Deixar-se Embrutecer

Entretanto, se consagrarmos um quarto de nosso tempo
cessando nossos esforços pessoais
a deixar tranquilamente o espírito da Natureza impregnar o nosso,
poderíamos reconsiderar a lista de nossos desejos e, ao fazê-lo,
assegurar igualmente a cooperação da Natureza
para obter o que almejamos.
Paul Brunton

Músicos, poetas, escritores, atores, artistas plásticos têm a noção exata do espaço para a respiração. Este pode ser até infinitesimal, mas está sempre a existir. É a pausa a intermediar a frase musical, é a vírgula para quem escreve, o respirar para o ator, o traço a interligar com leveza a feitura do desenho. Habituamo-nos, desde o aprendizado, a essa interrupção momentânea, que possibilita retomadas. Na excelência, grandes poetas, escritores, compositores, intérpretes, atores e artistas de artes visuais sabem conduzir de maneira inefável o espaço que leva à palavra ou o som àquilo que segue ou, ainda, a separação a levar à harmonia das cores.  Não por outro motivo são eles reverenciados por quem se irmana ao conteúdo transmitido. Quando há a simbiose plena música-poema, tem-se então a magia. Entre tantos exemplos, Schubert, Fauré e Debussy souberam extrair o maravilhamento do texto poético em música inefável  e conseguiram estabelecer  momentos absolutos em que palavra e som encontram o sentido transcendente da respiração. Sob outra égide, a do leigo, qual não é o prazer na leitura de um belo poema ou de um texto impecável, onde todos os contornos desse “tempo imaginário” podem ser captados?

O respirar essencial à vida, possibilita, sob outra égide, um controle mais acentuado em determinadas atividades devido às peculiaridades. Brevíssimas interrupções ou pausas fazem parte de seus glossários. Contudo, essa respiração tem sido aniquilada cada vez mais acentuadamente pelos meios de comunicação. Antigamente, na passagem de uma propaganda para outra, tinha-se uma fração mínima de silêncio no rádio, e a separar um anúncio de outro na televisão, igualmente uma fração de segundo em que a tela ficava escura antes da publicidade seguinte. A rede de maior audiência teve no passado, inclusive, mínimas vinhetas representadas por charges articuladas intermediando as propagandas. Pouco a pouco, devido ao princípio fundamental do lucro e do tempo “precioso”, as propagandas foram sendo prensadas umas às outras, sem mais o  infinitesimal instante de separação entre elas. Esse processo converteu-se numa absoluta constante e torna-se aflitiva a sucessão de publicidades díspares – tantas delas verdadeiras câmaras da inconsequência  -, completamente dissonantes umas das outras. O generoso leitor, se prestar atenção,  observará essa assertiva, que chega a ser até um desrespeito ao ouvinte ou ao telespectador. Se necessidade há de se encaixar um número determinado de publicidades, não poderiam as empresas de comunicação eliminar essa verdadeira fusão, possibilitando a passagem de um e de outro anúncio numa sequência natural não tensa? Não bastaria encurtar determinados tempos de créditos ou outros artifícios?

Para aquele que vê e ouve há ainda outra agravante. Quantas não são as vezes em que já se está a ouvir ou a ver determinada propaganda e, na realidade, ainda se acredita tratar-se da anterior? Nem um flash tem tamanha “eficácia”. Algumas empresas de publicidade têm o bom senso de deixar a logomarca do anunciante por meio segundo que seja ao final da mensagem. A mínima fixação já faz o frequentador distinguir perfeitamente os “anúncios” transmitidos. Contudo, algo que fica evidente, até cômico, poder-se-ia afirmar, refere-se à publicidade de remédios. Ao final, em prestissimo veloce, o locutor de rádio ou a tarja em flash afirmam que “se persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado” ou “esse medicamento não deve ser utilizado em caso de sintomas da dengue”. Ou ainda, em termos telefônicos, “sua mensagem está sendo encaminhada para a caixa postal e estará sujeita à cobrança após o sinal”.

A duração do som, a estabelecer relações da trama musical, proporciona aos músicos a noção mais acurada da supressão desse respirar que deveria ser vital na publicidade, fosse outro o entendimento de profissionais ligados a essa área e a da difusão. Sob outro aspecto, a ascensão desmesurada de um tipo de “música” de massa de altos decibéis não faria parte dessa necessidade de se evitar o silêncio e a pausa, de suprimir a respiração e de tornar tudo ofegante?

Um outro aspecto, consequência da inexistência do mínimo instante a separar uma publicidade da outra, residiria na formação, mormente das crianças. Assoladas pela inundação de propagandas essenciais para as empresas de comunicação, apreendem desde tenros anos essa ausência absoluta da pausa, da respiração como essência. Ouvem e veem cenas que se sucedem sem a menor conexão. Não teria isso influência futura no desenvolvimento do miúdo? Seria plausível entendermos positivamente. Esse problema,  acredito, deveria ser tema de profissionais das áreas da educação e psicologia.

Encontrar Luca Vitali é sempre motivo de alegria. Tomamos um curto e falei-lhe do presente post. Apenas ouviu. Dias após, seu lápis mental transformava em charge minhas elucubrações.

 

A reflection on today’s frenzied world of advertising, that forces us to divide our attention into a nonstop - time is money - multitude of small slices and may have an impact on our ability to process information.