Livres da Propaganda Eleitoral Durante Dois Anos!

As societies grow decadent, the language grows decadent, too.
Words are used to disguise, not to illuminate, action:
You liberate a city by destroying it.
Words are used to confuse, so that at election time
people will solemnly vote against their own interests.
Gore Vidal (Imperial America, 2004)

A great deal of intelligence can be invested in ignorance
when the need for illusion is deep.
Saul Bellow (To Jerusalem and Back, 1976)

Felizmente vimos-nos livres da propaganda eleitoral obrigatória. Confesso não ter assistido a qualquer programa do primeiro e tampouco do segundo turno, por absoluta desmotivação e enfado quanto à maneira de se conduzir a política em solo pátrio. Todavia, para aquele que ouve noticiário pelo rádio, impossível não ter sido massacrado insistentemente por pílulas de propaganda que surgiam a cada intervalo da programação. Curtas,  perfuravam a alma tamanha a falta de conteúdo, promessas vãs e insultos de toda ordem.

Para aqueles que já viveram muitas décadas, seria possível sentir uma decadência generalizada. Todos os candidatos, sem exceção, friso, inundaram os ouvintes com milhares de promessas. No primeiro turno foi o que mais se ouviu por parte de postulantes à Câmara Municipal e à Prefeitura. Creio que, se fosse concretizada parcela das realizações dessas doses de esperança, viveríamos no melhor dos mundos. O que se viu no segundo turno entre dois candidatos foi a reiteração das promessas e contundentes ataques pessoais. Ao menos em meados do século passado os concorrentes também prometiam – na época, havia menos ilusões a serem transmitidas – e críticas mútuas tinham a “elegância” de um “fugir à verdade” e não as palavras mentira e mentiroso a toda hora ventiladas no presente, essas verdadeiros xingamentos. Ouvimos enxurrada de impropérios, virulentos atentados à dignidade moral do eleitor. Diria mesmo, invasão pelo rádio ou pela televisão. Dois candidatos com nível superior, empregando ad nauseam infamantes palavras. Nunca percebe a classe política que o eleitor mais avisado tem ojeriza absoluta por esse embate de baixo nível. Descalabro que apenas desilude o menos incauto. A enorme abstenção e os votos em branco não seriam o resultado da desilusão? Uma cour de miracles moral. Para o ouvinte apartidário, quem mentiu? Um? Os dois? O sinistro ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, já proclamava que “uma mentira proclamada mil vezes torna-se uma verdade”.

Triste foi a participação de cabos eleitorais, com maior ou menor peso, naquela reta final da campanha. Figuras que preponderam ou tiveram a sua vida pública em passado recente – não considero neste espaço o valor dessas atuações – praticaram a mais rasteira verborragia, não apenas a atacar o adversário como “pontificando” administrações a eles atribuídas. Passado e presente num imbroglio só. Aos apaniguados, elogios ilimitados, grotescos e insistentes; aos adversários, a vala comum, como se houvesse realmente distinção clara entre os políticos! Não se trata de ideologia, mas de levar as “discussões” ao patamar mais baixo do debate. Desacreditam-se uns aos outros. Uma decepção. Ao vencedor fica a aparência da vitória e o fatal início do não cumprimento de promessas que, se reunidas – a totalidade durante o processo inteiro a envolver candidatos à Câmara Municipal e à sede da Prefeitura  - consumiriam o orçamento total da União, friso, total. Ao perdedor, a decepção e o pensar sobre o que fez o eleitor, majoritariamente desinformado, optar pelo “inimigo”.

Outro aspecto, antes crônico, hoje a ultrapassar a barreira do plausível, tem sido o da deterioração do idioma entre determinados políticos, mal a se alastrar por osmose. Sabemos que há aqueles que realmente tiveram pouco convívio com um linguajar ao menos sofrível. Contudo, saliente-se, deveria o homem público, como exemplo para a sociedade, saber expressar-se de maneira ao menos potável, sem insistentes e voluntárias incorreções que, paradoxalmente, passam a integrar o folclore de certos homens públicos. E, mais grave, a insistência no erro, no equívoco, no tropeço gramatical é por vezes erigida como “charme”, característica e até bandeira de políticos que jamais se preocuparam com o conhecimento. É lamentável verificar que certas expressões passam a integrar o cotidiano ou dele saíram. As ruas têm seus trejeitos, a fala e a escrita cultas obedecem a outros critérios. Ao menos deveriam segui-los. Tantos entendem como normais e assimilados os escorregões gramaticais de toda sorte. Essa certeza da permissividade linguística, em que singular e plural se confundem, concordâncias e sintaxes são desprezadas, conjugações arrepiam, elisões proliferam, está a atingir, inclusive, quase todas as áreas. Qual a razão de nossos poderes executivo e legislativo não apreenderem a falar bem? Dirigir-se ao eleitor não lhes dá o direito de desprezarem o idioma pátrio para atingir o “povão” que só não alçou voos na educação por culpa única e exclusiva desses poderes. A recente “reserva” de 50% das vagas nas universidades federais aos que cursaram escolas públicas, sucateadas pelo próprio governo, não é prova inconteste da vontade política de manter nossos universitários em nível inferior? Formará a universidade federal melhores profissionais em todas os domínios do conhecimento? Ledo engano. Tragédia anunciada, não para já, mas certa dentro de poucos lustros. Sob outra égide, que lições do vernáculo não nos deram alguns ministros mais experientes do Supremo Tribunal Federal – friso bem, alguns – nesse execrável e vergonhoso processo a envolver o famigerado “Mensalão”, estampado no Exterior como escândalo sem precedentes!

Não se está neste espaço a conclamar a oratória esmerada, mas apenas o respeito ao idioma pátrio. Os próprios profissionais da imprensa falada entendem natural a elisão que corrompe o vernáculo, acrescida da proliferação de neologismos de moda ou de gírias que contaminam a língua antes chamada culta. Há pouco tempo mencionou-se uma cartilha em que o falar popular, com suas falhas notórias, apresentava-se como futura verdade! A cada ano mais acentuadamente “não é” transforma-se no simples “né”, “José”  em “Zé”, “está” em “tá”, “estou” em “tô”, “espera aí” em “peraí” e as direções das emissoras não ouvem ou não querem ouvir, ou nem chegaram a refletir sobre a extensão do ataque ao idioma. Que as ruas aceitem, nada a fazer, mas nossas emissoras referenciais (em São Paulo três, quatro…) têm de cuidar do nosso idioma. Exceções há, e como é agradável ouvir radialistas que falam com a maior correção ou, então, políticos que se expressam a contento sem empregar palavras injuriosas.

Voltando-se às promessas políticas. Estejamos atentos. A lista das melhorias é enorme. Cumprirão o prometido? Reza a história que, infelizmente, o povo tem memória curta. Tenhamos ao menos o cuidado de registrar essas promessas. Que tudo não fique para as calendas após as eleições, pois promessas, sorrisos, beijinhos, afagos distribuídos fartamente por vereadores e prefeito eleitos desaparecem como névoa. Para os ungidos instaurou-se já, nesta semana, a meta para 2014. Poderemos um dia pensar que o Poder pelo Poder não será prioridade para a maioria dos políticos?  Infelizmente para o cidadão que labuta sem tréguas, nada a fazer.

This post, written on the aftermath of Brazilian municipal elections, discusses the low level of the electoral propaganda on radio and TV, the use of offensive language by candidates, the technology of persuasion used not to enlighten, but to manipulate voters and the widespread decadence of the idiom among our politicians, just a reflection of a widespread disregard for social responsibility.