a obra completa de Jean-Philippe Rameau. Sentei-me em frente ao piano e comecei a ler. Algo extraordinário se passou a partir do momento em que meus olhos e dedos liam e percorriam o Prélude do 1er Livre de Pièces de Clavecin (1706). O arrojo, a noção maior da dissonância – grande ousadia -, a construção excepcional do compositor de gênio em seus 23 anos de idade subjugaram-me. Na minha juventude já ficara encantado com a magistral interpretação das criações de Rameau pela excelsa pianista Marcelle Meyer (vide Marcelle Meyer 1897-1958 – A Redescoberta Merecida, 06/03/07). Dedilhei outras peças e, após o jantar, percorri o trajeto até o hotel e custei a dormir. Algo confuso ocorria, dizendo-me que jamais deveria ter parado. Só mais tarde senti que foi necessária a interrupção, a fim de que dúvidas não mais pairassem. O interregno, hoje entendido benéfico, fez com que o obstáculo maior referente à eterna repetição repertorial fosse enfim transposto. Doravante escolheria aquilo de que gostasse, quase sempre a preferenciar o qualitativo inusitado. Aquela pequena parcela de uma ponta do iceberg, friso, diminuta porção, eternamente sacralizada e repetida, poderia ser visitada, mas distante estaria de meus objetivos futuros. Quando frequentada, atenderia a projeto temático individual. E assim se deu. Essa opção rigorosamente pessoal distanciou-me de empresários e de determinadas programações rotineiras. Na realidade, cada intérprete sabe o que decidir, assim deveria ser, ao menos.
Ao retornar aos meus estudos a visar a edificação de algumas integrais, pontificou inicialmente Jean-Philippe Rameau, a chama que me indicou o caminho. Diria, o “estalo” de minha vida musical. A função de representante comercial deixada há tantas décadas dava-me tempo suficiente, àquela altura, para os estudos pianísticos e a leitura de incontáveis tratados e livros sobre música. Diria que foi uma das mais importantes fases de minha vida quanto ao aprofundamento voluntário e solitário sob a égide da Música e da Cultura. Estou a me lembrar que aos 24 anos, prestes a regressar ao Brasil, temeroso, perguntei à minha professora, a lendária Marguerite Long, sobre o meu incerto futuro pianístico. Colocou sua mão sobre meu ombro e disse que o que aprendera naqueles anos, sem quase nenhum contato com o Brasil, a não ser as cartas familiares semanais, dava a ela a certeza de que a mensagem musical fora transmitida num amplo leque repertorial e sobretudo estilístico, competindo só a mim o desenvolvimento em meu país. Assim se deu.

Clique para ampliar.

Estudava a obra para teclado de Rameau e lia com respeito seus tratados teóricos. A insistência de Rameau quanto ao contributo imenso das fundamentais, sons de sustentação, foi determinante para a minha concepção interpretativa da obra do Mestre de Dijon e do repertório pianístico como um todo. A grande revelação que foi a obra para teclado do grande compositor surtiria o primeiro efeito em 1971, quando apresentei a integral em dois recitais no Auditório Itália, em São Paulo. O saudoso amigo e sensível pintor Theodoro Meirelles captaria, em desenho, um instante de uma das récitas. Em 1983, ano do tricentenário de nascimento de Rameau, apresentei novamente a obra completa para teclado na Temporada da Sociedade de Cultura Artística. Outros tempos aqueles do saudoso Alberto Soares de Almeida, entusiasta planejador das temporadas da tradicional Sociedade. Em Lisboa, no belo Teatro São Luiz, a integral seria repetida e constou no catálogo de efemérides do Ministério da Cultura da França.

Clique para ampliar.

Estava a gravar em Sófia no ano de 1996 um CD a homenagear Villa-Lobos e tributos a ele prestados por vários importantes compositores do Brasil e do Exterior. Num dos intervalos da gravação na magnífica Sala Bulgária, no isolamento quase que absoluto, toquei por puro prazer várias peças de Rameau. Sem que eu soubesse, Heiner Stadler e o saudoso Athanas Bainov, que cuidavam do registro Villa-Lobos, estavam a ouvir na cabine de som. Veio o convite para a gravação da integral que se realizou em 1997 com o apoio decisivo de meu querido irmão João Carlos. Bainov impressionar-se-ia com os 5.000 e tantos mais ornamentos contidos nessa criação de período monárquico e magnificente! Para a realização da ornamentação Rameau criou uma tabela, a visar, sua resolução precisa. Apenas em 2001 seria lançado pela De Rode Pomp na Bélgica o álbum a conter os dois CDs dedicados à integral de Jean-Philippe Rameau para teclado. O ilustre François Lesure (1923-2001) aconselhou-me a incorporar à gravação o que de mais significativo existia nas transcrições que o autor realizou de sua ópera-ballet Les Indes Galantes, entre as quais a Ouverture e a magnífica Chaconne.
É com imenso gosto que verifico a acolhida da Clássicos Editorial para com essa gravação da obra de Jean-Philippe Rameau para teclado. A apresentação de algumas de suas extraordinárias criações será no recital do dia 21 deste mês na sala de câmara da Sala São Paulo, antes da sessão de autógrafos. Revisitar Rameau tem um significado de catarse. Retorno ao Grande Mestre, como aquele que entende estar diante de um iluminado. É pena que a repetição repertorial persista em nossas salas de concerto, os mesmos autores sempre ouvidos em suas obras mais conhecidas – outra ponta de iceberg – e a permanecerem como opção básica para intérpretes. Nada a fazer, pois as mentes deveriam ser trabalhadas.
O texto do encarte dos CDs Rameau já está à disposição do leitor no item Essays de meu site. Inclui a significativa apresentação de François Lesure, a explicar que não há mais nenhum sentido no debate cravo-piano. No seu entender, o que importa é o estilo do intérprete.

Clique para ampliar.

O post sobre Rameau, devido ao lançamento dos CDs neste 21 de Novembro, manteve numa lista de espera outros textos que sairão em momentos defasados. Estão eles no meu baú mental. Contudo, o passar do tempo equalizará todos os temas, pois importa a intenção deste que insiste em escrever ininterruptamente todas as semanas, a entender o ato uma respiração. A experiência em Goiás durante uma semana intensamente musical seguida pela Maratona de Revezamento no lendário autódromo de Interlagos, Santa Cecilia sob o olhar terno vertido em conto por Idalete Giga e mais o artista da Hiper Super-Ação, Evilásio Cândido, estarão a fluir como as águas que descem os rios.

Clique nos links para ouvir três peças de Jean-Philippe Rameau constantes dos CDs a serem lançados:

Prélude
Air pour Borée et la Rose
Gavotte et doubles

On 21 November my double album with the complete keyboard works of J.P. Rameau will be released in São Paulo. This post focus on the origin of my interest in Rameau’s works. By clicking the links below readers may listen to 3 pieces of the album, including the sober and extraordinary Prélude (1706), the root of my fascination with the composer.