Navegando Posts publicados em junho, 2011

 

As Esperanças de um outro Polegar

A mente a guiar os atos das mãos.
Provérbio vietnamita

Pouparei o generoso leitor. Não exibirei as fotos da intervenção cirúrgica no meu polegar da mão direita, três dias após o recital no Instituto Dante Pazzanese. As da esquerda estão fixadas em blog anterior (vide Cirurgia da Mão – Rizartrose, 09/10/10). O problema também era o da Rizartrose.

A cirurgia do polegar esquerdo, realizada pelo ilustre cirurgião Prof. Dr. Heitor Ulson, alcançou os mais esperançosos resultados. Diria eu que, hoje, minha mão esquerda está como sempre, antes da evolução da Rizartrose que se instalou lentamente até o impasse. Só de lembrar que todas as minhas gravações no Exterior, desde 1995, foram precedidas por intensas doses de antiinflamatórios, causa-me estranha sensação. Se o polegar da mão esquerda está sem qualquer problema, o da direita, sobrecarregado neste último ano, trazia-me a presença diária da dor quando dos estudos pianísticos, pois, por instinto, levava-me à comparação. Sem as dores na região do polegar esquerdo, acentuaram-se – é mentalmente natural – os incômodos do polegar direito. Igualmente o recital do último dia 3, com obras de forte impacto, teve a tranquilizá-lo fortes doses de medicamentos. As radiografias, tiradas em meados de Maio, não deixavam dúvidas. O quadro atingira um limite e a cirurgia fazia-se necessária, sempre sob os cuidados do Dr. Heitor Ulson. Um pianista tem de pensar muitas vezes antes de escolher o cirurgião preciso. Lembro-me sempre, hoje com certa galhofa, de consulta realizada quando o mal estava a se instalar em meus polegares. “Especialista” em outra área aconselhou-me a parar com os recitais e as gravações. De maneira “segura” e sem rubor, observou: “O Sr. já tocou muito até hoje. Recolha-se e toque para si e para seus familiares”. Saí quase a correr ao ouvir vaticínio contra natura. E na realidade “especialistas” diariamente emitem diagnósticos que podem, até, ter consequências catastróficas.

A Rizartrose instala-se pouco a pouco. Sem contar fatores genéticos, na medida em que as causas não são abolidas, como o impacto dos dedos e dos polegares sobre o teclado em determinadas obras nas quais, in adendo, haja abertura excessiva das mãos, as cartilagens tendem à deterioração, e esse contato direto osso x osso torna o ato de tocar bem doloroso. O temor frente à primeira cirurgia, apesar de insistentes conselhos do Dr. Ulson desde a década de 90, fez-me sempre protelar a decisão. Os paliativos antiinflamatórios conseguiram “anestesiar” os polegares em desempenhos públicos e gravações que poderiam ser realizados em circunstâncias  muito dolorosas. Todavia, não utilizava medicamentos no dia a dia dos estudos pianísticos. Logicamente, outras são as gradações de intensidades, desde os sons menos intensos aos mais impactantes, durante o ato diário de tocar piano. Mas não houve um só dia, nesses 15 ou mais anos, em que a dor deixasse de ser minha “companheira”. E a decisão inalienável foi sempre adiada, até 2010. A recuperação total após a primeira cirurgia levar-me-ia à certeza da segunda.

Sentir segurança. No recital do dia 3 externei em público a minha convicção e confiança no cirurgião competente, presente ao evento. Doses fortes de antiinflamatório me dariam a efêmera garantia de não sentir dores durante a apresentação. E chegou o dia 6. Cirurgia delicada precedida de anestesia geral, mas a esperança como norte. Só de vislumbrar a ausência de poderosos medicamentos no futuro já é uma dádiva, sobretudo ao adentrar os 73 anos. Para este ano, as apresentações deverão privilegiar programas de menor impacto, pois seis meses são necessários para a plena recuperação. Todavia, riqueza repertorial permite a diversificação e a escolha, a depender das situações. A longa tournée em Portugal em Novembro deste ano terá, do compositor português nascido nos Açores, Francisco de Lacerda (1869-1934), as Trente-Six Histoires pour Amuser les Enfants d’un Artiste, com apresentação de datashow preparado pelo ilustre professor e musicólogo José Maria Pedrosa Cardoso e mais desenhos do excelente Luca Vitali. Dois compositores de grande mérito escreveram obras a homenagear o grande músico açoriano: Eurico Carrapatoso e François Servenière, e essas criações serão apresentadas em première.

Se no post mencionado apresentei fotos da cirurgia, no presente apenas flash das mãos, quinze dias após a intervenção. Cicatrizes: a recente e a de 2010, esta concernente ao polegar da mão esquerda. Para os instrumentistas ficaria o depoimento a respeito de solução que se pode dar ao problema. Que não aguardem três lustros, como o fiz, e que busquem orientação precisa, sem confundir reumatologista ou ortopedista, com cirurgião da mão,  especialistas em áreas distintas. Há casos que apenas a cirurgia resolve.

Ficaria sempre o meu agradecimento ao Dr. Heitor Ulson, Prof. Dr. do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNICAMP, Coordenador da àrea de Cirurgia da Mão e Ex-Presidente da Associação Brasileira de Cirurgia da Mão. Como bem dizia a minha legendária professora de piano em Paris entre os anos 1958-1962: “Nada resiste ao estudo e à competência”.

For many years I’ve been suffering from rhizarthrosis, a chronic and progressive wear of the cartilage of the joint at the base of the thumb. The extreme exposure of my hands during piano practice made the surgery unavoidable. Last year I was operated on the left hand, with excellent results. Two weeks ago, on the right hand, once again by the hand surgery specialist Dr. Heitor Ulson. This post Is an account of the surgery and the post-surgery treatment.

Oxalá Esteja a Acontecer

Il faut avoir vis-à-vis de l’oeuvre que l’on écoute,
que l’on interprète ou que l’on compose,
un respect profond comme devant l’existence même.
Comme si c’était une question de vie ou de mort.
Pierre Boulez

Les instruments, quels qu’ils soient,
ne sont là que pour restituer l’énergie engrangée,
de quelque manière que se soit et la projeter vers l’extérieur,
quel que soit le talent mis en oeuvre. Il n’y a de beauté à mon sens
uniquement quand ce talent s’efface
au profit d’une compréhension intime et d’une expression parfaite de l’univers,
comme si un langage divin passait par l’impétrant qui n’avait qu’à se laisser porter.
François Servenière

Foram inúmeras as vezes em que escrevi sobre a ausência de crítica especializada em música na cidade de São Paulo. Em tempos da Universidade, pleiteei junto a colegas a inclusão de curso específico para crítica de Arte, a partir da premissa que o possível ingressante tivesse o conhecimento básico da área a que se destinasse. No campo da Música, como intérprete,  teórico ou até jornalista, a ter como conditio sine qua nom conhecer as estruturas musicais básicas e possuir escuta acurada, únicos caminhos viáveis para uma avaliação crítica a partir do entendimento competente.

Infelizmente os meados do século XX ficaram esquecidos. Período em que a cidade contou com mais de dez críticos de música de concerto, sendo que muitos com currículo de mérito. Entre eles: João Caldeira Filho de “O Estado de São Paulo”,  H.J. Koellreutter e L.C. Vinholes do “Diário de São Paulo”, Dinorah de Carvalho do “Diário da Tarde”, Diogo Pachedo de “O Tempo”,  Arthur Kauffman da “Folha da Tarde”, Lilly Wolf do “Jornal Alemão”, Cyro Monteiro Brisolla “Correio Paulistano”, Odette de Faria do “Shopping News de São Paulo”. Todos conhecedores das estruturas que regem composição-interpretação.  Estiolou-se a crítica musical e o Maestro Júlio Medaglia faz-se exceção no desolador quadro que nos é apresentado. Escrevem, alguns com “verniz” musical ou realmente a desconhecer o que se passa numa partitura, o que invalida conceitos emitidos tanto na apreciação crítica como em artigos versando sobre música.

Estou a me lembrar de personagem que se outorgava o título de “crítico” e que, nos intervalos de recitais ou concertos, buscava auscultar opiniões de músicos. Certa vez emiti meu posicionamento a respeito de uma apresentação de artista estrangeiro. Dias após, assinado e “autenticado”, li com espanto a minha avaliação, que transmitira ao personagem, transcrita na íntegra.

Qual não foi minha surpresa ao ler pela manhã e-mails recebidos durante a noite, um de ex-aluno da Universidade de São Paulo e que, presentemente, tem sido assistido em minha casa. Teceu crítica de meu recital do dia 3 de Junho. Nele busca comentar as obras que foram executadas. Mesmo considerando a natural posição favorável de um jovem que periodicamente tem aconselhamento com o velho professor, assim como uma sua primeira incursão na área da crítica, ainda envolvida em aura romântica, resolvi colocar no post semanal a apreciação de Paulo Marcos Filla, na esperança de que, se espaço encontrar em nossa mídia já rarefeita, tenha ele a possibilidade de exercer, na competência, a rara atividade de crítico musical que conhece Música. Caso não encontre, haverá sempre a internet como atual força maior de divulgação. Mencionaria uma vez mais posição que sempre defendi, a de que minha ação nos tempos da Universidade foi a de formar o músico na acepção e jamais o tecladista em particular. Sem a apreensão humanística, o pianista, mesmo que extraordinário instrumentista, terá lacunas, por vezes, perenes. Pedi consentimento a Paulo Marcos Filla e transcrevo o e-mail completo:

Prezado Prof. Jose Eduardo, bom dia.

Estou-lhe escrevendo porque acredito não ter conseguido, pessoalmente, expressar toda a gratidão pelos momentos sensíveis e pela aula espetacular de interpretação e de vida proporcionados pelo senhor durante o recital de piano do dia 03/06/2011, no Auditório Cantidio de Moura Campos Filho, do Instituto Dante Pazzanese. As suas palavras iniciais  foram realmente marcantes, principalmente quando mencionada aquela fase de superação de um problema tão difícil. Naqueles poucos segundos em que o senhor nos explicou a respeito de os médicos terem-lhe dado de seis meses a um ano de vida, apesar de já haver lido sobre o fato nos blogs, confesso ter sido tomado por intensa emoção. De forma involuntária, naquele momento específico, além de presenciar o grande artista no palco dando as boas vindas ao seu público, diversas imagens passaram pela minha memória, acredito que tudo numa fração de segundo: todos aqueles presentes que o senhor nos deu quando da época uspiana: as aulas excelentes sobre literatura e interpretação pianísticas, todos aqueles CDs, os livros, a divulgação de um repertório de altíssima qualidade (tanto brasileiro quanto estrangeiro), mas em grande parte desconhecido, as palavras de respeito e de consideração por todos. Inclusive as aulas de piano que o senhor continua a me proporcionar. Mas, aonde quero chegar? Explico: um ser humano dessa envergadura com uma perspectiva de vida tão curta? Quanto benefício ter-se-ia perdido? Quanto conhecimento e experiência de vida não compartilhados?

A seguir, um breve relato da apresentação:

No que diz respeito à performance pianística, a Ballade, do compositor Claude Debussy, foi simplesmente cativante, tamanha a força de expressão e refinamento sonoro do intérprete. O piano Yamaha, com sonoridade geralmente um pouco metálica em relação ao Steinway de Hamburgo, por exemplo, nas mãos do mestre José Eduardo Martins emitia  graves profundos e generosos, médios e agudos brilhantes, mas sempre aveludados. Nas Danses – Sacrée et Profane, também de Debussy, com transcrição de Jacques Durand, evidenciou-se um procedimento que tanto me chama a atenção na performance de José Eduardo: o tratamento “microscópico” da pedalização. Quando do toque de uma única nota do baixo, o pedal direito era acionado com enorme controle, de maneira a fazer o abafador sair parcialmente das cordas. Esse tratamento diferenciado resultou em efeito timbrístico único, uma sonoridade reverberativa, salientando o caráter etéreo do compositor. Puro encantamento.

Na peça seguinte, Nuages Gris, de Franz Liszt, deparamo-nos com uma obra de caráter “despretensioso” em termos de virtuosidade técnica e arrebatamento emotivo. Bem diferente do que estamos acostumados ao apreciar Liszt. Em Nuages Gris, o compositor desbrava, de maneira muito pessoal e introspectiva, um caminho sonoro bastante cromático, com um sentido bem definido rumo ao atonalismo. E a interpretação do pianista José Eduardo foi capaz de expressar perfeitamente as intenções do compositor. Quase sem interrupção, o recital prosseguiu com as Duas Lendas (São Francisco de Assis falando aos pássaros; São Francisco de Paula caminhando sobre as ondas) e Funerais, todas essas obras também do compositor húngaro. Na primeira das Duas Lendas, de sonoridade bem “wagneriana”, o pianista tratou os agudos de maneira a expressarem o conteúdo descritivo  dessa peça, fazendo-nos rememorar os agudíssimos das obras mais introspectivas de Richard Strauss, sobretudo quando executadas pela Orquestra Filarmônica de Berlim, sob a regência de Herbert von Karajan. Na segunda das Duas Lendas, a generosidade virtuosística ondulante dos graves foi capaz de expressar a caudalosidade das águas e das ondas a embasarem o caminhar de São Francisco de Paula, cujo fervor foi aqui representado pela bela melodia na região central do teclado. Para encerrar a coletânea de obras de Liszt, Funerais. O toque igualmente generoso dos graves fazia ecoar sinos e ritmos marciais fúnebres e guerreiros por todo o auditório, embasando com firmeza as funções harmônicas características em Liszt nessa monumental obra onde o cromatismo é constante nas várias linhas da partitura. Durante a execução, uma força de expressão única do pianista fez ressoar, em nossa alma, o lirismo das belas melodias, nas baixas e altas intensidades. E, ao encerrar a obra, uma tremenda força de ânimo reproduziu uma poderosíssima avalanche oitavada dos graves, levando o publico a aplaudir de pé.

Na sequência, obras de Scriabin. A Valse op.38 foi substituída pelo Noturno para a mão esquerda. Nesse Noturno, verificamos a propriedade com a qual o pianista explorou a espacialização do teclado do Yamaha de 3/4 de cauda. Fechando os olhos, a sensação era a de que as duas mãos estavam sendo empregadas na execução dessa obra. Para encerrar, Vers la Flamme op.72. Nas palavras bastante oportunas do pianista, se Vers la Flamme tivesse sido composta hoje, ela seria considerada como uma bem sucedida obra modernista. Certamente uma das obras mais difíceis e emblemáticas da literatura pianística.

Aplaudido de pé durante vários minutos, José Eduardo Martins concedeu-nos, como bis, a interpretação de obras curtas (dois “atomics”) de compositor belga e o magnífico Estudo op. 42 n. 5 de Scriabin.

Recital com entrada franca e valor incomensurável.

Paulo Marcos Filla

After my recital at the Dante Pazzaneze concert hall last June 3, I received an e-mail from one of my former students at the university commenting on my performance. Leaving out the enthusiasm of a young student for his old teacher, I transcribe here his message in its entirety, for I believe he has a gift for the job and proves my point that classical music critics should possess musical knowledge – a quality seldom found  among those writing reviews and criticisms for the press nowadays.

Quando o Flash Leva à Reflexão

Só veneramos uma justiça que eleve o homem
e seja a condensação de interesse benévolo
que os outros homens têm por ele;
só é justa a lei que lhe dá a possibilidade
de se tornar melhor.

Eu não voto por rótulos. (…)
Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada.
Eu quero saber das ideias que as pessoas têm
e da maneira como depois as vão defender e praticar.
Agostinho da Silva

Está-se acostumado a entender a história do planeta em eras que pouco dizem ao leigo, pois tão imemoriais que tornam difícil qualquer cálculo aproximativo. Mas o homem adora a numérica abstrata, essa que sabemos existir, sem contudo ter qualquer noção da dimensão do tempo. Milhões de anos da história do planeta, suas etapas, cisões dos continentes, enrugamento da cordilheira himalaia explicadas e aceitas, pois cá vivemos a acreditar que as cicatrizes rochosas em camadas definidas contam ou sugerem hipóteses as mais variadas. Difícil a década em que tal teoria não é desmentida e a divulgada e “assimilada” passa a ser endeusada. É a história do homem na tentativa de compreender mistérios e a causar confusão na mente do leigo. Mas a ciência tem de continuar e a nós cabe dar crédito aos cientistas.

Foi com curiosidade, seguida de reflexão que li na Revista Nanico– Homeopatia Literária -,(número 22),  editada pelo dileto amigo Cláudio Giordano, intrigante texto poético de Ruy Proença, paulista e autor de vários livros de poesia. Giordano reuniu no Nanico poemas históricos até aos nossos dias. Não há uma preocupação temática, apenas o prazer de levar ao leitor o pluralismo literário.

Chamou-me a atenção o encurtamento até bíblico da biografia da terra, que teria apenas meio século na nova dimensão do tempo. Didaticamente, o poeta leva o leitor a um impasse final. Ruy Proença consentiu que seu poema fosse colocado por inteiro. Ei-lo:   

Anotações para uma biografia da Terra

A Terra tem 46 anos.
Até os 7 anos de idade
dela nada se sabe.
Até os 42
sabe-se muito pouco.
Os dinossauros só apareceram
quando a Terra já tinha
45 anos completos.
Os mamíferos entraram em cena
nos últimos 8 meses.
Exatamente
na metade da última semana
alguns macacos
parecidos com o homem
evoluíram para um homem
parecido com o macaco.
Três dias antes de completar 46 anos
a Terra sofreu
a última glaciação completa.
O homem moderno surgiu
nas últimas 4 horas.
Há apenas 1 hora
descobriu a agricultura
e se fixou à terra
como sedentário.
A revolução industrial
ocorreu no último minuto.
Nos 60 segundos seguintes
o homem conseguiu
transformar um paraíso
num lixo.

Nessa prosa poética, Ruy Proença consegue a sintetização do tempo ao propor  a sua  compressão extrema a levar à total deterioração da Terra do homem, mercê de sua ação destrutiva. Aceitamos passivamente o lixo. Apenas vozes esparsas, que clamam sabendo que não há a comunhão do povo para atemorizar os ímpios.

Fixemo-nos em nosso país. Walter Benjamin (1892-1940), filósofo e sociólogo judeu-alemão, escreveu que aquilo que acontece próximo de nós causa-nos maior impressão do que uma catástrofe alhures. O lixo a que se refere Ruy Proença pode ter infindas interpretações, todas voltadas… ao lixo. Tema contaminante. Detritos de toda ordem espalhados por rios, mares e solo, impunidade, insegurança, educação super sucateada, saúde aos frangalhos, saneamento básico como vergonhosa chaga  e, a imperar, soberana, a corrupção, que tem a ampará-la, sem julgamento possível em nossas terras tropicais, a mentira.

Os salários de nossos “Poderes” não são aviltantes – pois acumulados com benefícios extras e mordomias – se comparados aos dos países mais desenvolvidos? A mídia alardeia: como pode um policial ou bombeiro receber menos de R$ 1.000 e com a vida sempre em risco, se opiparamente o poder legislativo se auto valorizou ao aumentar em mais de 60% seus salários no início deste ano? E o efeito cascata que dele adveio? Não é um absurdo ético-moral? No extraordinário depoimento, aos 17 de Maio, a jovem professora Amanda Gurgel, explanaria na “Audiência Pública sobre o cenário atual da Educação no Rio Grande do Norte” temas cruciais da Educação no Brasil, destacando com ênfase os três dígitos de seu salário, 9-3-0, a dizer de uma responsabilidade que o Estado lhe impõe, sobrando-lhe a prerrogativa de, com um quadro negro e um giz, ter de salvar a nação (vide YouTube). Rubor dos políticos? Não.  

Lixo denunciado por Proença, apelo que não será ouvido, pois nem os poderosos do setor público, tampouco os que estão fora do governo, em mescla total com aqueles, mercê do lobby – essa chaga tão devastadora que infesta os corredores brasilienses e outros mais espalhados nos Poderes do país – ouvem  clamores do povo pacífico. Esse cidadão do bem sabe que invariavelmente, sem quaisquer exceções, aquele a quem lhe são imputadas a suspeita e até provas concretas, dirá não, nada aconteceu, sou vestal.

O cidadão comum assiste pasmo aos noticiários da televisão e, inconformado, vê corredores de hospitais públicos repletos de macas com doentes sem o mínimo atendimento, tantos deles morrendo. Governantes perderam o mínimo de dignidade ao não querer olhar a triste realidade do povo. Qual o habitante das cidades médias e grandes que ousa sair à noite, após determinada hora, para um passeio solitário pelas ruas? Para quem vê anualmente, em Bruxelas ou Gent, meninas voltarem das escolas em bicicletas após às 23h sem preocupações, chega a ser constrangedor, senão humilhante, qualquer comparação. O lixo do extermínio, pois para 137 assassinatos diários no Brasil, 6 ou 7 acontecem anualmente na Bélgica, número considerado abominável para os belgas, em uma população com pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Portanto, prezado talentoso poeta Ruy Proença, seu texto está a traduzir, nesse final inesperado, não apenas o lixo, mas a tragédia que ele encerra. Aos seus 60 segundos poderão se somar outros mais. E após? Haveria esperanças? Esperemos que um dia algo extraordinário possa acontecer, certamente não com a maioria de nossos governantes e dirigentes. Talvez, talvez…

The idea for this post came after reading a poem by Ruy Proença, a Brazilian poet, in a booklet of poems published by my friend and editor Cláudio Giordano. The author writes a high-speed biography of Earth, from its beginning to the dawn of modern men only in the last 60”, followed by the consequent metamorphosis of paradise into an island of garbage.