Salvaguarda de Objetivo Proposto
Não adianta correr se você não sabe para onde está indo.
Elson Otake (maratonista)
Há muito tempo não encontrava Márcia. Fazia ela parte de um grupo de estudos da iniciativa privada que visava à preparação de egressos da universidade para o mercado de trabalho. Posteriormente singrou outros caminhos e hoje é empresária bem sucedida. O casual encontro se deu em um supermercado e, como habitualmente faço quando há tempo para um prolongamento de conversa que se vaticina enriquecedora, convidei-a para um curto.
Inteirei-me de muitas posições que desconhecia a respeito de gestões empresariais. Minha amiga apenas teve ratificada minha convicção de que as grandes corporações, com seus lobistas que infestam as salas legislativas, na realidade andam de mãos dadas com o Estado, pois apontou-me as imensas dificuldades das empresas que buscam trilhar caminhos corretos.
A certa altura, Márcia, leitora de meus blogs e a par de minhas gravações no YouTube, pergunta-me: “O que é em sua área estar preparado?” Confesso que achei curiosa essa questão, vinda de uma mulher totalmente realizada profissionalmente.
Hoje, aposentado, continuo a ter as mesmas colocações nessa edificação a visar à realização de um projeto musical. Primeiramente acredito que estar preparado aplica-se a todas atividades humanas e mesmo ao mundo animal. Um predador fisicamente mal corre o risco de morrer de maneira natural ou atacado por outros predadores. Contudo, um fato curioso advém na atividade de um compositor ou intérprete. Se pressionado por uma encomenda, o compositor organiza suas ideias – seu baú mental já as tem em grande parte – adiciona o novo, que pode traduzir-se em possibilidades inovadoras e em tempo certo a obra estará finda. Ao longo de minha vida apresentei cerca de 130 músicas em primeira audição e tantas delas encomendadas e compostas generosamente por autores competentes. Jamais houve um centavo em causa e nunca tive um atraso, apesar de que, em algumas situações, as obras tivessem um prazo imenso para a entrega ou sofressem a pressão do tempo. Ou seja, há um mecanismo mental que determina o tempo da preparação. Estou a me lembrar de uma obra extraordinária composta pelo grande compositor Aurelio de la Vega (1925- ), nascido em Cuba mas radicado nos Estados Unidos. A criação fazia parte de 10 tributos a Villa-Lobos no ano do centenário de seu nascimento e a coletânea foi publicada pela USP. De imensa dificuldade e com duração de 10 minutos, Homenagem de Aurelio de la Vega visitava vários ritmos latino- americanos. Recebi-a menos de uma semana antes da apresentação. Normalmente a decantação seria lenta, mas a premência do tempo, o condicionamento mental e horas e horas a fio de estudo fizeram com que “naturalmente” apresentasse a obra, que foi tocada a contento. O público sem ter a menor consciência do tempo de amadurecimento das composições na mente e nos dedos do intérprete. Para o ouvinte, tanto a obra de Aurelio de la Vega, como o Homenagem a Villa-Lobos, de Camargo Guarnieri, que apresentei em Paris em 1960, teriam de estar preparadas. Em 1996 gravaria na Bulgária, para o selo Labor dos U.S.A., entre outras obras, essa duas criações em CD entitulado “Tribute to Villa-Lobos”.
Como Márcia se mostrasse interessada, falei-lhe das corridas. Não fossem os três treinos semanais de 6, 8 e 10km, como poderia, aos 73 anos, encarar as competições de rua, a subir e a descer ladeiras da cidade? Nesses percursos de 10 a 15km sei que, ao iniciar os trajetos com cerca de 10.000 outros corredores, deverei chegar ao final, salvo se algum fato inusitado acontecer, o que felizmente não ocorreu nas 37 corridas já realizadas. Quando passo por outros atletas amadores, que estão a andar ou lentamente a correr lamuriando-se, entendo as palavras “estar preparado”. É como diz meu velho amigo e maratonista Nicola, em seus bem mais de 70 anos: “Se o corpo estiver preparado, a sua mente o levará a qualquer lugar”. O mesmo não ocorre no futebol? O público que vai aos estádios sempre se manifesta ao ver um jogador não devidamente em forma sob o aspecto físico.
As experiências narradas por Márcia, que buscou aperfeiçoamento em cursos no Exterior e estágios em corporações importantes para aquilo que almejava, a gestão empresarial, fizeram-na preparada. Como dizia a minha legendária professora de piano Marguerite Long, “nada resiste ao estudo ou ao trabalho”. Despedímo-nos e encontro Carlos, companheiro de corrida e bem mais rápido do que o septuagenário. “Já se preparou para a prova Santos Dumont no Campo de Marte?”, perguntou-me. Estou treinando, respondi-lhe, e a olhar para a Márcia disse-lhe: “eis o exemplo ao vivo”. Regressei a pensar nesse percurso de 10km, sem esquecer de outras preparações, do estudo de piano e dos escritos que povoam a mente. O tema do post já estava a ferver. Após a prova deste último dia 12 o texto fluiu prazerosamente.
A chat with a friend brought up the subject of this post, a reflexion on the importance of being prepared to handle the situations that life throws at us.
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