José Maria Pedrosa Cardoso

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Assim como uma pedra sólida não é abalada pelo vento,
do mesmo modo o sábio
não é abalado pela censura ou pelo elogio.

Dhammapada

Aos meu alunos,
esta síntese máxima,
do que disse e deixei de dizer.

José Maria Pedrosa Cardoso (dedicatória)

Reiteradas vezes abordei a problemática do livro de determinada área escrito por especialista ou por leigo. No primeiro caso, pode-se ter, em princípio, a garantia do conhecimento da matéria. Quem escreve, a ter sob controle tema determinado, geralmente o faz com competência. Impossível não se captar a intimidade do autor com o roteiro traçado. Em senso inverso, todo aquele que escreve sobre área da qual desconhece fundamentos básicos, o que o levaria a ser entendido como amador ou soi disant, em determinado momento da narrativa evidencia a falha estrutural, mesmo que o discurso possa ter certa sedução. Infelizmente, a literatura sobre música de concerto, erudita ou clássica no Brasil tem apresentado acentuados exemplos dessas visitações não competentes, que se contrapõem a outras, felizmente de músicos os musicólogos. Se os primeiros chegam a ter guarida junto a meios de comunicação não protegidos pela visão crítica autêntica, sob aspecto outro não servem de referência, pois conceitos ou são “extraídos” de tantas obras consagradas, ou derivam de considerações arbitrárias. E todo o mal está feito. Frise-se, autores da área musical, nem sempre escrevem livros confiáveis. Todavia, obras competentes sobre Música, invariavelmente são escritas por músicos ou musicólogos de valor. E todo mérito se faz presente.
Saudara em 2009 o excelente livro de Júlio Medaglia (vide Música Maestro – Do Canto Gregoriano ao Sintetizador, 18/04/09) em que o autor, com pleno conhecimento da História da Música, percorre prazerosamente os vários períodos, explicando, a partir da experiência pessoal junto a uma infinidade de partituras, os muitos meandros que levaram a arte dos sons à contemporaneidade. Igualmente é o caso de uma nova visita à História da Música, desta vez empreendida por professor e musicólogo da Universidade de Coimbra, José Maria Pedrosa Cardoso (História Breve da Música Ocidental. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010). Poderíamos citar obras referenciais recentes de Pedrosa Cardoso, como O Canto da Paixão nos Séculos XVI e XVII: A Singularidade Portuguesa (Coimbra, IUC, 2006, 560 pgs.) e Cerimonial da Capela Real: Um Manual Litúrgico de D.Maria de Portugal (1538-1577) – Princesa de Parma (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda / Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, 157 pgs.) No livro em pauta, Pedrosa Cardoso, latinista impecável, ratifica a premissa do presente blog: “Não se pode entender e apreciar correctamente uma peça gregoriana sem conhecer o seu texto e reconhecer a funcionalidade da mesma dentro da liturgia cristã”. Afirmação que leva o leitor a confiar na competência, conditio sine qua non para a referência, pois estamos diante de um emérito conhecedor da música da cristandade, do gregoriano aos dias atuais. Já mencionara anteriormente que, no capítulo Nasce um Maestro, do livro de Medaglia, o polivalente músico dá uma verdadeira aula, mercê de acúmulos de rica experiência ao longo das décadas. Pedrosa Cardoso realiza trajetória paralela embasada no conhecimento, e faz o leitor viajar até a Renascença com leveza. Enfatiza a música desse período através dos três fatores básicos: o mecenas, o compositor e os executantes, e comenta a importância da Música Sacra e da Profana no Renascimento. Período rico na descoberta instrumental, que se expande às várias camadas sociais, e no emprego de sistemas de escrita musical que facilitariam a compreensão e divulgação da música.
Divide-se o livro em quatro capítulos e inúmeros sub-capítulos, tendo o som como epicentro: O Som Místico da Época Medieval, O Som Humano da Época Moderna, O Som Livre da Época Contemporânea e, o mais longo, O Som Plural da Época Atual. Nesses breves capítulos, Pedrosa Cardoso caminha com o leitor, ilustrando-o, sem ser enfático. As 159 páginas da História Breve da Música Ocidental tem o mérito da síntese. Não se trata de um resumo, mas de sementes fecundas plantadas, pois esses capítulos fornecem farto material – no caso, multum in minimo – destilado de maneira sequencial, sem quaisquer obliterações. Pequenos textos que podem propiciar ao leitor olhares outros, a visar ao aprofundamento. Se as tantas Histórias da Música, das caudalosas às mais concentradas, percorrem os períodos, muitas delas a evidenciar o conhecimento do autor ou autores, não poucas vezes tem-se o conteúdo doutoral. Tornam-se referência, mas dificilmente o leigo poderá compreender.
Se do barroco, passando-se pelo classicismo e pelo período romântico – que na realidade não tem interrupção do início do século XIX a meados do século XX, mas sim vertentes agregadoras ou diferenciadas, mas românticas sempre – às fronteiras do século XXI, naquilo que Pedrosa bem define em subcapítulo como “pluralismo cultural”, seria todavia a música do último cento que atrai um olhar ainda mais pormenorizado do autor. Dir-se-ia que as múltiplas tendências surgidas após a desagregação da tonalidade fascinam Pedrosa Cardoso, pelo multidirecionamento a envolver técnicas composicionais, convivência do erudito com o popular, tecnologia, sintetizador, o concerto democratizado a abrigar tendências divergentes e, paradoxalmente, em situações de congraçamento, sob um mesmo teto. E como fonte viva e até “independente”, a presença da música de raiz, o folclorismo que pulsa e que teria um olhar diferenciado sobre a sua autêntica manifestação, mais acentuadamente a partir da segunda metade do século XIX.
O fato de a música até o século XX ter sido extremamente ventilada em infindáveis compêndios propiciaria a Pedrosa Cardoso – provável suposição – um debruçamento maior em nomes da criação musical, sobretudo da segunda metade do século XX, não se alongando sobre determinadas figuras basilares dos séculos precedentes. Seria possível aventar a falta de recuo histórico para a avaliação de inúmeros compositores pormenorizados por Pedrosa Cardoso e pertencentes ao século XX. Entende, contudo, ter sido Debussy “o grande nome da charneira dos séculos XIX-XX, tal como Monteverdi foi para os séculos XVI-XVII e Beethoven para os séculos XVIII-XIX”. Agregaria o autor, no decurso da História, Schöenberg.
A facilidade com que os vários temas são tratados por Pedrosa Cardoso, assim como a sua capacidade em tornar segmentos complexos ou controvertidos da História da Música palatáveis ao estudante e ao leigo, já bastariam para a recomendação da obra. Uma pequena observação apenas, que deveria ser entendida como um desafio. Teria faltado no significativo livro, capítulo reservado à música em Portugal. Aguarda-se sempre a sua inserção definitiva nos repertórios internacionais. Nesse cenário global irreversível, em que a música se coloca como uma das mais importantes fontes do sentir e do pensar, urge o esforço coletivo nesse desiderato de divulgação mais ampla, interna e externamente, da música criada em terras lusíadas. E Pedrosa Cardoso tem-se mostrado, através de obras anteriores, um grande defensor da música portuguesa. Quem sabe não dedique a sua pena a uma próxima História Breve da Música em Portugal?
Instigante a frase final de História Breve da Música Ocidental: “Não se sabe como será a música do futuro. Talvez esta ignorância, humildemente assumida, explique o mistério do som, que mudará, ou não, à justa medida do ser humano”.

A few comments on the book “História Breve da Música Ocidental” (A Brief History of Western Music), written by José Maria Pedrosa, musicologist and Professor at the University of Coimbra. The book gives an overview of different stylistic periods in music history from the Medieval days to the present, with a particular focus on the 20th century and the multiple tendencies that emerged as music progressed towards atonalism. Pedrosa Cardoso has a gift to express the most using the least and his short chapters are seeds inviting readers – music students and the general reader as well – to investigate further the subjects covered by the book.