Interesse a Levar ao Descrédito

A morte dos outros me afeta:
e seu morrer, a sua morte,
são parte da minha vida,
são marcos ao limite último.

Joan Reventós i Carner

Em post bem anterior reproduzia artigo que saiu publicado aos 12 de Março de 1993 no Suplemento Antília, de O Telégrafo, da cidade da Horta, capital do Faial, uma das nove ilhas do Arquipélago dos Açores (vide “Um Trágico Amalgamar” – Quando a Morte é Espelho da Realidade, 27/03/2010). Àquela altura houve o insólito episódio de impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello e o brutal assassinato de jovem atriz televisiva. Escrevia sobre a consequência política da primeira situação, que ficará registrada para sempre em todos os compêndios de história do país, e da tragédia do cotidiano que se esvai, tão logo outros infaustos acontecimentos eclipsem o antecedente. A mídia, faminta por notícias sensacionalistas, voltou-se para a comoção popular estimulada pela enxurrada novelesca diária em nossas televisões, a dar muito maior destaque ao circunstancial trágico em detrimento do inusitado histórico-político. Teria havido algum aperfeiçoamento no sentido de se privilegiar o mais importante e não o circunstancial, mesmo que envolvido em brutal desfecho? A resposta é não. Passaram-se dezoito anos do impeachment e da tragédia e nada mudou, antes recrudesceu de maneira geométrica.

A monstruosidade do que ocorreu na Noruega no dia 22 de Julho, provocada por um desequilibrado absoluto, poderá ter consequências inimagináveis. Extremo-nacionalistas, fanáticos religiosos, desnorteados que se espalham pelo planeta têm dado provas de que não há mais segurança em nenhum rincão. Em quase toda a Terra, atentados diários promovidos por grupos que semeiam o terror, ceifam centenas de inocentes. Os países nórdicos seriam exemplos da constante serenidade. Os terríveis acontecimentos em Oslo e na ilha de Utoeya não serão esquecidos em nenhum volume que retratará a Noruega naquilo que lá existe de tolerância e respeito aos direitos humanos e que viu nascer o extraordinário compositor Edward Grieg (1843-1907).

O que aconteceu no país nórdico é de uma brutalidade imensa. Quando alta autoridade, questionada a respeito da presença de um único helicóptero da segurança pública em Oslo, a fim de socorrer possíveis vítimas, a resposta não leva à dúvida. Nada acontece no país que tem, no máximo, 20 assassinatos anuais – no Brasil 137 por dia. Um outro personagem entrevistado afirmou que 21 ou 30 anos de prisão para esse tresloucado seria um prêmio, pois as prisões norueguesas são exemplares. Para uma população de quase cinco milhões de habitantes, a presença hoje de 11% de imigrantes deverá ser acrescida, a mudar o perfil da Noruega. Oriundos de países árabes, mas também de outros, o país terá de conviver com a nova configuração racial que, bem administrada, terá reflexos positivos no desenvolvimento da nação. O que provoca verdadeiro choque é que o criminoso é norueguês e com tendências ultra-nacionalistas. Quando cerca de 80 vítimas tombaram na Noruega, seria impossível que um povo pacífico não ficasse absolutamente desnorteado. A tragédia ainda está longe de uma avaliação ponderada. Por toda parte existem fanáticos que, em grupo ou isoladamente, respiram o ar da destruição. Inocentes são mortos em nome do nada. Se o Brasil não tem esse tipo de ação, não foi premiado por nenhuma divindade, pois a violência explode diariamente em todos os cantos movida pela droga, pelo descaso das autoridades ou pela simples vontade de matar, ato perpetrado por outros tresloucados.

Voltemos a 1993 e o caso Collor e o da jovem atriz de telenovelas. Naqueles infaustos acontecimentos, como os do presente, tivemos a mesma reação mediática, pois logo após a morte de uma jovem cantora de carreira recente, mas ventilada nos meios de comunicação, mormente pelo fato de que a auto-destruição, graças às drogas e ao álcool, estava a anunciar a sua morte, fazendo jus,  em interpretação mais imediata, ao mors certa hora incerta. Todos os holofotes se voltaram à tragédia individual. Foi de pasmar. Os principais noticiários, das TVs aberta e a cabo, dedicaram horas à Amy Winehouse. Entrevistaram em profusão figuras conhecidas da mídia e do show business, alguns a dizer que Amy era inigualável, que seu legado permaneceria para sempre, que seu trajar seria referência para a juventude (sic) e mais uma quantidade de bobagens. Algumas interrupções para que se voltasse à Noruega, quando repórteres davam últimas notícias, para imediatamente retornarem os canais à figura estranha que desaparecera, resultado dessa chaga universal que é a droga, acrescida de alto teor alcoólico. Certamente alguns leitores receberam, via e-mails que inundam a internet, série de fotos da cantora, que evidenciam a curta, mas inexorável derrocada. As fotos espantam, tal o realismo. A figura humana no seu mais abjeto estado. O massacre mediático a mostrar a desgraça da infortunada moça, mas a erigi-la como de “importância” fundamental na música pop de nossos dias (sic), a possibilitar, inclusive, a edificação do paradigma ou até do “mito”. Quão não são os hesitantes que poderão sofrer a influência desse atentado ao bom senso mostrado na televisão? Triste realidade.

O lamentável episódio norueguês estará em aberto e já passou para a história, assim como, sob outra égide, o impeachment de Collor de Mello. A jovem atriz ficou perdida na tragédia e desapareceria da mente do povo, assim como a infeliz cantora inglesa que, em pouco tempo, será apenas lembrada por poucos aficionados ou pela mídia se, hélas, outro cantor (a) morrer aos 27 anos de idade. E a mídia não aprende. Nada a fazer, pois incontáveis interesses estranhos estão em jogo.

On the bias of the mainstream media towards sensationalism to the great detriment of serious events that affect a given society or are globally relevant.