O Leitor, Estímulo Maior
Ascender requer força da mente.
Provérbio himalaio
Às vésperas de atingir 100.000 acessos partilho com os generosos leitores que não pensava atingir essa cifra. Há blogs e blogs. Muitos conseguem esse número, ou bem maior, em apenas um dia, mercê da temática imediatista encontrável em quaisquer áreas de impacto: política, esporte-futebol, cotidiano agressivo, economia, bolsa de valores, celebridades… Tantos mais são publicados inúmeras vezes ao dia, mormente na área política, e são avidamente sorvidos por legiões de interessados. Não se trata de juízo de valor, mas de constatação. Sob aspecto outro, para determinado grupo da inteligentzia, blog representa uma categoria menor do pensar. Em parte, não sem razão.
O que me leva a esse veículo virtual formidável é a possibilidade do contacto com leitores que buscam uma outra espécie de percepção do cotidiano, não aquela desse mundo tão desvalorizado moralmente; tampouco a do sangue que escorre pelas rádios, TVs, jornais e revistas concernentes à criminalidade em expansão e sempre impune; muito menos a do consumismo exacerbado e a do sucesso pelo aplauso ou outras tantas vertentes assiduamente procuradas na internet.
Observei, no post referente aos 50.000 acessos, que já fui tentado a colocar publicidade em meu blog. Esporadicamente continuo a ser contatado. Implicaria a aceitação de um tipo velado de controle, não apenas relativo ao número de acessos, como também à possibilidade de interferência mínima nas sugestões temáticas. Por outro lado, periódicos e jornais, pragmatizados em relação a preciosos espaços, podem ter influência sobre seus articulistas habituais, a enquadrar textos ao número de dígitos por eles propostos. Estou a me lembrar que, após 10 anos a escrever regularmente para determinado suplemento cultural de jornal de grande circulação, recebi tout court orientação no sentido de que doravante caberia ao importante diário interferir na dimensão e em outros mais processos, inclusive na revisão, a suprimir frases ou segmentos naquilo que entendesse pertinente. Imediatamente deixei de colaborar, assim como outros articulistas por quem tenho o maior respeito. O pensamento cerceado é um desastre irremediável, sobretudo se considerado for que, através da década, recebera o maior respeito por parte de comissão que deliberava com os autores sobre as matérias do ano. Não haveria necessidade de dizer que esse conselho ilustre foi totalmente alterado, fatalmente não ao nível de excelência. Tempos outros vieram e não me entusiasmaram.
A realidade pessoal me impulsiona a escrever, e o ato tem de ser livre. Assim como uma composição musical a obedecer forma determinada pode ser maior ou menor, assim como um gesto de amor não pode ser mensurado, creio que, a depender do tema, torna-se imperativo o livre escoar das ideias, à la manière do rio que corre para o mar, sempre em vazão mutante. O não confinamento do espaço não implica a inexistência do espírito de síntese, apenas o redimensiona.
As nossas preferências dependem de diversos fatores. Os meus leitores, cúmplices ao captarem solilóquios vertidos em vários compartimentos da observação, têm compreendido o direcionamento voltado a categorias não muito diversificadas, mas a contemplar, no limite individual, o tema a ser comentado. Se a leitura sempre foi amiga, a resultar recensão ou interpretação do que foi apreendido, se a viagem é estímulo e fascínio, se o cotidiano – com todas as possibilidades boas e más – pertence aos passos que impulsionam e aos olhos que contemplam, seria, todavia, a “música – minha antiga companheira desde os ouvidos da infância”, no dizer do notável poeta português José Gomes Ferreira, a constância sem a menor intenção de desvio.
O fluir dos textos sem represamento dá-se em prazo certo. A gestação pode durar e durar. Temas são como a natureza. Sabemos que as estações existem, mas ignoramos qual a vestimenta precisa que elas devem exibir no quesito intensidade. Um tema que me leva à reflexão mais ampla vai sendo moldado através das semanas. Repentinamente, uma ideia complementa o raciocínio. Incorporo-a ao post e este continuará em processo de maturação. Outros, mais leves ou mais espontâneos, surgem inesperadamente ou durante os treinos solitários para as corridas. No caso, diante do computador, as ideias descem para a ponta dos dedos, e em poucos minutos o texto nasce. Mistérios do pensar.
Fábio, meu vizinho, questiona-me a respeito da ininterrupção desde Março de 2007. “Haveria compulsão”? Respondo-lhe que o escrever semanalmente, sem quaisquer pressões, é ato de respiração. E de fervor. Se um tema me interessa, continuei, naturalmente tem guarida, sendo apenas uma possibilidade de post. Quantos não são aqueles outros “enredos” que afloram ao pensar durante os sete dias? Os que podem ser convertidos permanecem no baú mental, já assinalado em posts anteriores. O desfilar dos textos não seria, em parte, a transmissão ao leitor do longo caminhar? Ao reler escritos do início dos blogs, senti-os como instrumentos da coerência e da transformação. “Todo mundo é composto de mudança”, já dizia o vate maior da língua portuguesa. E ela existe a partir dos impactos que sofremos durante a jornada. “Diário”?… insiste Fábio. Não há um só dia em que deixe de escrever algo para o blog da semana ou algum outro, bem posterior. Que seja um parágrafo apenas de post a ser publicado tanto tempo após. Essa constância estabelece parâmetros contra o esquecimento. Quantos não são os temas que surgem fulgurantes e dos quais não mais nos lembramos horas após? Se o acúmulo do viver tem seus maravilhamentos, tantas vezes coloca uma nuvem que oblitera o escoar do pensamento. Daí ter vários posts sempre em ebulição. A depender do tema, acrescento algo, e meu cotidiano se orienta para o estudo pianístico, para as leituras, para os treinos e para o viver o dia em todas as suas implicações.
Sobre a ilustração há história. Luca Vitali e eu fomos à uma reunião na Casa de Portugal de São Paulo. Durante o lento trajeto em horário de rush, perguntou-me: “Desde quando você usa gravata borboleta?” Curiosa observação. Respondi-lhe que desde a mocidade, mas com diferenças. Existem as fixas, mero ornamento masculino sem anima, pois imutáveis em seu posicionamento. Empalhadas. Aprendi naqueles tempos a fazer o nó e tenho lá meus papillons, que me dão prazer no momento de ajustá-los. Conservo-os. Um nó feito jamais é igual a outro. Estiolou-se o uso dessas gravatas, mas permaneço fiel aos meus hábitos. Luca sorriu, sem mais. Durante a conversa, surgiu o tema dos 100.000 acessos que se aproximavam. Enviou-me o desenho que ilustra o post.
Chegar aos 100.000 acessos causa-me um “santo orgulho”, parafraseando o que pensava D. Henrique Golland Trindade, ilustre prelado. Sinto-me livre ao colocar o que penso, espécie de erupção do de profundis, a guardar contudo certos cuidados.
Continuemos nessa cumplicidade. Terei imenso gosto em receber comunicação do leitor que acessar o nº 100.000. O e-mail encontra-se no contact, último item do menu do site www.joseeduardomartins.com .
É você, generoso leitor, a salvaguarda que me leva a prosseguir. Os posts fluirão. Teremos muitos outros encontros. Bem Haja !!!
On the eve of reaching 100.000 visitors to my blog, I reflect on how good it is to write with freedom, on the pleasure of posting an entry every week – a way to ponder upon life – on my love of music, a subject always present, and on how proud I am for garning such an extensive following without any advertising.