Quando diálogo é salutar

El mercado libre fija los precios de los produtos
en función de la oferta y la demanda,
lo que ha hecho que en casi todas partes,
incluidas las sociedades más cultas,
obras literarias y artísticas de altísimo valor
queden disminuidas y arrinconadas, debido  a su dificuldad
y exigencia de una cierta formación intelectual
y de una sensibilidad aguzada para ser cabalmente apreciadas.
Mario Vargas Llosa
(La civilización del espectáculo)

Luís Carlos é pós-graduando em Artes. Vejo-o sempre na feira-livre do Campo Belo, a acompanhar sua mãe Marina, médica. Atento leitor dos blogs, já havia percorrido os vários posts nos quais trato da digressão a Portugal. Breve conversa. Disse-me  ter dúvidas sobre determinados tópicos. Marcamos um curto no Natural da Terra e foi muito agradável e revigorante a conversa, que se prolongou por uma boa hora.

Mais focalizado nas Artes Plásticas, Luís Carlos tem, contudo, sérios questionamentos sobre a Arte praticada pelos “artistas” mais irreverentes em exposições e bienais espalhadas pelo mundo. Acompanha atentamente  os catálogos. Mencionei Vargas Llosa, que não mais visita bienais pela grande quantidade de verdadeiras “picaretagens” existentes nessas mostras de caráter internacional.

Não obstante as artes plásticas, Luís Carlos quis saber sobre a composição contemporânea e o fato de eu buscar promovê-la, assim como muitas joias do passado ignoradas pela maioria dos pianistas. Disse-lhe que foram inúmeros os posts em que abordei o tema. Recorrente, pois. Contudo, Luís Carlos interessou-se pela revisitação a determinados padrões criativos, tanto nas artes plásticas como na música, e que não merecem a guarida necessária por parte da crítica. Disse-lhe que, preferencialmente nos últimos tempos, a crítica de Arte tem mais interesse no aspecto social-mundano que gravita em torno dos frequentadores de mostras e concertos e na recepção festiva, por parte desse segmento, dos textos advindos e redigidos pelos “experts”. Havendo a benção de uma camada da sociedade, o crítico volta-se à lisonja, a demonstrar indiferença relacionada ao artista de mérito mas não ventilado pela mídia. Círculo vicioso a se auto ufanar. Tenho por mim que o autor que não soube sequer desenhar um objeto figurativo, compor uma fuga - magnífica forma sacralizada – escrever um poema rimado em período de aprendizado tem fortes atributos para vir a ser um livre atirador, aquele que, se acertar no alvo – entenda-se, a aceitação pela mídia e pela sociedade -, garantirá “respeitabilidade”. Mario Vargas Llosa tem carradas de razões, e certas mostras hodiernas apenas corroboram o fato. O Prêmio Nobel de Literatura menciona, em seu livro “La civilización del espectáculo”, uma exposição realizada em galeria londrina, de esculturas sobre bases de excrementos de elefante solidificadas. Insuportável se tornou a visitação pela nectarização repugnante, mas o “artista” ganhou notoriedade e ampla divulgação na mídia. Isso é a “picaretagem”. Nas artes plásticas, na música e na literatura abundam exemplos desse “arrivismo” sem atenuante, mas que resulta em polpudos ganhos ao seu criador. Esse estado efêmero, mas contagiante, torna considerável parte da “obra de arte” atual efêmera, mas nessa transitoriedade para outra “obra de arte” que será igualmente efêmera, passível de grande publicidade e ganhos para “artistas” e marchands. Quando Christo (1935- )  e Jeanne-Claude (1935-2009) embalaram templos, monumentos, edifícios, parques e paisagens naquilo que foi considerado um novo realismo, ficaram notabilizados pelo planeta, pois escolhiam com agudeza espaços e monumentos consagrados. Acorriam multidões para ver aquela arte que, efêmera, ficou contudo registrada através de imagens e “glorificada” durante o tempo que durou. Um comentário em revista francesa de grande circulação chamou-me atenção na década de 1980, pois os artistas, pós-exposição, vendiam como “obra de arte” retalhos do material com o qual revestiram conhecidos espaços públicos. E havia compradores!!! Uma arte que não almeja a perenidade, não adquire a aura. “Artistas” efêmeros pululam pelas galerias de arte do Ocidente. Ídolos de barro cru que se desmancham passado o modismo.

“E na música, como se produzem paralelismos?”, pergunta-me Luís Carlos. Respondi-lhe que há diferenças. Os impactos são outros. Hoje, considerável parcela daqueles que compõem e ligados à Academia, seja música acústica ou com auxílio de meios eletrônicos, busca subsídios de Instituições de Fomento do Estado. A perenidade da obra, que ocorreu para nossos compositores como Carlos Gomes, Henrique Oswald, Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Cláudio Santoro, Camargo Guarnieri, Gilberto Mendes (para mencionar alguns que nos deixaram), entra em xeque-mate para muitos autores atuais. Nessa busca ao incentivo, obtê-lo é a meta e a obra composta terá uma, duas, quiçá outras mais apresentações na sequência, mas cairá no olvido absoluto logo a seguir. Frise-se que tantas criações do passado tiveram patrocínios, mas sob outra égide. Em muitos casos, o compositor de nossos dias, mormente o ligado à Academia, já estaria,  a visar a outro projeto a ser aprovado e o interesse pelo que foi apresentado passaria a ser item precioso no currículo universitário com intenções inúmeras vezes voltadas ao carreirismo, praga que assola a Universidade. “Não seria essa categoria de composição igualmente efêmera”, pergunta-me Luís Carlos? O efêmero estaria situado num compartimento que julgo preciso, o descompromisso com a História. Mencionei-lhe um exemplo de projeto. Dos cerca de 80 Estudos que foram compostos por autores de mérito no mundo para a coleção de Estudos Contemporâneos para piano que idealizei, nenhum compositor recebeu verbas estatais, aqui ou alhures, para a concretização. Todos foram apresentados e, presentemente, tenho o prazer de interpretar pouco mais de duas dezenas que considero composições rigorosamente singulares. Gravei três CDs na Bélgica a contemplar a magia que emana dessas criações selecionadas. Verifico com prazer que pianistas respeitados aqui e alhures têm gravado alguns Estudos da extensa coletânea. Aliás, nesse aspecto voltado aos Estudos, estou a me lembrar de um jovem compositor que me foi apresentado na Inglaterra e que estava a par de meu projeto. Mostrou-me um Estudo e só no vislumbre da partitura aberta verifiquei que se tratava de missão impossível, tais as acrobacias insanas lá presentes. Perguntei-lhe se alguma vez compusera uma fuga -  magnífica forma sacralizada – e a resposta deixou-me atônito: “não, pois se trata de forma arcaica e ultrapassada”. Repete-se o que relatei sobre as artes em geral. Esse diálogo realço em meu livro publicado pela Université Sorbonne, “José Eduardo Martins, pianiste brésilien” (Série Témoignages nº 4, 2012).

“Quanto à Lei Rouanet?”, indaga-me o interlocutor atento. Respondi-lhe que tenho um pé bem atrás em relação a essa lei, sabedor de tramitações por vezes estranhas. É só observarmos as fotos. Toda lei de incentivo tem “pompa e circunstância” em sua apresentação. Examine as fotos e o Luís Carlos vai reparar que são sempre os mesmos que se fazem presentes em Brasília ou em outro lugar onde será assinada a lei. “Artistas” televisivos amplamente conhecidos, cantores populares que arrastam multidões, cineastas e outros mais da área. Figurinhas carimbadas, como se dizia outrora. Conseguem aprovações aos seus projetos que rendem quantias absurdas!!! Na essência, não deveriam ser esses os beneficiados, mas…  Busque pesquisar, meu caro, e você verificará seus nomes (sic). Vale a pena conferir!!! É Vargas Llosa ainda que, em outro capítulo do livro, escreve que sem os holofotes dificilmente o artista, mercê do talento, terá as benesses que porventura poderiam vir. Realidade pura e cruel.

Continuamos nossa conversa e Luís Carlos me disse que pensa ser professor de História da Arte. Comentei que a ideia é ótima, mas que esteja sempre atento aos conteúdos que serão transmitidos. Tornam-se repetitivos ensinamentos transmitidos sempre na intenção de cultuar apenas o consagrado. É lógico que a obra de arte perenizada tem de ser admirada pelos pósteros, mas há sempre um novo olhar, o direcionamento voltado às obras-primas, tantas vezes de artistas que permaneceram num injusto ostracismo através dos tempos. Só para mencionar os denominados impressionistas, quantos não foram os autores que, paralelamente ao movimento e também bafejados pelas musas, permaneceram, pelas mais díspares razões esquecidos em França, na Rússia Imperial, na Bélgica, na Holanda, na Itália, no Brasil…? Produziram obras notáveis, mas, como se proclama no meio dos negociantes de arte: “não têm mercado”. E todo o mal está feito. Busque pois a abrangência, o conhecimento amplo que traga à luz esses paralelismos na arte que permaneceram ignotos. Entenda-se, redescobrimento de obras qualitativas. Disse-lhe que sentirá, ao longo da carreira, que valeu a pena escolher o caminho traçado.

Despedimo-nos e creio que também aprendi com a conversa, pois Luís Carlos tem interesse e sobretudo é curioso, qualidade ímpar na busca incessante pelo conhecimento.

Chatting with a friend, the subject of permanence/impermanence of art came up. How to decide what is art and what is schlock? Difficult to decide, nowadays in special. This post reflects upon this issue, concluding that a masterwork has always that aura of perennity that will survive intact through ages.