Navegando Posts publicados em fevereiro, 2013

Comentários que Enriquecem o Conhecimento

Documentos concernentes aos construtores das catedrais não faltam;
contudo, há  problemas e lendas
que tornam ainda obscuras determinadas verdades históricas:
lenda das corporações, dos segredos, do trabalho voluntário, dos monjes construtores…
Jean Gimpel (Les Batisseurs de Cathédrales)

O post sobre Notre-Dame de Paris deixou inúmeros leitores admirados com os eventos que  cercam a possivelmente mais conhecida Catedral de todo mundo e um dos pontos turísticos referenciais do planeta. Buscava o texto expressar fundamentalmente, frise-se, aqueles momentos de intensa manifestação de fé cristã para tantos e a curiosidade de outros mais frente ao inusitado acontecimento da chegada dos Sinos na Catedral de Notre-Dame. Não estava em causa no post do último dia nove, saliento novamente, pormenorizar-me em essencialidades que justificariam aprofundamentos, não apenas pelo caráter do evento como também pela exiguidade do espaço a que me proponho semanalmente para o convívio com os leitores.  Aqueles que manifestaram a alegria pelo que se estava a viver nos dias mencionados fizeram-no com acuidade. Selecionei três mensagens, uma do dileto amigo Antoine Robert, mencionado no post em questão,  e outros dois  de músicos competentes que, sob olhares diferenciados, deixaram testemunhos que enriquecem o presente blog. Nesses  dois últimos, ratifico, abrem-se as portas para estudos pormenorizados daqueles que assim o desejarem. O professor e musicólogo José Maria Pedrosa Cardoso e o compositor e pensador François Servenière têm, pois, a pena que substancia suas posições.

Antoine Robert comenta de Paris:

“Ontem à noite a televisão divulgou longa reportagem sobre os 850 anos da construção de Notre-Dame. Uma parte da emissão foi consagrada aos novos sinos. A seguir, apresentaram uma sequência de observações sobre as fundições de Villedieu les Poêles. E quem você pensa que foi interrogado para explicar todo o trabalho realizado? Stéphane Mouton, um dos técnicos especializados com quem conversamos longamente naquele café perto da catedral. Fiquei  emocionado ao revê-lo naquela entrevista, como se ele fosse um velho amigo. Sempre preciso  em seus comentários, via-se que estava visivelmente feliz ao transmitir aos telespectadores os seus conhecimentos. Após, assistimos à partida dos sinos para Paris, sua passagem pelos Champs-Elysées  e chegada em frente a Notre-Dame. As últimas imagens  mostravam-nos exatamente como os vimos”. (tradução: JEM).

Pedrosa Cardoso escreve de Portugal:

“Quando visito a histórica Catedral, muito para além da sumptuosidade da linhas, das ogivas e das cores, o que sempre me entusiasma naquele ambiente é o espectáculo imaginado da música que historicamente nasceu com a própria construção daquele espaço, com a superação da simples monodia gregoriana pela contrução da admirável polifonia da chamada ‘Escola de Nôtre-Dame’, os quadrupla, tão absolutamente originais para a época. De facto, os graduais Viderunt omnes ou Sederunt príncipes (www.youtube.com/watch?v=FvJ6xl3l1ek ) de Pérotin, consagrando o cantus firmus tradicional (com a longuíssima pedal, qual bordão lembrado no sino maior por si evocado), levantaram uma nova sonoridade vertical a 4 vozes, nas quais já despontam sinais do contraponto, que tão longe chegaria na música ocidental, só comparável à das majestosas ogivas e cores dos seus vitrais. Pérotin (1160-1230) , mais que o seu mestre Léonin (1135-1201), teve a genial inspiração de inaugurar na música o que se estava a inaugurar na arquitectura, construindo obras tão revolucionárias para a História da Música como seriam quatro séculos depois (casando com altíssima inteligência a prima com a seconda prattica na salvaguarda de tradição e modernidade) os salmos igualmente magníficos de l vespro della Beata Vergine de Monteverdi (1567-1643). Da grande Catedral o post evoca os seus sinos, afinal também instrumentos de música, historicamente, penso eu, mais humildes do que o espectáculo gerado pela música litúrgica de Notre-Dame de finais do século XII e princípios do XIII”.

De Blangy-le Chatêau, François Servenière historia:

“Li seu artigo desta manhã e o achei-o de muito interesse, pois é um dos temas que me apaixona há muito tempo, as catedrais francesas. Foi uma vasta literatura percorrida sobre elas, a magia da súbita construção (em menos de 150 anos em toda a Europa), ligada ao retorno dos templários e à posse secreta (?) da Arca da Aliança e do ‘bastão’ de Aron’, descobertos no túmulo do Santo Sepulcro… Ainda hoje, as ordens maçônicas descendentes dos templários aqui mantêm uma espécie de fluxo artístico sobre esses aspectos mágicos das catedrais. Podem-se ler livros e mais livros sobre o assunto e a verdade apresenta-se sempre mais obscura. Riqueza dos templários e realeza francesa estão intimamente ligadas, assim como a França e a história das catedrais fazem parte da nossa civilização européia. O tesouro do Vaticano conserva certos segredos que não serão jamais revelados! Malgrado os romances de antecipação, como o Código Da Vinci, que desenvolve teses não comprovadas, mas embaraçosas! O Vaticano não diz constantemente que a França é a ‘filha mais velha da igreja’? O que esconderia essa expressão? Que herança a França possui?  Seria uma herança de monumentos? Do espírito? É pouco provável. Herança em tesouros da antiguidade cristã? Que dívida tem a igreja em relação à França nesses tesouros escondidos? Lá ao sul, em Roma, não há prescrição de 50 anos para segredos de Estado guardados na Biblioteca do Vaticano, pois depositados ad eternum, salvo invasões bárbaras vindas de regiões que professam crenças únicas e fanatizadas e que, nesse caso, colocariam por terra os símbolos da identidade cristã na Europa.  A verdade, talvez, seja muito mais simples do que tudo o que está escrito. Todavia, ela apagaria a magia, e a ausência da magia gera a ausência de ‘dízimos’ próprios dos cultos e das visitas, onde se inclui Notre-Dame de Paris, assim como todos os lugares de culto na Europa, ou seja, o mecanismo mercantil necessário à sobrevivência. Apesar dos recursos financeiros do turismo cristão para a manutenção desses monumentos, há nessas construções aspectos mágicos ligados à acústica, ao gênio inventivo do abade Suger, que foi mestre de obras em Saint-Denis, mas que também influencia toda a Arte da França, ou seja, a Arte Gótica. Ficou essa arte maior e incrivelmente perene; permaneceu  a qualidade do labor de artesões dos quais são descendentes os Compagnons du Tour de France  e os Compagnons du Devoir - confrarias profissionais oriundas de tantas outras, artesanais, que construíram catedrais e igrejas – companheirismo que eu reivindico também na minha formação intelectual e artística, pois ela estabelece a arte profunda, preciosa e elitista de nosso país como um todo, como se gerações sucessivas tivessem transmitido essa noção de exigência e de excelência através dos tempos. É a evidência, bem entendido! Considere-se toda uma ideologia dos últimos cem anos para a qual a igualdade é fundamento – na realidade, jamais almejada pelos detentores do poder – que in facto nunca existiu desde a aurora dos tempos, mas considera o trabalho uma condição de escravidão. Trabalho esse entendido pelos descendentes filosóficos das catedrais como arte sagrada da vida. Compreenda-se que liberalismo e capitalismo são consubstanciais ao espírito das catedrais. Haveria condições de construir tais edifícios sem a liberdade individual e sem o capitalismo? Por acaso foram os escravos que construíram tais obras-primas? Não, foram homens livres, evidentemente, vindos de toda a Europa para participar dessa obra excepcional que estava a nascer. Havia trabalho para todos esses cidadãos e cada um sonhava poder participar, trabalhando e dando o melhor de suas capacidades. A história, sim, a história relata que eles eram bem pagos. Eu não ouso sequer estimar o capital necessário disponível para a construção dessas catedrais e igrejas jamais igualadas na perfeição arquitetônica.

As catedrais têm esse aspecto maravilhoso. Nelas adentrar é tecer reflexões sobre o período, a história, o passado, o presente. É talvez o único lugar, hoje, onde podemos permitir-nos a reflexão sobre todos os conceitos acima, além de nosso entendimento e que ocultam nossos pragmatismos e obrigações cotidianas aqui na Terra. Frequentemente vamos às Basílicas de Lisieux e de Sainte-Cathérine, em Honfleur, por esses motivos transcendentais. Para sair de nosso tempo presente tão forte e inquisidor. Partilho de sua emoção à chegada dos sinos de Villedieu-les-Poëlles, que eu conheço muito bem, assim como o fabricante, que visitei várias vezes.

Incrível história das catedrais, de suas raízes, de sua descendência! Mundo real, histórico, humano e esotérico se amalgamam permanentemente. Magia, pedras, feitiçaria, crenças, recolha… Toda essa argamassa secular da qual, infelizmente, nunca conheceremos todos os ingredientes”. (tradução: JEM)

Agradeço aos dois ilustres especialistas, que tão bem esclarecem aspectos pontuais que enriquecem os espaços do presente post. Quanto a Antoine Robert, ele é partícipe de uma amizade que remonta ao ano de 1960.

My post on the bells of Notre Dame cathedral received much feedback. This week’s post is a selection of messages I received on the subject: one is about the bells and how they became news on the French television; a second tells us of composers and musical experiments of the Notre Dame School of Polyphony ; the last one is about the workforce involved in building cathedrals in the Middle Ages and the secrets of the Catholic Church.

 

Região Plena de Encantos

Circunstâncias agradáveis levaram-nos à Baixa-Normandia. Lá estive em 1959, a visitar Deauville, Trouville e Honfleur. O regresso deveu-se a uma visita amistosa ao compositor François Servenière e sua encantadora família, que habitam Blangy-le-Chatêau.

Partimos de comboio da estação Saint-Lazare, em Paris, e em menos de duas horas, passando por cidades como Pont-l’Évêque (do renomado queijo) e Lisieux (cidade de peregrinações voltadas à Sainte Thérèse de l’Enfant Jesus, ou Santa Terezinha do Menino Jesus, da ordem das Carmelitas descalças), chegamos a Deauville, onde Servenière nos esperava. Permanecemos menos de vinte e quatro horas na linda região da Baixa-Normandia, pernoitando em Deauville, bem em frente ao Porto. Sempre acompanhados pelo dileto amigo,  foi-nos dado o prazer de ouvir pormenorizadas observações a respeito de uma região com história, tradição diferenciada a partir das próprias construções nas comunas e, sobretudo, repleta de belas paisagens, mas preenchidas por moradias de diversos períodos e estilos. Normandia que não nos deixa esquecer os episódios trágicos do célebre dia D e suas consequências logo a seguir, durante a Segunda Grande Guerra, quando milhares de jovens  perderam a vida, mas fincaram as bases para a libertação dos povos. Casamatas alemãs ainda podem ser encontradas quase frente ao mar.

Apesar de toda a notoriedade, Deauville pareceu-me agora, como há mais de 50 anos, menos interessante do que Trouville ou Honfleur.  Após ser erigida Estação Balneária em meados do século XIX, surgiram com o passar dos anos  inúmeras outras construções, muitas delas palacianas, cassino famoso, pistas para treinamento e corrida de cavalos. Deauville abriga festival do cinema americano, congressos de toda a sorte e tantas mais atrações voltadas aos aspectos por vezes mundanos e superficiais do ser humano. Inúmeras demolições, muitas delas de casas com perfil histórico, estão a se processar. É, pois, frequentada preferencialmente por detentores da economia, artistas prestigiados, políticos e cidadãos mais afortunados. Logicamente, Deauville não tem apenas essas características, pois um certo charme persiste em muitas construções, no porto, no mercado…

Honfleur é simplesmente encantadora. Lá nasceu o compositor Erik Satie (1866-1925). Com sua arquitetura típica, ruelas com construções geminadas e diferentes, por vezes  lembrando miniaturas. Diante da casa que viu nascer o autor das Gymneopédies, como não visualizar as travas rústicas de madeira que sustentam as estruturas externas da morada e não pensar nas organizações musicais do compositor, por vezes tão imbuídas de rude escritura? Digna de atenção, a Igreja de Sainte-Cathérine, cuja nave em madeira, da segunda metade do século XV, tem o formato de um fundo de grande barco invertido. Construída após a  Guerra dos Cem Anos, interessa o fato dessa utilização de material próprio à construção dos barcos dessa pequena localidade voltada para o mar. O todo é harmonioso.         

Ao adentrarmos uma das galerias da cidade, Sainte-Catherine, deparamo-nos com obras do escultor francês Bruno Catalano, nascido no norte da África em 1960 e que, a partir de 1990, criou um modelo escultural que desdobraria em incontáveis situações, o homem e seu destino, que abandona fragmentos corporais ao partir. Cria o artista uma atmosfera que impressiona pela realidade latente do ser humano, que deveria, na essência, estar voltada ao desapego, mas que dificilmente consegue se liberar de tantos acúmulos. Segmentos do corpo no vazio sintetizam o desprendimento, e a indefectível mala, sacola ou valise são  símbolos do conteúdo que deve acompanhá-lo na trajetória. Solicitei à gentil Céline, da referida galeria que me enviasse uma foto da escultura em bronze de Catalano, “Le destin du voyageur”, com mais de dois metros, e prontamente fui atendido. Partilho-a com meus leitores.

Pelas ruelas de Honfleur continuamos o passeio e uma casa chamou-me a atenção pelo emprego de tantos materiais. Minúscula, parecia traduzir todas as dificuldades e privações dos moradores ancestrais para a construção que os abrigasse, protegendo-os dos fortes ventos e do inverno nessa região voltada para o Atlântico Norte.

Já ao final da tarde dirigimo-nos a Blangy-le-Chatêau (circa 670 habitantes), para o jantar em casa de François Servenière, sua encantadora esposa Elise e os filhos menores, Ambre e Tom. Dádiva do entendimento. Nossa correspondência em dois anos já ultrapassou 700 páginas. Música, artes, literatura, cotidiano e, hélas, política são temas recorrentes. Nosso desencanto quanto a esse último tema é recíproco. Servenière é compositor autêntico e um sábio. Por vezes, com seu consentimento, compartilho seus e-mails escritos em francês literário com  amigos diletos, sabedor de que haverá uma recepção sempre extasiada devido ao conteúdo essencial. Uma raqlette servida com todos os ingredientes que se fazem necessários selou uma noitada inesquecível.

Pela manhã, o amigo acompanhou-nos do hotel em Deauville à estação ferroviária Deauville-Trouville. Ainda tivemos tempo, sob frio e chuva, de passear pelo passeio frente à praia. Em 1959, na visita que fiz com amigos às cidades da região em pleno inverno, andamos pela areia praiana e, em certo momento, tracei uma linha para um salto à distância, realizando-o. Com humor, François observou: “é possível haver ainda a linha demarcatória”.

No trajeto de volta não deixei de refletir sobre a passagem dos anos. A visita de 1959 vinha-me por inteiro e os 54 anos de distanciamento ratificariam certas constâncias ao olhar o que nos circunda. Alterações houve nessas pequenas cidades. Em Deauville elas são mais notórias devido ao afluxo turístico e a essa vocação já mencionada. Todavia, as modificações menores nas outras localidades não estariam em conformidade com certas determinantes que já existiam naquele jovem que eu fui? Transformações que não esquecem a arquitetura do passado. Elas podem ser encontradas também na interpretação pianística, mas a indicar sempre a origem. Nosso DNA não nos deixa trair características essenciais. Salvaguarda? Talvez.

On my trip to the Lower Normandy in France, visiting Deauville, Trouville, Honfleur and Blangy-le-Chatêau, and the reason why I prefer the last ones — with their delightful backstreets and old houses — to Deauville, turned into a glamorous holiday resort with sophisticated distractions for the upper class.

A Chegada dos Novos Sinos

Il est midi.  Je vois l’église ouverte.  Il faut entrer.
Mère de Jésus-Christ,  je ne viens pas prier.
Je n’ai rien à offrir et rien à demander.
Je viens seulement, Mère, pour vous regarder.
Vous regarder, pleurer de bonheur, savoir cela
Que je suis votre fils et que vous êtes là.
Rien que pour un moment pendant que tout s’arrête. Midi !
Etre avec vous, Marie, en ce lieu où vous êtes.
Paul Claudel (La Vierge à Midi - versos iniciais)

Após o recital do dia 28, motivo do post anterior, tive apontamentos musicais que me estimularão nesses próximos três anos. Três artigos precisos, que demandarão aprofundamentos, estão agendados para duas das mais importantes revistas de música arbitradas da Europa. Juntam-se esses projetos ao repertório novo, constituído de Estudos para piano compostos por notáveis autores de França e Portugal. Os anos se vão somando nessa última fase da existência, mas a chama continua acesa. Bem haja !!!

Em um passeio amoroso com Regina e Maria Beatriz, guiados pelo amigo de sempre, Antoine Robert, de cultura humanística sem limites, fomos à Catedral de Notre-Dame. Festejam-se os 850 anos de sua existência, pois a construção teve início em 1163,  prolongando-se até 1345. Estou a me lembrar das inúmeras visitas que fiz a Notre-Dame nos meus anos como estudante em Paris. Vinham-me sempre as imagens da conversão de Paul Claudel frente à essência essencial do espírito da Catedral; o romance de Victor Hugo; a história extraordinária, não isenta de mistérios, que encobre o Templo Sagrado e a farta iconografia através dos séculos. Toda essa magia fica em nosso imaginário. Visitei muitas catedrais e igrejas da Idade Média, das quais algumas permanecem como verdadeiros portraits em minha mente, como Autun, Chartres, Reims e Saint Bavon, esta última em Gent, na Bélgica, a abrigar o fabuloso políptico dos irmãos Van Eyck (A Adoração do Cordeiro Místico), mas Notre-Dame pontifica pela aura, que envolve o mundo cristão e turistas de todo o planeta.

Presenciamos momento histórico, desde que os novos sinos da Catedral chegavam para a inauguração, que se dará aos 23 de Março deste ano, a essa altura devidamente instalados nas duas torres. Será em um domingo de Ramos a anteceder a Páscoa. Frise-se que os fiéis sempre tiveram uma relação muito intensa com os sinos de Notre Dame. Anteriormente, a Catedral mantinha na torre Sul o denominado Bourdon, o maior deles, que pesava 13 toneladas, sendo que o badalo, 500 kg!!! Fundido no século XVII,  recebeu o nome de Emmanuel, conferido por Luís XIV. No grandes eventos, como Páscoa, Natal e outras grandes datas católicas, assim como após a morte de João Paulo II ou a eleição de um Papa, é o Bourdon que anuncia em Paris acontecimentos marcantes. Quanto à torre Norte, quatro sinos assinalam os ofícios cotidianos de Notre-Dame. Pesavam entre duas e três toneladas cada um.

Num fim de tarde muito frio, um público numeroso presenciava a chegada dos novos sinos. Após, ficaram à entrada da Catedral, admirados pela multidão. Fomos a um café nas cercanias e, repentinamente, uma enorme equipe, constituída de operários, técnicos, engenheiros e o presidente da firma Cornille Havard, responsável pela feitura dos sinos, adentrou o recinto. Lá pelas tantas, dirigi-me ao encarregado, que explicava aos companheiros quesitos técnicos, e fiz-lhe indagações a que prontamente respondeu. O grande sino Le Bourdon pesa seis toneladas e os outros oito chegam até 750 kg. Explicou-nos a difícil tarefa a envolver a feitura dos sinos em precisão milimétrica, a fim de que a afinação seja absolutamente perfeita. Um erro na construção desses enormes instrumentos musicais em metal porá tudo a perder e nova fundição será imperativa. O fato de ter-me apresentado como músico fez com que o excelente técnico nos desse verdadeira aula durante um bom quarto de hora. Ao final, disse-nos que no dia dois de Fevereiro à tarde haveria a missa de apresentação dos sinos, que estarão provisoriamente colocados na nave central da legendária Catedral.

Regina e eu lá estivemos, a assistir à missa oficiada pelo alto clero parisiense, com apresentação de magnífico coral e a participação de fiéis, enquanto pelas laterais milhares de turistas de todo o mundo circulavam dentro do imenso templo sem interrupção. O frio exterior intenso não diminuía o fervor, ou ao menos a curiosidade. Durante a cerimônia não deixei de contemplar o interior de Notre-Dame. Do gótico primitivo às consequentes evoluções. Exemplo essencial da arte medieval da cristandade. Arquitetos, escultores, trabalhadores e artesãos edificando o Templo. A Catedral impregnada da competência plena de seus construtores. E como não pensar nessa arte extraordinária que fez nascer em França, durante três séculos (1050-1350), cerca de 80 catedrais, centenas de grandes igrejas e milhares de templos menores ou capelas!!! Quantos milhares de toneladas de pedra!!! Dois dias antes admirávamo-nos com a luz dos vitrais das duas monumentais rosáceas situadas nos transceptos, mormente os da esquerda de quem está frente ao altar, pois absolutamente conservados. Entende-se um pouco a mística que a Catedral, envolta em inefável espírito de fé, representa para o mundo cristão. Acontecimento para não mais ser esquecido.