Estímulo para Nova Categoria

Não force a arte, não force a vida,
nem o amor, nem a morte.
Deixe que tudo suceda como um fruto maduro
que se abre e lança no solo as sementes fecundas.
Que não haja em si, no anseio de viver,
nenhum gesto que lhe perturbe a vida.
Agostinho da Silva

É fato claro que determinada decisão somente surja após estímulo.  Seria possível entender que resoluções amadurecem a partir de simples sugestão ou até pelo acaso. Incontáveis as obras criadas através da história depois de impulso estimulante. É este incentivo que teria faltado a tantas criações que, estioladas, não chegaram à luz.

Fiquei surpreso com o número de e-mails recebidos, particularizando as apreciações que escrevi ultimamente sobre gravações. Até então não o fizera, a observar uma postura ética como intérprete frente às gravações de outros pianistas. Assim como abstive-me de escrever certas resenhas de livros que chegavam às minhas mãos enviados pelo saudoso Nilo Scalzo, e que teriam como destino o extinto suplemento Cultura de “O Estado de São Paulo”, assim também evito escrever em meu blog sobre livros recomendados que, às primeiras páginas, levam-me à desistência ou, então, sobre outras manifestações artísticas que não me atraem. O meu blog, ininterrupto há mais de oito anos e meio, sem qualquer apoio ou propaganda, dá-me as asas da não concessão que conduz às minhas próprias escolhas. Continuo a acreditar que a independência é sempre salvaguarda maior da consciência. Se a atitude é certa ou não, ela é pessoal e não sofre pressão alguma, sujeita unicamente à minha consciência. A lista de livros resenhados neste espaço é longa e o leitor tem acesso através do menu, no item “Livros – Resenhas e Comentários (lista)” . Todas as obras lidas pelo único motivo de querer lê-las. Nenhum outro.

Brevemente abrirei item novo, pois a guarida dos leitores a três recentes comentários de CDs entusiasma-me. Contudo, confesso, só escreverei se realmente entender tal registro fonográfico realmente inusitado quanto à interpretação, ao repertório e ao propósito ao qual se destina, entenda-se, qualitativo, sempre.

Quanto à periodização dos posts específicos e críticos relativos às gravações, tenciono escrevê-los com certa frequência, sem fixá-los no calendário, e a abranger, preferencialmente no momento atual, gravações que para mim tiveram a chama da revelação interpretativa. Refiro-me aos intérpretes do passado que mais e mais estão sendo lembrados em ótimos lançamentos e que revelam a tradição mantida em seu nível mais elevado. Se a gravação recente for de meu inteiro agrado, certamente escreverei, como o fiz para os CDs de Sérgio Monteiro, Sebastian Benda e António Rosado.

Os comentários estimulantes sobre críticas e observações recentes que escrevi sobre gravações e que chegaram à minha caixa de e-mails majoritariamente são curtos,  trazendo-me o prazer da descoberta por parte do leitor e votos de continuidade. A todos fica meu profundo agradecimento. Igualmente, minha gratidão ao dileto amigo Magnus Bardela, que há anos apontava o direcionamento a que me proponho doravante.

O CD Oswald, gravado pelo pianista Sérgio Monteiro (vide: Obras para piano de Henrique Oswald, 07/11/2015), mereceu, entre outros comentários, os de dois bisnetos de Henrique Oswald.

Escreve Thomaz Oswald:

“Temos a satisfação de fazê-lo saber de que o CD, que recebemos do Sérgio Monteiro, já foi incluído na relação (incompleta) de gravações H.Oswald, no site da família. Belíssima apreciação (blog). Obrigado. Também gostei muito do CD e dois movimentos do op. 3 estão disponíveis para audição: um no próprio site (www.oswald.com.br) e outro no mini-site do CD (através do link). A propósito, o quadro de Henrique Oswald (que está comigo) e que está no livreto interno do CD (e foi colocado por você no blog) foi por mim enviado ao Sérgio. Também gostei muito da qualidade da gravação e do resultado final do CD, assim como do virtuosismo que o Sergio imprimiu em certas passagens – principalmente no op. 3. Concordo com você em tudo”.

Sinto-me lisonjeado com as palavras da filha de minha dileta e saudosa amiga Maria Isabel Oswald Monteiro, neta do compositor. Escreve Maria Clara Porto:

“Vi que você gostou muito do CD gravado pelo Sergio Monteiro…! Parece que é muito bonito, ainda não escutei… ele ficou feliz com sua crítica, pelo que meu primo Thomaz me passou, te nomeia ‘maior sumidade em Henrique Oswald’! E você é!”

Do excelente pianista Sérgio Monteiro recebi o e-mail:

“Obrigado pelo apoio desde o início deste projeto e pelo carinho da recomendação do CD. Espero que este contribua para a divulgação e apreciação da obra de Oswald. Aqui nos EUA, o público vem apreciando imensamente. As pessoas estão ávidas por ouvir obras novas de real beleza, e isso faz com que se abra um espaço grande para os românticos pouco conhecidos”.

Selecionei dois e-mails relativos ao comovente álbum de CDs com gravações do ilustre pianista suíço Sebastian Benda (vide Sebastian Benda – 1926-2003, 21/11/2015).

A dedicada viúva do pianista, Luzia Benda, envia notícias:

“A sua apreciaçāo detalhada sobre a interpretaçāo das obras gravadas demonstra um grande conhecimento, tanto histórico como estilístico, e também uma grande sensibilidade, reconhecendo os valores musicais e humanos inerentes à personalidade de Sebastian”.

Do compositor e pensador francês François Servenière, que frequenta meu blog sempre de maneira arguta, recebi a mensagem:

“Acabo de ler o seu artigo sobre Sebastian Benda, que eu conhecia de nome, mas nada de sua brilhante carreira. Personalidade de forte interesse e de enorme talento. Suas interpretações são magníficas, plenas de virtuosidade e de clareza. Particularmente apreciei a sua concepção agógica em In der Nacht das Fantasiestücke op. 12, de Robert Schumann. Seu domínio e pulsação rítmica na peça de Villa-Lobos, Dança do índio branco, do Ciclo Brasileiro, impressionam (links conduzem à audição dessas obras no blog acima mencionado). Causou-me impacto o percurso musical de Sebastian Benda. Há muitos artistas célebres, sobretudo hoje com a força da mídia e dos mecanismos do show business. Quantos são essenciais, quantos apreendem a fonte milenar, quantos são autênticos em seu caminhar humanístico? Espanta-me sempre a sua capacidade de encontrar e estar em contato com personalidades marcantes de nossa arte e de nossa época contemporânea. Não tenho dúvidas de que, se você tivesse vivido no começo do século XX, teria encontrado Fauré, Debussy e Ravel… Você tem o senso da verdade em arte e essa intuição permite-lhe nunca errar sobre a essência, sobre o objetivo último da música. A idolatria, permanente tentação de traição do essencial, resultado do abusivo incenso sobre artistas stars, mostra-se sempre atual, hélas. É, pois, fundamental o que o amigo faz, lembrar os exemplos dignificantes, a entender que o dinheiro é necessário, mas não pode ser o centro, apenas o meio. Quando ele se torna o eixo, a sociedade se corrompe e os povos acabam mal.

É necessário continuar ardentemente a encorajar a genealogia dos artistas essenciais, nem sempre os mais célebres, mas certamente aqueles que sustentam as principais vertentes das artes. Aquelas de que nossos sucessores continuarão a utilizar-se para aceder à excelência, esse farol potente que ilumina a humanidade” (tradução: JEM).

Sobre o último blog (“Músicas Festivas” de Fernando Lopes-Graça), duas mensagens vindas de Portugal apenas enriquecem o que foi exposto.

Sílvia Camilo, uma das organizadoras do projeto “Músicas Festivas” para piano, escreve:

“Foi com imensa alegria que recebemos a notícia deste artigo no seu blogue. Muito obrigada! Ficamos muito orgulhosos por merecer essa atenção, claro. Espero não estar enganada quando afirmo que na ‘minha’ música, a nº 2, ‘Para os 3 anos da Sílvia’ está lá, na parte mais melancólica, o ‘Epitáfio para uma donzela’, de 1930. Também acha? Vamos aproveitar para divulgar o seu blogue e website. Mais uma vez obrigada!

Um forte abraço,
A equipa das Músicas Festivas,
Sílvia”.

Quanto à semelhança das “músicas”, seria possível entender certa aproximação, pois estruturas e determinados contornos melódicos integram o idiomático de Lopes-Graça. Reinventa-os constantemente durante a efervescência criativa.

Maria Celestina Leão Gomes, Presidente da Associação Lopes-Graça sediada em Lisboa, assim se pronuncia, a esclarecer, inclusive, um dos temas marciais utilizados pelo compositor, que se encontra no link postado no blog “Para os 70 anos de Vasco Gonçalves”:

“Comentários excelentes os seus. As músicas são celestiais. A inclusão de um excerto de ‘Grândola Vila Morena’ na ‘Música Festiva nº 20′ – ‘Para os 70 anos de Vasco Gonçalves’ marca bem a gratidão de um pelo outro. Dois grandes homens como que a se abraçarem numa despedida transitória e cheia de esperança. Imortalizados deveriam ser os que, com o seu trabalho, saber, talento e amor, entregam-se às coisas e causas que enobrecem as pessoas, as sociedades ou mesmo a Humanidade”.

Sobre o último blog, que abordou as “Músicas Festivas”, de Fernando Lopes-Graça, Servenière tece reflexões, como habitualmente o faz:

“Endosso sua admiração por Lopes-Graça. Evidentemente não é meu universo estético, pois ele corresponde a uma outra época, aquela situada entre 1945 e 1980. As ideias artísticas deviam lutar contra outras forças, no seu caso, o Estado Novo (1933-1974). Os tempos mudaram, mas admiro sua escrita musical, a força de suas ideias e suas articulações. Elas só são possíveis num grande mestre, mesmo que o conjunto de sua obra tenha um viés que eu diria sombrio e torturado, por vezes. Faz-me pensar em alguns pontos encontráveis na produção de Olivier Messiaen. Os dois foram submetidos a pressões que permanecem em suas criações, Lopes-Graça, monitorado durante décadas pelos agentes salazaristas e sofrendo o constrangimento das prisões; Messiaen, prisioneiro em um stalag (1940-1941). Nas situações ditatoriais que vivem certos países no curso da história, a ignomínia ronda de perto os indivíduos, sobretudo aqueles independentes, livres e solitários. A sociedade tem necessidade de encontrar bodes-expiatórios. Creio que Graça e Messiaen jamais puderam, consequência dessas horríveis condições, distanciar-se dessa realidade em suas composições e foram por elas condicionados. Como lutar contra? A arte permite dizer o inefável. Os dois mestres denunciaram os crimes a que foram submetidos através do estilo idôneo, preciso. Nossa geração e aquelas que virão deverão mostrar, até próximos cataclismos que certamente virão, que existe também um caminho iluminado e que tudo não é sombrio na vida, que existe a esperança e que a vida acaba sempre por vencer o niilismo e a morte”.

Ratifico meu agradecimento a todos os que enviaram mensagens alentadoras. Não me esquecerei da preciosa motivação.

My brief overview of music albums in recent blogs got much feedback from readers, serving as an incentive to add a new category to my posts: comments about great masters of the past or high quality present and past repertoires, sometimes forgotten nowadays. Today I transcribe e-mail messages from readers with their own views on the albums addressed in newly published posts.