Questões de “Democracia”
Ceux qui se sont égarés trouvent de nouveaux chemins
et ceux qui refusent tout retrouvent confiance et espoir.
Pablo Casals
Em post do início deste ano (vide Carta a um Jovem Pianista – A Qualidade como Destino, 13/02/10) tecia considerações sobre o YouTube: “O YouTube presta serviço inestimável ao ter em sua listagem interpretações extraordinárias, mas também um desserviço abominável quando permite a inclusão de qualquer ‘produto’ voltado à ‘performance’”. O tema surgiu após ouvir execuções de jovem talentoso em leituras de partituras consagradas inseridas nesse veículo de fantástico acesso. Contudo, as obras ainda não tinham sofrido a decantação necessária. Retirou-as, mas, meses após, o promissor pianista colocou novos vídeos, o que me levou a observar sua sensível evolução.
Sempre relutei em introduzir nessa vitrine, exposta em todos os quadrantes, registros meus fixados em CDs do Exterior. Raramente deixo-me filmar quando do ato único da interpretação. Todos nós temos as nossas reservas. Também em post anterior salientava a posição da exuberante pianista argentina Martha Argerich, que em depoimento observava “No palco não temos a naturalidade de quando em nossa casa, pois não realizamos os mesmos gestos com as mãos frias, há os joelhos que tremem, o nariz que escorre. A interpretação se modifica. E mais, o peso dos olhares sobre você…” (vide O Medo do Palco – Problemáticas e Possíveis Soluções, 04/10/08). Sem ter basicamente o chamado “medo do palco”, não deixo de sentir a responsabilidade frente ao público. Entretanto, não fico à vontade se uma filmadora ou microfones compartilham a cena. A intenção de um interpretar unicamente voltado à música teria, no meu caso particular, friso, o desvio da atenção plena. E isso me incomoda, pois sou humano.
Já não é de hoje que amigos daqui e do Exterior pedem a inclusão no YouTube de algumas faixas de meus CDs, gravados preferencialmente na Bélgica pelo selo De Rode Pomp e a ter como Engenheiro de Som o competente Johan Kennivé, um dos mais importantes especialistas do planeta nesse acurado mister. A minha relutância tinha muito a ver com o uso indiscriminado que fazem desse veículo de mídia. Quantos não são aqueles que gravam imagens de qualquer maneira, com a câmara a tremer e a execução medíocre e amadorística a acompanhar as oscilações da filmadora? É só acessar o YouTube e a invasão se processa. Não seria o reflexo mundial de um “relaxamento qualitativo” das consciências? Não poderia representar uma falsa “democratização” da música culta praticada e exposta a bel prazer e não pelos conhecedores do métier de músico? Verificamos amadores já bem adultos tocando muito mal e legião de “meninos prodígios”, uns pouquíssimos de raro talento, mas um Educandário pleno de crianças em lamentáveis execuções caricatas que alisam os egos de pais sem o menor bom senso. Responsabilidade perdida. Sob aspecto outro, que magia extraordinária nos é revelada por mestres do teclado, mormente do passado – sou saudosista nato – em interpretações que desconhecíamos e nos encantam? Para aquele que entende ou aprecia a música chamada culta, erudita, clássica ou de concerto, separar o joio do trigo é facílimo. Ao conversar com leigos que consultam o YouTube, a diferença entre o bom e o péssimo pode não ter uma linha divisória. E esse leigo-leigo absorve tudo sem juízo crítico. E todo o mal estará a ser perpetrado. Destrói-se o pouco do chamado “gosto” musical.
Quanto à inserção de minhas gravações, aquiesci finalmente. Tinha a garantia da assistência técnica de Elson Otake, o maratonista, mas expert no tema computador, e o aconselhamento sempre sensato de outro amigo, Magnus Bardela, meu ex-aluno na Universidade e desde 2003 meu mestre em computação. Cuidamos inicialmente das imagens. Fontes antigas serviram-nos de inspiração. Para cada compositor haveria a mesma sequência de ilustrações em timing matemático, a fim de que o ouvinte penetre um pouco no universo do autor, importante senda para o desvelamento.
Ao contar a decisão a um professor de outra área do conhecimento, indagou-me ele sobre minha preferência pela gravação em detrimento da apresentação pública. Tema recorrente, se considerados forem posts anteriores. Durante toda a trajetória, elegi meus compositores e procurei, na medida das circunstâncias – e elas existem -, estudar e interpretar o maior número de criações dos autores escolhidos. E, na realidade, nem todos esses excepcionais compositores pertencem ao “gosto” da grande mídia e do público, apegada ao conceito do repetitivo. Tantas vezes já escrevi que nada mais há a fazer, pois as consciências já se sedimentaram e transferem aos pósteros esse culto ao idolatrado. Não obstante o fato de preferenciar nitidamente a gravação, tendo escolhido a Igreja de Sint-Hillarius em Mullem, na Flandres – meu santuário – para o mister, jamais gravei sem antes tocar em recitais o repertório a ser registrado. Necessário se torna o convívio amoroso com as obras eleitas.
Caso típico se deu com os dois últimos CDs gravados na Bélgica em Maio último, deles constando apenas obras do grande compositor português Fernando Lopes-Graça. Inúmeros recitais privés sem programa impresso antecederam as gravações, pois as primeiras audições absolutas de duas obras capitais teriam de ser apresentadas em Portugal. Tão logo findos os registros, realizei extensa tournée em terras lusíadas a interpretar as composições de Lopes-Graça.
Magnus sugere-me novo desafio. Periodicamente, gostaria o amigo que seu ex-mestre se posicionasse a respeito de determinadas interpretações encontráveis no YouTube. Em avaliação comparativa, transmitiria aos meus leitores as opiniões sobre execuções de uma mesma obra por intérpretes respeitados e pertencentes a épocas diferentes. Fá-lo-ei no momento oportuno.
A inclusão de 23 músicas no YouTube, se sob um aspecto torna-se uma novidade para o septuagenário, sob aspecto outro possibilita ao prezado ouvinte o visita à pluralidade. Algumas obras de Jean-Philippe Rameau, Carlos Seixas, Claude Debussy, Alexander Scriabine, Gabriel Fauré, Sergei Rachmaninoff e Henrique Oswald já podem ser acessadas. Almejo uma recepção às obras magistrais desses compositores, debruçamento de meu existir. Nossa real função não é a de interpretar? E, mercê da divulgação da internet, que as sementes sejam lançadas. Para o leitor, convidado a ser doravante ouvinte igualmente, sugeriria o acesso ao YouTube, digitando a seguir josé eduardo martins piano. No menu, já se encontra inserida a indicação, a fim de facilitar visitas futuras. Som e Imagens.
As far as classical music is concerned, I’ve always been skeptical of YouTube, this gigantic video sharing website. If on one hand it may unveil great masters to a horde of web users that access it each day, it is also loaded with mediocre music videos from performers ― amateur or not ― that find it difficult to resist the temptations of a worldwide audience. Anyway, on friends’ insistence I decided to post some tracks of my CDs on YouTube. It will be a new experience for me, making it possible for my readers to have an idea of the multiplicity of my recordings, the work of a lifetime.