Quando a Arrogância e os Holofotes Preponderam

Porquê tolerar?
Parece-me ainda pior do que perseguir.
No perseguir há um reconhecimento do valor.
Agostinho da Silva

Estávamos no dia 9 de Julho de 1950. Meus pais levaram os quatro filhos para assistir ao jogo Brasil x Suécia em pleno Maracanã, na então bela Rio de Janeiro. Pela primeira e última vez entrei nesse gigantesco estádio e, nos meus 12 anos, vibrei com a vitória por 7 x 1 frente à equipe sueca. Ineditamente, 64 anos após, assisto pela televisão a mais um 7 x 1, desta vez contra nossa lamentável seleção. Estamos quites com os maiores resultados que obtivemos em todas as copas, para cima ou para baixo. Portanto, empatados…

Durante a Copa do Mundo preferi nada escrever sobre o tema. Filhas e netas me aconselharam a não ser o “cético” que vaticinava a derrocada desde os preparativos da seleção brasileira, mercê do ufanismo exagerado e das teorias ultrapassadas da comissão técnica de nossa equipe. Aquiesci, porém, após o Mineiratzen que jamais será esquecido por esta e futuras gerações, pensei escrever um post, ouvir comentaristas, mormente aqueles que foram jogadores consagrados. Não é de hoje que escrevo ter aprendido muito com as observações de esportistas de todas as áreas, inclusive tendo reflexos na minha atividade pianística.

Assisti aos jogos pela TV Bandeirantes, como sempre. Gosto dos comentaristas, ex-jogadores como Neto, Edmundo, Djalminha, Pedrinho, Denilson e dos locutores, bem mais competentes e naturais nos lances que se desenrolam durante os jogos, se comparados aos de emissoras da TV a cabo, muitos apenas jovens comentaristas que se expressam bem, mas sem a experiência daqueles citados. Há também os integrantes da equipe da principal rede aberta televisiva, pomposos e com ares oficiais. Contudo, interessaram-me igualmente as observações de quatro grandes jogadores internacionais campeões do mundo que compareceram com frequência aos estúdios do Sport TV. Lothar  Matthäus (Alemanha), Fabio Cannavaro (Itália), Daniel Passarela (Argentina) e Carlos Alberto Torres (Brasil) evidenciaram posições diferenciadas e de grande interesse. Carlos Alberto frisou que o problema maior de nossa seleção resumia-se num “oba, oba” nefasto que ele denunciava já há alguns anos. Creio que essa situação é fruto de um entusiasmo desmesurado da mídia; do Planalto, que frequentemente fazia-se presente em pronunciamentos para “prestigiar” e, consequentemente, colher frutos de uma eventual conquista brasileira, em exemplos grotescos como “A Copa das Copas” ou o “É Tóis”, postado recentemente pela mandatária mor do país; de Luis Felipe Scolari, técnico absolutamente ultrapassado; do ufanismo estratosférico de Carlos Alberto Parreira que proclamou, poucos dias antes da Copa, que éramos os francos favoritos; do próprio Scolari, que prometeu tanto aos brasileiros, criando nos mais incautos a sensação da invencibilidade; dos jogadores envoltos nas mais diversas propagandas; dos holofotes em altíssima voltagem e do sobrevoo dos helicópteros quando dos deslocamentos hollywodianos.

Sob outro aspecto, rádios e canais de televisão apresentavam um verdadeiro tsunami, exibindo exaustivamente durante meses publicidades banalíssimas sobre a copa, encomendadas por empresas privadas e estatais. Musiquetas pavorosas, insistentes, com textos massacrantes marcaram essa propaganda de patrocinadores os mais variados, de Bancos, a lojas que vendem “sem juros”, de revendedoras de automóveis a hotéis com “promoção”… Festival anacrônico. Em página inteira publicada no Estadão na quarta-feira, 9 de Julho, um dia após o Mineiratzen, lê-se publicidade de uma das maiores empresas do Brasil na área de alimentação: “Valeu a pena torcer. E se não deu para papar mais um título agora, nossa torcidinha tem tempo pela frente pra ver o sexto, o sétimo, o oitavo… Quem tem alma de criança nunca perde por esperar, Seleção # TE AMO JUNTINHO”. É de pasmar!!! Logo, logo a mais poderosa rede de televisão estará a conclamar “… faltam mil e tantos dias para o Copa do Mundo em Moscou” !!! E toda a lamentável distorção estará a se perpetuar!!!

Após a trajetória dos últimos anos, Scolari não deveria ser convidado a dirigir uma seleção. Técnicos com mais idade mantiveram-se atualizados. Sir Alex Ferguson (1941- ), que esteve na lista dos maiores treinadores do mundo até bem recentemente a dirigir o Manchester United da Inglaterra, é apenas um extraordinário exemplo. Scolari, Murtosa, Parreira não acompanharam a evolução técnico-tática do futebol. A acachapante derrota diante de uma Alemanha organizadíssima comprova a falta de estratégia de um trio atônito com o desenrolar do massacre infringido ao selecionado brasileiro. É só acompanhar o retrospecto de Scolari nestes últimos anos, saliento bem. Após passagem frustrada pela seleção portuguesa, com duas derrotas frente à mediana equipe da Grécia, a primeira e a última partida da Copa da Europa de 2004, não propiciando aos portugueses festejos em seu país, dirigiu despreparado o poderoso Chelsea da Inglaterra, retirando-se pouco tempo após. A seguir esteve a dirigir no Uzbequistão. A “inesquecível” condução como técnico do Palmeiras, abandonando o barco quando a equipe deslizava em direção à série B, o que de fato aconteceu, e as direções anteriores seriam motivos indiscutíveis para o arquivamento de seu nome como técnico, vencedor sim no passado, de certames no Brasil e da Copa de 2002. Esses feitos jamais serão olvidados e ficarão registrados na história do futebol pátrio. Assumir o cargo de técnico da seleção brasileira, tendo Carlos Alberto Parreira, outro desatualizado, foi temeridade a anunciar naufrágio. Sob outro aspecto, entendo profundamente constrangedora a atitude dos três, Scolari, Parreira e Murtosa, abandonando à própria sorte a seleção após o terceiro gol da Alemanha. Encolhidos em suas cadeiras, abrigados do vexame e não dando a menor possibilidade de reação à equipe pessimamente escalada para enfrentar a poderosíssima seleção alemã. Desestruturada em sua espinha dorsal, pois negligenciando o meio de campo, setor cerebral de uma equipe, tornaram-se nossos perdidos jogadores presas fáceis da blitzkrieg germânica, que atacava com rapidez, desorganizando por completo nossos setores defensivo e dianteiro. A imagem que me vinha à mente após os poucos minutos de terror, quando tomamos 5 gols, era a dos filmes sobre a segunda grande guerra em que tanques e aviões nazistas invadiam sem piedade as hostes “inimigas”. Frise-se, em nenhum instante a extraordinária equipe alemã utilizou de recursos desleais e seus jogadores demonstraram até uma certa “piedade” em relação à nossa seleção. Se quisessem forçar as blitz, teriam chegado não aos sete gols, mas certamente à maior goleada da história de todas as copas, dez, onze ou mais gols!!! A comparação com a blitzkrieg, friso, relaciona-se ao poder de ataque, pois a seleção alemã, num sentido absolutamente oposto aos nazistas, foi certamente a mais simpática, comunicativa e generosa entre todas que estiveram no país. Que o diga o Estado da Bahia, onde se hospedaram. Legaram ao simpático povo baiano a sede que planejaram e construíram.

Considerando a decisão de alguns técnicos, como Fabio Capello (Rússia), Cesare Prandelli (Itália) e outros que não estou a me lembrar, após os 7 x 1 contra os alemães o mínimo que Scolari e a Comissão Técnica poderiam fazer seria anunciar a pronta demissão após o jogo deste sábado. Veremos. Mas fica a pergunta cruel, temos hoje algum técnico no Brasil ao nível dos experientes europeus ou mesmo argentinos? Falam de Tite. Campeão Mundial Interclubes em 2012 pelo Corinthians. E depois? Sucumbiu com o mesmo time no campeonato brasileiro do ano seguinte. Muricy foi tímido e não preparou convenientemente o Santos para o desastre de 4 x 0 frente ao Barcelona, também a disputar o Mundial Interclubes. Internacional de Porto Alegre e o Atlético Mineiro deram vexame ao serem derrotados nas semifinais desse certame em outros anos, também mal orientados nas retas finais. Sob outra égide, os técnicos das seleções da Colômbia (José Pekerman) e do Chile (Jorge Sampaoli) são da Argentina e levaram as equipes por eles dirigidas a avançar na Copa do Mundo como jamais acontecera anteriormente para os dois países. Argentinos eram os dois que decidiram a Liga dos Campeões da Europa neste 2014. Teríamos a humildade de convidar um excelente técnico europeu? Para a Confederação Brasileira de Futebol e para o ego de nossos treinadores seria impossível pensar em técnico do país vizinho. A seleção dos Estados Unidos teve a treiná-la um dos maiores jogadores da Alemanha em passado recente, Jürden Klinsmann, e cumpriu com dignidade sua participação na Copa.

Sob outro contexto, gostaria de salientar que a não realização das eliminatórias pela seleção do Brasil como país sede, resultou situação aparentemente tranquila, mas péssima no que concerne à presença permanente da tensão em jogos decisivos. Quem sedia a Copa tem a participação garantida. Contudo, eliminatórias significam atividade constante e testes essenciais para jogadores que despontam ou não estão glorificados pelos holofotes. Cria-se uma equipe base que, durante mais de um ano, terá de pontuar para se garantir entre os primeiros nas eliminatórias. Jogadores entram com adrenalina lá em cima pela expectativa dessa pontuação, apresentam-se frente às hostis torcidas de outros países sul americanos nos chamados jogos de volta. Essa participação é o peristilo do que poderá acontecer numa copa. Todavia, livre das eliminatórias, teve nossa seleção como jogos extras partidas amistosas sem qualquer interesse futebolístico. Em se tratando do Brasil, a CBF busca seleções por vezes insignificantes de países longínquos para pelejas que só buscam o lucro e, logicamente, nem os jogadores têm a adrenalina alterada, tampouco esses jogos são lembrados. Quantos não foram os mergulhos abissais no mar da corrupção que a CBF realizou nessas últimas décadas envolvendo, entre outras estranhas negociações, esses jogos “caça-níqueis”? Nada, mais nada é capaz de modificar as estruturas corroídas da CBF.

Assim como o dia 16 de Julho de 1950 jamais será esquecido, o célebre Maracanazo, também o dia 8 de Julho ficará na memória, o Mineiratzen, nos textos, nas conversas de botequim, no cotidiano sob todas as formas e nesse imaginário nostálgico do sofrido povo brasileiro. Preparado para as fotos que seriam divulgadas ad nauseam, caso vencêssemos a Copa, certamente o Planalto silenciará sobre o desastroso match frente aos alemães. Silenciará também sobre obras inacabadas nos entornos dos estádios e na infraestrutura, sobre os gastos estrondosos das grandes arenas e, infelizmente, sobre os gigantescos e belíssimos elefantes brancos que ficarão plantados em Manaus e Cuiabá. Nada a fazer neste país à deriva. “O povo tem memória curta”. Acredita o Planalto que logo as nuvens cobrirão todo o infortúnio. Nada a fazer. As eleições batem à porta.

Post Scriptum:

O texto entrou aos cinco minutos deste último sábado. Corroborando o que se lê em meu blog, porém com a acuidade e o olhar mais aprofundado de um dos maiores locutores e comentaristas que o Brasil conhece, Flávio Araújo, insiro excerto da “Coluna” que recebi, publicada em site especializado no dia 14/07/2014.

“O país do futebol de outrora é hoje a pátria da corrupção, onde as mãos largas dos políticos se fecham em busca do poder a qualquer preço e pelo maior tempo possível. O futebol muito fez pelo Brasil em tantos anos de conquistas, mas chegou o momento de abrirmos os olhos desse povo hoje enganado em todos os sentidos. Seja pelos políticos produzidos pelos marqueteiros para mentir em busca de votos, seja pelo falso ufanismo imperante nas tevês. Quem não via que o Brasil não tinha time para ganhar a Copa? Só os cegos globais”.

After Brazil’s 7-1 defeat by Germany in World Cup semi-final, a humiliation on epic scale, I raise some considerations about the sad situation of Brazilian football today.